segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

A Folha iluminada

Deve ser o espírito de Natal ou como disse GUILHERME WISNIK, na própria Folha, "É a Nova Jerusalém, descrita como uma cidade quadrada, com doze portas, e cuja praça é "de ouro puro, como vidro transparente". Uma cidade que, no dizer do evangelista, não necessitava mais de Sol nem de Lua, "porque a glória de Deus a tem iluminado, e o Cordeiro (Jesus) é a sua lâmpada".

Wisnik não fala da cidade de São Paulo, mas a ela poderia se aplicar essas palavras se levarmos a serio um artigo publicado hoje no caderno Cotidiano.

Em todo caso foi assim e com o mesmo entusiasmo que me precipitei na leitura desse artigo, no caderno Cotidiano de hoje, que leva como título (e programa):

No primeiro Natal após a Lei Cidade Limpa, São Paulo fica mais iluminada

Minha nossa, exclamei, olha que presentão. As rezas de milhares de famílias paulistanas finalmente foram ouvidas. Mas não, rapidamente percebi que o press-release de Kassab reproduzido pela Folha não correspondia com o milagre por mim esperado e desejado.

Os leitores da Folha de São Paulo provavelmente não sabem (e o artigo em questão nada diz a respeito) mas uma parte da cidade carece de iluminação. Para responder a este gravíssimo problema, que além de deixar nas trevas uma parte dos nossos cidadãos, agrava os já terríveis problemas de violência e insegurança na periferia de São Paulo, a administração Marta Suplicy desenvolveu o programa Reluz, que modernizando a iluminação da cidade levava ao mesmo tempo a luz para todos.

Pois bem, o programa está parado e os atuais ocupantes da prefeitura, após retoma-lo um curto período, pararam de vez faz quase dois anos.

O motivo? Como Kassab-Serra deixaram de pagar os 13% da dívida em relação ao dinheiro que o Itaú pagou pela folha de pagamento dos servidores municipais, a Receita Federal considera a prefeitura inadimplente e impossibilitada de receber repasses como os do programa Reluz.

Pois bem, a manchete e o conteúdo do artigo da Folha nem evoca esta situação e olimpicamente ignora a triste situação do Natal de milhares de famílias que aguardam uma luz no final do túnel do tempo em que parou o progresso social na cidade de São Paulo.

Ou "mais iluminada" refere-se as lâmpadas que, segundo o artigo, iluminam 1.200 arvores para as festas. O presente de Natal, além de mesquinho, dá as costas as necessidades mais prementes dos mais desprovidos.

Uma questão de escolha , de Kassab e da Folha.

Parodiando o artigo de Guilherme Wisnik, que nada tem a ver com o artigo aqui criticado, que disse: "...a vagina como uma Novíssima Jerusalém. Imagino que Freud gostaria da associação, particularmente sugestiva no dia de Natal. Em vez de representar uma dimensão inacessível do mundo (sobrenatural, platônica), essa luz nada mais é do que o próprio mundo no qual entramos."

Podemos concluir que o mundo iluminado no qual entramos, graças a Folha de São Paulo, e aquele do conto de fadas e do faz de conta, mas que denominamos prosaicamente o conto do vigário.

Será que o ombudsman da Folha está de férias?

Meu desejo de Natal é que o ombudsman ilumine o rumo da Folha que de tendência pro-serrista está virando a Pravda do tucano.

Postarei uma músicas para ilustrar este artigo.

Luis Favre

Reproduzo a seguir os dois artigo aqui citados


No primeiro Natal após a Lei Cidade Limpa, São Paulo fica mais iluminada

João Wainer/Folha Imagem
Decoração natalina na rua Normandia, em Moema (zona sul)


DA REPORTAGEM LOCAL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Elas já são chamadas de "as luzinhas do Kassab". Depois da Lei Cidade Limpa, o prefeito de São Paulo decorou árvores, viadutos e prédios com milhões de microlâmpadas que impregnaram as ruas e avenidas de espírito natalino. Será que agradou?
"Não se vê nessa iluminação "natalina" nada que tenha ligação com o Brasil ou com nossas raízes, mas o senso comum pede isso. Você vai à avenida Paulista, e as pessoas estão lá, tirando foto das luzes e decorações, da neve, do Papai Noel. E é preciso recorrer a esse recurso até para que se observem as árvores da cidade, coisa que ninguém está habituado a fazer", diz o estilista Jum Nakao.
A parceria entre Prefeitura de São Paulo e iniciativa privada rendeu 4,8 milhões de microlâmpadas instaladas em 1.200 árvores, prédios e viadutos. Para a socialite Maricy Trussardi, conhecida por seu fervor católico, "Natal é luz". "Gosto de ver a cidade iluminada. Minha casa foi a primeira da rua onde moro a ter luzinhas decorativas no Natal. Hoje, são quatro. Você vai perguntar: "Por que isso?" Porque você pode enxergar melhor as pessoas espiritualmente."
Encher a cidade de luzinhas no Natal para deixar claro o espírito da ocasião é muito óbvio para o arquiteto João Armentano. Faltam idéias, diz ele. "A gente precisa de ações novas, de mais criatividade. Eu gostaria que nossos governantes e os responsáveis pela decoração pública de Natal fizessem uma seleção prévia das idéias. Nem sempre o mais caro é o mais criativo", reflete o arquiteto.
Armentano se refere, especificamente, aos arcos de luzes instalados nas calçadas da rua Oscar Freire.
O cenógrafo Juarez Fagundes, outro consultado pela reportagem, acha que faltou pensar em todos os cidadão da cidade. "Como é que o negro olha para um Papai Noel branco e de olhos azuis? Para mim, o Papai Noel é muito mais humano. Temos que incluir a diversidade de raças, incluir o cadeirante, o cego."
Mas, em certo aspecto, tanto ele como Armentano acham que a luzerna na cidade está de acordo com a Lei da Cidade Limpa. "Não podemos tentar mudar a essência do lugar", diz Fagundes, elogiando as lâmpadas em espiral colocadas nos postes das avenidas Brasil, Nove de Julho e 23 de Maio.
E, como nem tudo é luz na decoração do Natal, Fagundes chama a atenção para a árvore montada no parque Ibirapuera. "Mesmo de dia, apagada, tem um aspecto muito melhor. No outros anos, era praticamente um andaime gigante."


GUILHERME WISNIK

Iluminação genital


Idéia de uma luz que vem do alto se mantém ligada à dimensão da transcendência ainda nos dias de hoje

NAS PÁGINAS do Apocalipse, são João tem a visão de uma ordem divina que sobrevém ao Juízo Final. É a Nova Jerusalém, descrita como uma cidade quadrada, com doze portas, e cuja praça é "de ouro puro, como vidro transparente". Uma cidade que, no dizer do evangelista, não necessitava mais de Sol nem de Lua, "porque a glória de Deus a tem iluminado, e o Cordeiro (Jesus) é a sua lâmpada".
Considera-se que o primeiro emprego mais extensivo do vidro, na história da construção, data do século 12, com os vitrais das catedrais góticas. Em grande parte, dada à vontade de que estas pudessem equiparar-se simbolicamente à imagem diáfana da Nova Jerusalém descrita por são João Batista, na qual o ouro coincide com o cristal, e o brilho reluzente é sinônimo de transparência (significativamente, quase todas as catedrais trazem representações do Apocalipse em suas portas).
Avanço técnico surpreendente numa época ainda conservadora, em que o horizonte humano se estreitava com a possibilidade iminente do final dos tempos. Daí que a idéia de uma luz que vem do alto se mantenha, ainda hoje, ligada à dimensão da transcendência, mesmo em um tempo em que a desmaterializada fachada de vidro se tornou o símbolo do "esclarecimento", isto é, das "luzes" da razão.
Certa vez um aluno, numa aula minha, querendo referir-se à luz zenital de uma construção (que entra pela cobertura, através de clarabóias), confundiu-se e falou em "iluminação genital". Ato falho que é um verdadeiro achado, já que a abertura vaginal é a primeira luz que "vemos" na vida. E, convenhamos, ela está no zênite do percurso do bebê em sua travessia pelo canal de parto, ao final do qual considera-se que a criança foi literalmente dada à luz.
Ao nascer, chegamos ao céu. Que é, por sua vez, a terra. Assim, as "partes baixas" sobem para o zênite, e eu diria que esse aluno teve, naquele momento, uma súbita iluminação: a vagina como uma Novíssima Jerusalém. Imagino que Freud gostaria da associação, particularmente sugestiva no dia de Natal. Em vez de representar uma dimensão inacessível do mundo (sobrenatural, platônica), essa luz nada mais é do que o próprio mundo no qual entramos.
Por outro lado, esse encontro com a luz é, agora, uma experiência ao mesmo tempo sublime e traumática. Pensemos, por exemplo, na dificuldade do Menino Jesus em romper aquele umbral virginal. Terá visto uma luz mais mortiça e bruxuleante do que nós? Mesmo sendo ele a "lâmpada" dos homens, não foi dispensado de ver, um dia, essa luz no fim do túnel como uma espécie de "Juízo Inicial": o momento em que o feto se individua, passando a ter uma bagagem própria e totalmente intransferível.
É freqüente a associação entre o espaço da igreja e o ventre materno, o conforto uterino. Pois o interior em penumbra da igreja, todo envolto em mistério, é sempre vedado à vista desde o exterior, ficando protegido por um anteparo situado em frente à porta, como um hímen. Reservadas, elas são como virgens guardando-se para aquilo que virá depois do Apocalipse.

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