terça-feira, 25 de dezembro de 2007

A Culpa É do Fidel!



Filha de Costa-Gavras estréia na ficção

"A Culpa É do Fidel!", de Julie Gavras, mostra, sob ótica infantil, mudanças de família burguesa que vira esquerdista

Herança do cinema político de seu pai impõe limites à diretora; "Jamais serei capaz de fazer um filme apenas para divertir as pessoas", diz

Divulgação

O casal Marie (Julie Depardieu) e Fernando (Stefano Accorsi), com seu filho caçula, em cena de "A Culpa É do Fidel!', de Julie Gavras

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Filha do aclamado diretor grego Constantin Costa-Gavras ("Z", "Amém"), a cineasta Julie Gavras dedica seu primeiro longa de ficção -"A Culpa É do Fidel!", em cartaz na cidade- a Elias, nascido pouco antes do início das filmagens.
"Meu filho conviveu pouco comigo em seu primeiro ano de vida, por causa do filme. Mas espero que, quando puder assisti-lo, ele perceba que os pais sempre fazem o melhor que podem, ainda que às vezes se atrapalhem", diz Julie à Folha, por telefone, de Paris, onde vive.
Os pais da pequena Anna (Nina Kervel-Bey), 9, a protagonista de "A Culpa É do Fidel!", atrapalham-se bastante, na perspectiva da garota, quando decidem rejeitar sua vida burguesa na Paris do início dos anos 70 para abraçar bandeiras esquerdistas.
Em defesa da legalização do aborto, Marie (Julie Depardieu), a mãe de Anna, que até então era colaboradora da revista feminina "Marie Claire", passa a escrever um livro sobre a experiência de mulheres que abortaram. Os dramáticos depoimentos são colhidos na casa da família e entreouvidos por Anna.
Fernando (Stefano Accorsi), o pai da menina, põe de lado sua carreira na advocacia para promover na França uma base de apoio ao governo socialista de Salvador Allende no Chile.

Mudança
Devido aos novos e menos rentáveis projetos profissionais, a família se muda da ampla casa com jardim para um pequeno apartamento, em que Anna abomina o entra-e-sai dos "vermelhos barbudos".
É assim que ela aprende a chamar os novos amigos de seus pais, graças a Filomena, sua babá, uma convicta cubana anticastrista.
Filomena mal tem tempo de "ensinar" a Anna que a culpa por suas desventuras é de Fidel e termina substituída, uma e outra vez, por babás de nacionalidades distintas.
A troca constante da pessoa encarregada de cuidar dela é outro elemento que irrita Anna e acentua seu comportamento insatisfeito e agressivo. Esses traços da personalidade de Anna já estavam delineados no livro de Domitilla Calamai no qual o filme se baseia. Mas Julie fez questão de acentuá-los.

Anjos
"Nunca compreendi porque a maioria dos filmes de crianças as retrata como anjos, sendo que as crianças não são assim. Elas são questionadoras e podem ser tanto exasperantes quanto adoráveis, dependendo do momento", diz a diretora.
A Anna de "A Culpa É do Fidel!" alterna-se entre esses dois extremos. Se é exasperante na intransigente resistência às mudanças pretendidas pelos pais, ela é também adorável em suas tentativas de erguer um mundo com valores próprios, como quando tenta distinguir o "espírito de solidariedade" do "comportamento de manada". São questões que, como observa Gavras, acompanham a todos, para além da infância.
Em seu percurso profissional, Julie retardou a escolha pela mesma profissão de seu pai. Antes de tornar-se diretora, cursou direito. E começou no cinema pela direção de documentários, gênero a que seu pai não se dedica.
Hoje, a cineasta avalia ser "uma ótima herança" ser filha de quem é. Mas afirma que essa herança impõe a ela um limite, dado por sua intimidade com a opção de Costa-Gavras por um cinema de teor político.
"Jamais serei capaz de fazer um filme para apenas divertir as pessoas", afirma Julie, embora a diversão não esteja vetada de seus títulos. No próximo longa, ela pretende abordar, com seriedade, mas também com algum humor, o fenômeno do envelhecimento da população francesa.



Crítica


Filme privilegia a micropolítica das relações e consegue resultado autêntico

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Crianças costumam ser conservadoras. Para solidificar seu mundo, precisam da rotina e da ordem -e qualquer ameaça de instabilidade será motivo de retração e defesa.
Anna, a protagonista de "A Culpa É do Fidel!", é assim: uma menina conservadora, poço de contradição em relação a seus pais, liberais de esquerda em plenos anos 70. Aos nove anos, ela estuda em uma rigorosa escola católica, e de lá não quer sair.
Seu mundo de menina se abala quando os pais trocam a ampla casa parisiense por um apartamento mais modesto. Querem se dedicar a um trabalho engajado. Adeus, jardim; adeus, babá cubana.
Fernando, o pai, advogado espanhol que perdeu o cunhado na ditadura de Franco, passa a trabalhar pela eleição de Salvador Allende no Chile; a mãe, Marie, repórter de revista feminina, começa a escrever um livro pela legalização do aborto.
O que mais chama a atenção nesse primeiro longa de ficção de Julie Gavras é sua facilidade para assumir o ponto de vista de Anna. É inevitável imaginar a identificação da diretora, filha de um homem de esquerda, com a personagem principal.
Julie Gavras constrói seu filme como o retrato de uma criança na mais importante etapa de sua formação: a descoberta das idéias, da moral e da ética. Entre as palavras que ouve da babá -que fugiu da Cuba de Fidel e põe a culpa das aflições da criança no "barbudo vermelho"-, as idéias dos avós reacionários e, principalmente, aquelas que ouve de seus próprios pais e dos amigos deles, a menina Anna, evidentemente, fica confusa.
Bonito, aqui, é observar a dolorosa descoberta de que não há verdade definitiva e que a resposta não está nos outros. Para sair da confusão, só abrindo seu próprio caminho, a partir da relação com os outros. Ou seja, Anna aprende a pensar por conta própria.
Como tantos filmes franceses, "A Culpa É do Fidel!" se baseia nos diálogos, mas eles são bem escritos e fazem parte da história. Anna, afinal, só vê duas possibilidades de contornar seus dilemas: revoltar-se e perguntar.
Para registrar esses diálogos, Gavras usa a lição básica do manual de como filmar crianças, posicionando a câmera na altura da protagonista, quase sem abandonar esse ponto de vista. Assim, consegue realizar um raro filme protagonizado por crianças com um resultado autêntico. E ainda escapa da sina de mimetizar o pai, ao privilegiar a micropolítica das relações humanas à grande política das ideologias.


A CULPA É DO FIDEL!
Direção:
Julie Gavras
Com: Nina Kervel-Bey, Julie Depardieu, Stefano Accorsi
Produção: França/Itália, 2007
Onde: em cartaz no Espaço Unibanco e HSBC Belas Artes
Avaliação: bom

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei muito do título do filme. La culpa será simpre de Fidel, Che, Lenin, Stalin, e todo los que propagan el comunismo.
comunistas és la mierda de la humanidad.