quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Sera? Beleza pode ser mesmo fundamental

The Economist

Valor

Imagine que você tem dois candidatos para uma vaga. Ambos do mesmo sexo - e sexo, em si mesmo, é um fator que determina sua inclinação para o que considera atraente. E os currículos de um e de outro candidato são igualmente bons, e ambos têm desempenhos igualmente bons em suas respectivas entrevistas. É impossível, porém, passar despercebido que um é muito feio e o outro é bonito. Você se deixaria levar pela aparência dos candidatos?


Possivelmente, não. Mas outros mortais, mais influenciáveis e menos orientados por preceitos morais, poderiam se deixar influenciar. Se a aparência não contasse, por que as pessoas iriam vestir-se melhor para tais entrevistas - mesmo que o cargo que disputam não exigisse caprichar na vestimenta? E, não esqueçamos, entrevistas de seleção para um emprego são pontos de inflexão na vida das pessoas. Se a beleza influencia entrevistadores, os bonitos terão, de modo geral, carreiras mais bem-sucedidas do que os feios - mesmo em carreiras para as quais a beleza não é uma qualidade necessária.


Mas seria errado você se deixar influenciar pela aparência de uma pessoa? Numa sociedade que evita preconceitos, privilegiar os belos pode parecer o supra-sumo da superficialidade. Mas nem sempre foi assim. No passado, as pessoas freqüentemente equiparavam beleza com virtude, e feiúra com vício.


Mesmo hoje, a expressão "feio como o diabo" não foi totalmente expurgada do vernáculo. Evidentemente, existe também outra expressão igualmente famosa: "a beleza está nos olhos de quem vê". Mas o significado desse antigo provérbio - de que a beleza é algo arbitrário - não é verdadeiro. Existe consenso sobre o que é belo entre a maioria dos observadores - e a biologia contemporânea sugere haver uma boa razão para essa concordância.


A biologia também sugere que a beleza pode, na realidade, ser um boa regra prática para avaliar alguém, seja qual for o sexo. Não se trata de uma regra infalível, e certamente ela não é substituto de uma investigação aprofundada. Mas, apesar disso, é uma regra instintiva que tende a privilegiar as pessoas fisicamente bem dotadas.


O papa dos estudos científicos sobre beleza é Randy Thornhill, da Universidade de Novo México. Foi Thornhill quem, pouco mais de uma década atrás, partiu de uma conclusão originalmente observada sobre insetos e ousou aplicá-la a pessoas.


O inseto em questão é a mosca escorpião (Panorpa communis), e a observação foi que as moscas cujas asas eram mais simétricas se saíam melhor e conseguiam os melhores pares na disputa pelo acasalamento. Thornhill indagou-se se essa predileção por simetria poderia se revelar universal no reino animal (e parece, de fato, ser assim).


Em particular, ela demonstrou ser verdadeira entre os seres humanos. Thornhill iniciou sua pesquisa com rostos, manipulando fotografias para torná-los mais (ou menos) simétricos, e submeteu-as a uma classificação de sua atratividade, julgada por voluntários do sexo oposto. Mas ele conseguiu demonstrar que todos os aspectos de simetria corporal têm seu peso, até mesmo os comprimentos de dedos correspondentes, e que a avaliação se aplica também a pessoas do mesmo sexo.


As razões parecem estar na dificuldade, para um embrião em desenvolvimento, de se manter em perfeita simetria. O embrião capaz de mantê-la possui, evidentemente, bons genes (e também certa dose de sorte). É, portanto, mais do que apenas coincidência que as palavras "saúde e beleza" venham facilmente articuladas numa mesma frase.


Outros aspectos de beleza também são indicadores de saúde. A condição da pele e dos cabelos, em especial, é sensível a enfermidades, desnutrição e assim por diante (ou, quem sabe, seria melhor dizer que as percepções das pessoas são particularmente sintonizadas para detectar perfeição e defeitos em tais coisas). E estudos mais recentes comprovaram outra associação: contrariamente às velhas piadas sobre loiras burras, as pessoas belas parecem ser também mais inteligentes.


Um dos mais detalhados estudos sobre a relação entre beleza e inteligência foi conduzido por Mark Prokosch, Ronald Yeo e Geoffrey Miller, também na Universidade do Novo México. Os três pesquisadores correlacionaram a simetria corporal de pessoas com seu desempenho em testes de inteligência. Existem, naturalmente, diversos tipos desses testes, elaborados em bases controvertidas. Mas a maioria dos pesquisadores na área concorda em que existe uma qualidade, normalmente designada como "inteligência geral", ou "g", que esses testes são capazes de mensurar objetivamente, ao lado de capacidades específicas em áreas como percepção espacial e linguagem. Miller e seus colegas descobriram que, quanto mais um teste visava mensurar "g", mais os resultados financeiros revelavam-se correlacionados com simetria corporal - especialmente na metade inferior da escala beleza-feiúra.


Rostos também parecem conter informações sobre inteligência. Poucos anos atrás, dois dos especialistas mundiais no estudo de expressões faciais - Leslie Zebrowitz, da Universidade Brandeis em Massachusetts, e Gillian Rhodes, da Universidade da Austrália Ocidental - reuniram-se para organizar uma resenha bibliográfica e realizar algumas novas experiências. Eles encontraram nove estudos (sete deles anteriores à Segunda Guerra Mundial, num indício da antigüidade do interesse pelo assunto), e os submeteram ao que é denominado meta-análise.


Todos os estudos em questão tinham empregado aproximadamente a mesma metodologia: fotografar pessoas e submetê-las a testes de quociente de inteligência (QI), e depois mostrar as fotos a outras pessoas e pedir a estas que classificassem a inteligência das primeiras. Os resultados sugeriram que as pessoas acertam em suas avaliações - não sempre, é verdade, mas com freqüência suficientemente significativa. Os dois pesquisadores e seus colegas então realizaram as suas próprias experiências, mas então dividindo os pesquisados por idade.


Os resultados, nesse caso, foram algo surpreendentes. Os pesquisadores concluíram que os rostos de crianças e de adultos de meia-idade pareceram, de fato, correlacionados com a inteligência, porém não nos casos de adolescentes e idosos. Isso é surpreendente, porque esse tipo de percepção de rostos deve, certamente, ser importante na seleção de parceiros, e os anos de adolescência são o período em que tal seleção é, provavelmente, mais intensa - embora, inversamente, seja também o momento em que a evolução estará empenhando-se ao máximo para ocultar eventuais deficiências, e as mudanças resultantes de ações hormonais que ocorrem durante a puberdade podem prover o material necessário para isso.


Os feios constituem um dos poucos grupos contra os quais continua sendo legal discriminar


Apesar disso, as evidências acumuladas sugerem que as características físicas dão, efetivamente, pistas sobre a inteligência, que tais pistas são percebidas por outras pessoas e que essas pistas são também associadas à beleza. E outros estudos também sugerem que isso é, de fato, relevante.


Um dos mais respeitados estudiosos da relação entre beleza e sucesso é Daniel Hamermesh, da Universidade do Texas. Hamermesh é economista, não biólogo, e portanto traz uma perspectiva um pouco distinta ao campo de estudo. Ele coligiu evidências em mais de um continente, segundo as quais a beleza é realmente associada ao sucesso - pelo menos ao sucesso financeiro. Também demonstrou que, tudo o mais mantido igual, seleção pelo critério beleza poderia ser uma estratégia empresarial perfeitamente justificada.


Pouco mais de uma década atrás, Hamermesh conduziu uma série de pesquisas nos EUA e Canadá, que revelaram que, quando todos os outros fatores são levados em conta, as pessoas feias têm rendas menores do que a média, ao passo que as pessoas bonitas têm renda acima da média. Essa punição pela feiúra para homens foi -9%, ao passo que o bônus-beleza foi +5%. Para as mulheres, talvez surpreendentemente, considerando os preconceitos comuns sobre os sexos, o efeito foi menor: a punição-feiúra foi -6%, enquanto que o bônus-beleza foi +4%.


A partir de então, ele começou a mensurar esses efeitos em outros países. Na China, a feiúra é mais punida nas mulheres, mas a beleza é mais recompensada. Os resultados para homens em Xangai são -25% e +3%; para as mulheres, são -31% e +10%. No Reino Unido, homens feios saem-se pior do que mulheres feias (-18% contra-11%) mas o bônus-beleza é o mesmo para ambos (e igual a apenas +1%).


A diferença também se aplica no âmbito de profissões. Hamermesh examinou as carreiras de membros de uma determinada (embora discretamente anônima) faculdade de direito americana. Ele verificou que as pessoas classificadas como atraentes com base em suas fotografias de formatura futuramente obtiveram salários mais altos do que colegas esteticamente menos favorecidos. Além disso, os profissionais em escritórios de advocacia tendem a ser mais "bem apanhados" que os que trabalham em orgãos governamentais.


Ainda mais injustamente, Hamermesh descobriu evidências de que pessoas bonitas podem proporcionar maiores receitas a seus empregadores do que as menos favorecidas. Seu estudo envolvendo agências de publicidade holandesas revelaram que as empresas com os executivos mais bonitos tinham as maiores receitas (ajustadas pela dimensão das firmas) - uma diferença que suplantou os diferenciais salariais das empresas em questão.


Finalmente, para tornar a coisa ainda mais injusta, Hamermesh descobriu que mesmo em sua própria profissão - intelectualizada e, supostamente, cega à beleza -, os candidatos atraentes revelaram-se mais bem-sucedidos em eleições para cargos na Associação Americana de Economia.


Essa vantagem também se aplica a eleições para cargos públicos, como perfeitamente demonstrado por Niclas Berggren, do Ratio Institute, de Estocolmo, e seus colegas. A equipe de Berggren examinou quase 2 mil candidatos em eleições finlandesas. Eles pediram a estrangeiros (predominantemente americanos e suecos) que examinassem as fotos de campanha dos candidatos e as classificassem pelo critério beleza. Então compararam essas pontuações com os resultados de eleições reais. Os pesquisadores puderam eliminar os efeitos de preferências partidárias porque a Finlândia tem um sistema de representação proporcional que põe os candidatos de um mesmo partido em competição mútua. E, surpresa, os candidatos mais bonitos, conforme classificação por pessoas que nada conheciam sobre a política interna finlandesa, tenderam a ser os mais bem-sucedidos - embora nesse caso, diferentemente dos resultados econômicos de Hamermesh, o efeito foi maior para as mulheres do que para os homens.


O que esses resultados sugerem é um processo em dois níveis, tristemente reminiscente da citação bíblica "àqueles que muito têm, mais lhes será dado, e àqueles que pouco têm, o pouco que têm lhes será tirado". Existe um efeito realimentador entre biologia e ambiente social que dá aos que têm - e tira dos que não têm.


Isso acontece porque a beleza é um indicador real de outras características subjacentes, como saúde, bons genes e inteligência. É o que os biólogos denominam "sinal não falsificável", como o profundo rugido de leões machos, que leõezinhos são fisicamente incapazes de produzir. Por isso, faz sentido, do ponto de vista biológico, as pessoas preferirem amigos e amantes belos, pois os primeiros serão bons aliados e os segundos, bons parceiros de acasalamento.


Isso proporciona aos belos oportunidades negadas aos feios, que permitem aos primeiros aprender coisas e estabelecer conexões que incrementam ainda mais o seu valor. Se eles forem julgados por essa experiência, assim como por sua aptidão biológica, isso os tornará ainda mais atraentes. Até mesmo uma pequena diferença inicial pode, assim, ser amplificada de modo a converter-se em algo que - visto de baixo - simplesmente não é justo.


Em vista disso tudo, não é de surpreender que a indústria de cosméticos fature anualmente em todo o mundo US$ 280 bilhões. Mas, será possível realmente forjar o sinal infalsificável?


As pesquisas de Hamermesh sugerem que sim, mas, infelizmente, que isso não é economicamente eficaz - pelo menos, se o objetivo é o progresso na carreira profissional. Estudando o caso de Xangai, onde revelou-se maior a diferença entre a punição-feiúra e o bônus-beleza, o pesquisador estudou como os gastos das mulheres em cosméticos e roupas afetavam sua renda.


Ele detectou um efeito perceptível, porém não suficiente para produzir um retorno positivo, num sentido estritamente financeiro. Ele estima que a vantagem-beleza gerada por tais artifícios equivale a apenas 15% do dinheiro investido. Evidentemente, a beleza produz retornos rentáveis em outras esferas da vida distintas do ambiente de trabalho. Mas isso, caríssimo(a) leitor(a), seria tema para outro tipo de artigo.


(Tradução de Sergio Blum)

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