Nos poupem de hipocrisia!
Reproduzo a seguir duas matérias do jornal O Globo. A primeira concerne o assassinato sob tortura de um jovem de 15 anos cometido por policias militares de São Paulo. O segundo artigo informa sobre o relatório da Comissão parlamentar sobre o caso da jovem menor estuprada numa cárcere, onde ficou dias a fio na cela com 20 homens. Dois casos igualmente repugnantes, duas feridas profundas na alma de qualquer cidadão de bem. A democracia brasileira interpelada aos olhos do mundo.
Segundo o jornal O Globo, o relatório "poupa" a governadora do Pará de responsabilidade neste último caso da menor estuprada.
Me chamou atenção o verbo "poupa", pois no contexto ele é mais que uma simples constatação. Insinua O Globo que a governadora do Pará não é inocente e por motivações outras, foi "poupada".
No caso do jovem assassinado por policiais no Estado de São Paulo, o jornal O Globo poupa o governador José Serra de qualquer relação com a ação dos policias sobre sua jurisdição. Ele nem é mencionado, não existe nem como informação tipo "o fato aconteceu no Estado tal governado por fulano de tal que imediatamente tomou todas as providencias do caso..."
O Globo poupa, os jornais poupam. Quero deixar claro que utilizo o termo poupar no sentido que penso que o jornal, aliás a maioria dos jornais e não só O Globo, entendem: poupam porque encobrem e defendem e preservam e simpatizam e agem em favor do poupado. Aqui, neste assassinato de um jovem de 15 anos, indefeso e torturado até a morte por vários policiais numa dependência pública, nenhuma indignação. Noblat não fará enquete, ninguém pede explicações, nem demissões, nenhum articulista exige CPI ou Comissão parlamentar. Somos convocados por quase toda a mídia a POUPAR.
A explicação cabe em duas siglas: a governadora do Pará, Ana Julia, é do PT. José Serra, governador de São Paulo é do PSDB.
É assim de simples, diáfano e claro. Basta abrir os olhos e ler.
Luis Favre
Ver também sobre isto a crítica do ombudsman da Folha em Procura-se José Serra e a velha Folha de São Paulo)
Em SP, rapaz morreu por choques no coração
Diretor do IML diz que corrente elétrica atingiu o miocárdio do garoto de 15 anos, preso e torturado por policiais
SÃO PAULO. O adolescente Carlos Rodrigues Júnior, de 15 anos, morto após ser detido por seis policiais militares em Bauru, no interior de São Paulo, foi torturado com 30 choques elétricos.A informação consta do laudo do Instituto Médico-Legal (IML), divulgado oficialmente ontem.
Segundo o diretor do IML de Bauru, Ivan Segura, dois choques no mamilo esquerdo ocasionaram a morte do rapaz, por falência cardíaca e respiratória: — A corrente elétrica foi direto ao coração, atingindo o feixe nervoso do miocárdio (músculo cardíaco).
A maioria das queimaduras por choque estava na parte superior do corpo e no rosto de Rodrigues. O diretor do IML também observou marcas nos pulsos da adolescente.
— Isso indica que ele foi contido — disse Segura.
O corpo da vítima apresentava seis equimoses (marcas de pancada), nas regiões do tórax, rosto e orelha esquerda. O adolescente foi morto na madrugada do último sábado. Ele era suspeito de ter roubado uma moto. Segundo parentes da vítima, os seis PMs invadiram a casa da família e espancaram o rapaz.
Depois, o levaram desacordado para um carro da polícia e partiram. Minutos depois, os PMs levaram o menino a um hospital, onde ele morreu.
Os seis policiais responderão ao crime na Justiça comum. Segundo o promotor João Henrique Ferreira, de Bauru, os policiais serão processados por homicídio qualificado por tortura ou por crime de tortura com resultado morte. O advogado dos PMs, Sérgio Eduardo Mangiabardo, diz que seus clientes afirmam ser inocentes: — Eles dizem que o garoto teve um mal súbito depois de algemado. Ele estava transtornado e os policiais tiveram de usar da força para contê-lo.
O Comando do 4oBatalhão da PM, em Bauru, anunciou que os policiais passarão a ser revistados diariamente, assim que chegarem ao trabalho. Eles foram proibidos de levar qualquer tipo de objeto pessoal para os veículos. Com os policiais presos no sábado, foi apreendido um fio com as pontas descascadas, que teria sido usado para dar choques no adolescente.A Polícia Civil abriu um inquérito para investigar a morte do rapaz, que pode ser concluído em dez dias ou ter o prazo prorrogado.
* Do Diário de S.Paulo
Erundina pede punição de autoridades no Pará
Deputada poupa a governadora Ana Júlia, em relatório sobre o caso da menina presa em cela com 20 homens
Evandro Éboli
BRASÍLIA. O relatório da comissão externa da Câmara dos Deputados que acompanhou no Pará o caso da adolescente presa por 24 dias numa cela com 20 homens no Pará condena a atuação das autoridades estaduais e pede punição exemplar para os envolvidos.
O documento preserva, no entanto, a governadora Ana Júlia Carepa (PT). O documento, relatado por Luiza Erundina (PSB-SP) e aprovado ontem, classificou o caso como gravíssimo e inominável atentado contra os direitos humanos cometido por agentes do Estado contra uma jovem indefesa.
“É evidente que houve negligência, omissão e até mesmo conivência das autoridades, da Corregedoria Regional da Polícia Civil, dos promotores do Ministério Público e dos representantes do Poder Judiciário.
Exigimos investigação e punição exemplar dos responsáveis”, diz o relatório.
Sobre a atuação do governo do estado, o relatório de Erundina diz que algumas providências já foram tomadas, porém de forma pontual e dispersa.
A relatora diz que falta um plano de ação estratégica no âmbito da segurança pública e também na área social para prevenir a marginalidade de jovens e adolescentes.
Deputada pede demolição do prédio de delegacia Erundina pede o afastamento de todos os envolvidos, proteção ao presos que estiveram encarcerados junto com a adolescente, a demolição do prédio da delegacia de Abaetetuba (onde a adolescente ficou presa), o funcionamento ininterrupto do Juizado, da Defensoria Pública e do Ministério Público em todo o estado, além da implantação de centros de atendimento a crianças e adolescentes.
Erundina disse que não houve proteção da governadora e que não eximiu Ana Júlia de culpa. A relatora afirmou que são vários os níveis de governo que não agiram. A parlamentar afirmou que não pode, nesse caso, pegar ninguém para “bode expiatório”. O deputado Zenaldo Coutinho (PSDBPA), integrante da comissão e que faz oposição à governadora, reagiu ao argumento de algumas deputadas que saíram em defesa de Ana Júlia dizendo que a petista está há apenas onze meses no poder.
— Não podemos fugir da responsabilidade do Executivo.Tem muito subordinado da governadora envolvido diretamente.Ela foi eleita. Se foi há onze meses, paciência — disse Zenaldo.
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