sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

West Side Story: como chegar aos 50 sem rugas

Marie-Noëlle Robert/Reprodução

West side story, antigo musical da Broadway em cartaz na França

Terra Magazine

Deolinda Vilhena

Para a maioria, quando se fala em West side story surge logo a imagem do filme de Robert Wise, estrelado por Richard Beymer, Natalie Wood, George Chakiris e Rita Moreno, produção que ganhou dez Oscars, inclusive os de melhor filme e melhor diretor, na maior consagração de um musical até então. Sucesso mundial quando de seu lançamento em 1961 e hoje, 46 anos depois, um filme tido como "cult". No Brasil West side story recebeu o título de Amor, sublime amor.

O que muitos esquecem é que antes do sucesso no escurinho do cinema, essa versão moderna de Romeu e Julieta foi montada nos palcos da Broadway, há exatos 50 anos. Mas o Jubileu de Ouro está sendo comemorado em Paris, na Rive Droite, às margens do Sena, no Théâtre du Châtelet. A escala parisiense da trupe da Broadway acontece após as apresentações em Viena e antes das apresentações em Zurique. A produção de 2007 tem cenários e direção de Joey McKneely, bailarino, que foi também assistente de Jerome Robbins. A parte musical coube ao maestro Donald Chan, especialista em comédia musical, preparado pelo próprio Bernstein.

Os 53 bailarinos e cantores, em sua maioria anglo-saxões, juntam-se aos 26 músicos, em sua maioria lituanos, que fazem a versão 2007 do mais célebre dos musicais. Provam que West side story continua a manter todo o seu vigor e emoção, mostrando aos franceses como chegar aos 50 sem uma ruga e sem envelhecer, simplesmente por abordar temas atemporais e universais, como o amor, e sempre de atualidade, como o racismo e a violência das gangues, personagens ainda presentes na vida do homem do século XXI.

Os que me conhecem, e entre os meus 17 leitores encontro 17 amigos, ou seja, todos me conhecem, sabem que sou francófila desde pequenina, meu nome de família por parte de mãe é França, ou seja sou França até no nome, o que faz de mim, por consequência ou por implicância, um ser anti-americano. Mas de repente sou obrigada a dar o braço a torcer : se existe uma coisa que americano sabe fazer é musical. Além da Coca-Cola e do telefone, duas invenções sem as quais minha vida seria bem menos ineressante!


E WEST SIDE STORY FEZ HISTÓRIA

O musical estreou no Winter Garden Theatre da Broadway em 26 de setembro de 1957, onde permaneceria em cartaz por mais de dois anos nesta primeira temporada, totalizando 732 apresentações.

Ambientada no Upper West Side em Nova York, a história de amor entre dois jovens se passa em meio a duas gangues rivais de porto-riquenhos, os Sharks e os Jets. Uma paixão que fere princípios em ambos os lados e aumenta a rivalidade entre as gangues, pois Tony, antigo líder dos Jets, se apaixona por Maria, irmã do líder dos Sharks, e tem seu amor correspondido.

Escrito por Arthur Laurents, com músicas de Leonard Bernstein e letras de Stephen Sondheim, produzido e dirigido por Jerome Robbins, que assinou também a coreografia, West side story é considerado o mais perfeito musical de todos os tempos.

Em 1949 Leonard Bernstein se perguntava se ao contar uma história trágica, utilizando as técnicas da comédia musical, não havia risco de cair na armadilha da ópera. A história provou que ele havia se superado, pois West side story, tanto no palco como na tela, é a perfeita aliança entre drama, a música e a dança.

Muita coisa mudou nesses 50 anos, e uma das mudanças mais marcantes quando se vê o musical hoje é a constatação de que ele nasceu em meio a uma onda de simpatia suscitada pela América do pós-guerra, mas hoje West side story é caracterizado pelas angústias da mundialização e uma rejeição aos excessos do gigante do Novo Mundo.


ÀS MARGENS DO SENA, UM DOS MAIS BELOS TEATROS DE PARIS

A Place du Châtelet, no centro de Paris, como conhecemos hoje nasceu por volta de 1860 quando dois teatros praticamente idênticos foram construídos pelo Barão de Haussmann: o teatro de Châtelet e o teatro de la Ville, antigo Sarah Bernhardt.

O Théâtre Impérial du Châtelet foi inaugurado em 19 de agosto de 1862 tendo a presença da imperatriz Eugénie na platéia de Rothomago, féerie de Ennery, Clairville e Monnier. Com 2.500 lugares e um palco de 24 x 35 metros, o Châtelet nascia como a maior sala de Paris da época.

Conhecido pelo seu ecletismo, talvez sua maior marca, o Théâtre Châtelet desde 1873 ocupa um papel principal na vida musical francesa. Data da criação da Association des Concerts Colonne, dirigida pelo seu fundador Edouard Colonne, a orquestra Colonne apresenta ao público do teatro os compositores franceses da época - Bizet, Saint-Saëns, Lalo, Massenet, Ravel. Ressuscita o gênio de Berlioz, mas interpreta também Mendelssohn, Wagner, Liszt, Schumann, Brahms. Compositores como Tchaïkovski, Grieg, Richard Strauss ou Debussy no Théâtre du Châtelet dirigem suas próprias obras. Assim como em 1900, Gustav Mahler dirige seu primeiro concerto na França à frente da Orquestra Filarmônica de Viena.

A grande revolução artística do começo do século XX encontra abrigo no palco do Châtelet, assim em 1907, a criação francesa de Salomé de Richard Strauss, com o compositor como regente. Dois anos depois o teatro acolhe a primeira temporada dos balés russos de Diaghilev, e a noite de 19 de maio de 1909 é realmente histórica. "Le Tout-Paris" como se dizia na época sagra seus novos ídolos: Tamara Karsavina, Anna Pavlova - meu avô, Salustiano Vilhena, integrava a orquestra que acompanhou as apresentações de Pavlova em Belém do Pará - e Vaslav Nijinski.

Foi no Théâtre du Châtelet, a partir de 1928, que os franceses descobriram os "musicais" americanos, tais como, Mississipi Show Boat de Oscar Hammerstein e Jerome Kern ou New Moon.

A partir de 1979, sob a tutela da prefeitura de Paris, que decide recuperar este que é um dos mais belos teatros da capital francesa, denominado então Teatro Musical de Paris e subvencionado pela prefeitura da capital, aposta numa programação e num preço que devem atrair um público maior.

Em 1988, com a chegada de Stéphane Lissner, novas diretrizes serão adotadas. A ambição do novo diretor é recuperar o prestígio internacional, a importância das criações e da inovação que o teatro havia conhecido no começo do século XX.

É o momento dos grandes nomes da direção teatral Luc Bondy, Stéphane Braunschweig, Patrice Chéreau, Adolf Dresen, Klaus Michael Grüber, Peter Sellars, Peter Stein, Pierre Strosser ou Bob Wilson em colaboração com grandes maestros da atualidade: Daniel Barenboim, Pierre Boulez, William Christie, Christoph von Dohnányi, Sir Simon Rattle, Esa-Pekka Salonen, Jeffrey Tate... Tudo isso deu ao Théâtre du Châtelet uma reputação de excelência artística e de inovação criadora.

Em julho de 2006, Jean-Luc Choplin assume a direção e sem abandonar as diretrizes de Lissner, aposta com vontade na criação de eventos artísticos que privilegiem a audácia e o entretenimento com o objetivo de atingir a marca de 300.000 espectadores por "saison", preparando uma programação musical alegre, aberta e educativa, da qual West side story é a verdadeira síntese...


A ATUAL VERSÃO, ORIGINAL, PERO NO MUCHO...

A produção (em inglês com legendas em francês) que ora se apresenta no Théâtre du Châtelet tem sido anunciada como a "versão original", o que ela não é, afirma Renaud Machart, crítico do Le Monde. Segundo ele, se a coreografia e os movimentos de Jerome Robbins (morto em 1998) foram reconstituídos pelo seu antigo assistente, Joey McKneely, os cenários, os figurinos e a iluminação são novos. O rótulo "versão original" é com efeito uma disposição legal destinada a identificar de maneira conservadora o propósito original de Robbins. Mas existe a possibilidade de outras versões, desde que haja acordo entre as partes.

Na verdade, tudo isso está ligado às exigências de Robbins que era um perfeccionista. Vale usar o filme com exemplo. O combinado no momento do filme era que ele fosse o responsável por rodar as cenas com canções e dança e Wise rodasse as outras cenas do filme. Em busca da tomada perfeita ele rodava a mesma cena diversas vezes. Em busca da perfeição, ele estourou o orçamento do filme e não respeitou o cronograma de filmagem. Acabou sendo demitido e coube a Robert Wise a responsabilidade de concluir o filme.

Não por acaso, há 50 anos West side story revolucionava a Broadway com dançarinos no palco desde a abertura das cortinas, com poucos diálogos, mas com muito rock, jazz e mambo e os primeiros heróis assassinados em cena numa comédia musical. Falando de uma juventude que crescia à sombra da Guerra Fria. Mas o espetáculo de hoje nos permite reencontrar em cena uma história que pode tanto se passar na América do Sul quanto nos subúrbios parisienses e europeus. Neles encontra-se a mesma raiva dos excluídos, o racismo e a guerra entre as gangues.

Mas côté música, West side story continua sendo uma seqüência de "tubes" como dizem os franceses: Tonight, Tonight, Maria sem falar em I Like to Live in America, canção entoada pelos porto-riquenhos num dos mais belos momentos do espetáculo.

Segundo Joey McKneely, eles apenas modificaram "um pouco" o figurino e adaptaram o cenário. O que ele fez mesmo foi de uma maneira geral acelerar o ritmo do espetáculo e por isso a escolha maciça de jovens atores/cantores/bailarinos, todos recrutados no eixo Nova Iorque, Montreal e Paris.


O ELENCO

O elenco base de West side story é composto por um quinteto: Maria (soprano lírico), Tony (tenor), Anita (mezzo soprano), Bernardo (barítono), Riff (tenor).

Tony e Maria são interpretados em alternância por Sean Attebury e Ann McCormack ou David Curry e Davinia Rodriguez (assisti com esses dois!). Outro personagem forte é o de Anita dos Sharks, no qual se revezam Lana Gordon - maravilhosa no dia que assisti ao espetáculo! - e Vivian Nixon.

Todos os intérpretes, Riff e Anita, no qual se revezam Lana Gordon (maravilhosa no dia que assisti ao espetáculo!) e Vivian Nixon, em especial, são excelentes. As coreografias são executadas no melhor estilo americano. De preferência com brio e precisão. O ritmo, os impulsos, os encadeamentos têm o mérito do trabalho técnico impecável e funcionam de forma mais do que bem ajustada para esta comédia musical. Encanta-me ver que a proposta desse espetáculo, ou seja a fidelidade à obra de origem, que não o torna apenas uma mera cópia mas sublinha a qualidade técnica e artística dos dançarinos do outro lado do Atlântico.


O DIRETOR, JOEY MCKNEELY, UM DISCÍPULO DE ROBBINS

Em 1998, McKneely teve a possibilidade de ensaiar com Jerome Robbins um show que retomava suas maiores coreografias para a Broadway. Tinha em alternância os papéis de dois dos principais Jets de West side story. Conheceu a grande exigência, igualmente a nível técnico e dramático: "ele podia ser duro, mas tinha freqüentemente razão. Nos ensaios dizia que devíamos sempre dançar com a nossa cabeça e com as nossas tripas." Coisa que McKneely pensa quando está preparando o elenco do seu West Side story: "os candidatos deviam ser também ao mesmo tempo bons dançarinos e bons atores."

Sobretudo, McKneely os queria jovens, mais jovens do que na versão original de 1957 e do que no filme, onde adolescentes de 18 anos de história eram interpretados por artistas às vezes mais perto da casa dos trinta que dos vinte! Isso dá uma dimensão mais realista à intriga. McKneely não hesitou em alterar a direção. A coreografia de Robbins extremamente estilizada, permanece muito moderna e sem dúvida é uma das comédias musicais mais ambiciosas do ponto de vista criativo. Para trazer West side story para nossa época, ele apostou nos figurinos de hoje, dinamizou a ação reduzindo os cortes entre cada cena e optando por um cenário minimalista. Quis alguma coisa de denso em ritmo e em emoção, que conquiste o público. Missão realizada. O mestre estaria orgulhoso do seu aluno.


A CRÍTICA PARISIENSE

Para Raphaël de Gubernatis, da revista semanal Nouvel Oservateur: "Cinqüenta anos após a sua criação, West side story não perdeu nada da sua força e da sua desesperante atualidade. Nos extasiamos diante da energia desse jovens bailarinos que são também atores e cantores e que espalham uma vitalidade como existe apenas nas Américas. (...) E no entanto, falta alguma coisa. Um pouco de alma, de emoção verdadeira, o que faria de West side story o que um espetáculo deve ser: uma obra de arte e não apenas uma mecânica magnifíca."

Lise de Rocquigny, crítica do Pariscope, ao contrário diz que a emoção é algo presente o tempo todo e que "além da alegria de ouvir essas árias míticas como I like to be in America, Maria, There's a place for us, One day, one night, redescobre-se com felicidade a música de Bernstein. Que partitura! Difícil de interpretar, mas tão moderna com esta mistura de gêneros, as harmonias e os ritmos... Uma verdadeira ópera, apoiada pelo entusiasmo da orquestra de Donald Chan. Do primeiro ao último quadro, a emoção está lá."

Para quem quiser dar uma conferida sugiro uma passada no site do canal francês TF 1 e da revista semanal Pariscope para conferir alguns minutos do espetáculo:

http://tf1.lci.fr/infos/jt/0,,3633528,00-west-side-story
-theatre-chatelet-.html
http://spectacles.premiere.fr/pariscope/theatre/exclusivites-spectacle/
video/les-premiers-extraits-de-west-side-story


UMA DICA: WEST SIDE STORY POR BERNSTEIN, TE KANAWA E CARRERAS

Se você que está lendo a coluna quiser conhecer a força da música de Leonard Bernstein corra atrás do DVD The Making of West Side Story, com o próprio Bernstein em chef d'orchestre e com os sopranos Kiri Te Kanawa e Tatiana Troyanos, com o tenor José Carreras e o barítono Kurt Ollmann, sob a direção de Christopher Swann. Lógico que você pode, e deve, ver o filme e buscar registros do musical, mas a alma de West side story é a música de Bernstein.

Kiri Te Kanawa - I Feel Pretty

Ele concordou em gravar West Side Story num estúdio em Nova Iorque no verão de 84, se a memória não me engana, com dois dos maiores nomes do mundo lírico da segunda metade do século XX: o tenor espanhol José Carreras e a neozelandesa Kiri Te Kanawa nos papéis de Tony e Maria.

Durante as gravações, foi realizado um making off no qual Kiri Te Kanawa dizia ter sido criada ouvindo essa música e disse mesmo que ela cantava a parte de Maria, enquanto seu namorado fazia a parte de Tony. Conta também que entre as muitas coisas engraçadas que aconteceram durante os dias de filmagem, o mais divertido de tudo foi quando Bernstein parou subitamente de reger e disse: "É esse o tempo, é esse". E ela riu, porque "era como ter Mozart com você e estar ali recebendo os ensinamentos diretamente dele, do mestre em pessoa".

E antes de terminar esta que é a última coluna do ano, gostaria de fazer um agradecimento especial a equipe do Porto Alegre Em Cena, afinal com eles vivi a maior aventura desse ano que chega ao fim, que por acaso foi o maior acontecimento do ano, em teatro, no Brasil: a vinda do Théâtre du Soleil. Gostaria também de desejar aos leitores e aos meus colegas de Terra Magazine um Feliz Ano Novo, que todos os nossos sonhos se tornem realidade e que 2008 venha com tudo! Bonne année!


Deolinda Vilhena é jornalista, produtora cultural, mestre em Artes pela ECA-USP, mestre e Doutora em Estudos Teatrais pela Sorbonne Nouvelle-Paris III

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