Onde 2008 antecipa 2010
Uma comparação simples entre os vencedores das eleições municipais nas capitais de 1988 até hoje e o resultado da eleição presidencial imediatamente seguinte não deixa margem a dúvidas: o processo municipal e o nacional são relativamente desvinculados. Três circunstâncias devem quebrar a escrita no processo eleitoral deste ano: o fato de os governadores de Minas Gerais e de São Paulo disputarem a condição de presidenciáveis, de pela primeira vez desde 1960 não haver uma eleição presidencial com a presença de Luiz Inácio Lula da Silva entre os candidatos e de não haver qualquer candidato natural a assumir o legado de um governo federal que surfa em índices confortáveis de popularidade.
Das 26 eleições nas capitais, está claro o efeito de São Paulo e Belo Horizonte na sucessão em 2010. E o cenário do início de 2008 é adverso tanto para José Serra quanto para Aécio Neves, mas especialmente para o primeiro.
Governador de São Paulo, o tucano José Serra dedicou a sua manhã de quinta-feira a vistoriar uma obra municipal, o Hospital de M'Boi Mirim, na área mais pobre da zona sul paulistana. Primeiro eleito pelo PSDB na cidade com o maior colégio eleitoral do país, Serra renunciou à prefeitura depois de 14 meses, repassando-a para o DEM de Gilberto Kassab. É um episódio que visivelmente o constrange. Na história da cidade, igualou-se a Jânio Quadros e Adhemar de Barros, líderes combatidos por Serra na juventude que também usaram a prefeitura da capital como trampolim para vôos maiores. Para pavimentar seu caminho em direção à candidatura presidencial em 2010, o governador paulista tem na sucessão paulistana o seu maior obstáculo.
Sucessão passa por eleições em BH e SP
Garantir o apoio tucano a Kassab e oferecer a Geraldo Alckmin a possibilidade de voltar ao Palácio dos Bandeirantes em 2010 resolveria dois problemas de uma só vez para Serra: a consolidação da aliança partidária para a disputa nacional e o controle tucano da sucessão estadual. Mas a renúncia em 2006 diminuiu sua autoridade dentro do partido para barrar uma candidatura de Alckmin à prefeitura agora. Como justificar o apoio ao DEM em nome do interesse partidário? Se a divisão do eleitorado entre Alckmin e Kassab garantir a volta da petista Marta Suplicy à prefeitura, quem pagará o ônus por uma derrota? Se Alckmin ganhar, em que será devedor de Serra?
Tal como Serra, o governador de Minas não aposta em nomes do próprio partido para transformar a sucessão na capital de seu Estado em uma ferramenta para 2010. Belo Horizonte chega ao ano da sucessão do prefeito petista Fernando Pimentel em uma estranha situação de anomia. Nenhum dos nomes de prestígio eleitoral na cidade, como os tucanos João Leite e Eduardo Azeredo ou o petista Patrus Ananias, é de fato candidato. Aécio investe energias em procurar um candidato capaz de unir em um mesmo palanque o PT, o PSDB e o chamado bloco de esquerda - consórcio de pedetistas, comunistas e socialistas que tem no deputado Ciro Gomes (PSB) seu principal trunfo para a sucessão de Lula. Mostrar que é mais capaz que Serra em forjar alianças políticas é uma obsessão para o governador mineiro. Mas a tarefa ficou difícil depois que Walfrido dos Mares Guia foi abatido pela denúncia do Ministério Público sobre o caixa 2 em Minas. Tal como Serra, Aécio depende da boa vontade de adversários.
Fora de seu eixo presidenciável, o cenário para o PSDB é igualmente desalentador. O partido segue sendo uma ficção no Rio. Caminha para a irrelevância em Fortaleza. Não tem opção própria competitiva em Manaus ou Belém. Só demonstra força em Curitiba, onde o atual prefeito, Beto Richa, conta com grande dianteira em pesquisas e com adversários débeis à sua reeleição.
Nenhum partido investiu como o PMDB em inflar seu poder de força nas capitais. Trouxe do PDT o prefeito de Salvador (João Henrique), do PPS o de Porto Alegre (José Fogaça) e do PSDB o de Florianópolis (Dário Berger). Mas deve ficar fora do jogo nas três mais importantes: São Paulo, Rio e Belo Horizonte. Apenas Fogaça entre os neopemedebistas desfruta de uma situação relativamente tranqüila para disputar a reeleição: é o único que parece garantido no segundo turno. O partido larga com mais força onde já era forte em 2004: em Goiânia, o prefeito Iris Rezende dá-se ao luxo de escolher seus aliados já montando o cenário para a disputa estadual em 2010. Em Campo Grande, Nelsinho Trad não tem desafiante dentro do petismo. Reelegendo Fogaça, Trad e Iris, o resultado de 2008 é de soma zero em relação a 2010: o partido seguirá com dificuldade de participar do jogo sucessório nacional fora de uma posição subalterna em relação ao PT.
A leitura das pesquisas mostra na dianteira candidaturas que dificilmente terão fôlego para manter o favoritismo, pelo isolamento político ou pela rejeição que despertam. Entre outros, é o caso do radialista Raimundo Varela (PRB) em Salvador, do senador Marcelo Crivella (PRB) e do deputado estadual Wagner Montes (PDT) no Rio e do ex-deputado Moroni Torgan (DEM) em Fortaleza. É a presença na mídia ou em eleições anteriores que os impulsiona, mas em nenhum dos casos existe estrutura partidária, apoio das máquinas do município, do Estado ou do governo federal ou apoio empresarial consistente. As eleições nas capitais da Bahia, Rio e Ceará continuam uma incógnita. E o efeito na eleição presidencial é limitado: os governadores Jaques Wagner (BA) e Sérgio Cabral (RJ) poderão ser atores em 2010 mesmo com derrotas em casa e Ciro, o líder do grupo que comanda o Ceará, jamais dependeu da eleição da capital de seu Estado para ser ou não candidato a presidente. Uma vitória de ACM Neto (DEM) na capital baiana seria apenas um marco de sobrevivência local.
César Felício é repórter de Política
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