domingo, 23 de setembro de 2007

USA: O ex-presidente que quer ser 'primeiro-rapaz'


Bill Clinton enfrenta dilema de entrar em campanha pela candidatura da mulher à Casa Branca sem ofuscá-la

Marília Martins
Correspondente NOVA YORK.

O Globo (para assinantes)

Aos 61 anos, Bill Clinton está em campanha para convencer o eleitorado americano de que não passa de um homem comum. Para quem pergunta o que pretende fazer na Casa Branca, caso sua mulher seja eleita presidente, ele tem uma resposta na ponta da língua: “I want to be the first laddie!”.
Traduzindo: “Quero ser o primeiro rapaz”, fazendo trocadilho com a expressão first-lady, primeira-dama.
Agora, está lançando mais um livro, com o título “Giving: how each of us can change the world” (Doando: Como cada um de nós pode mudar o mundo”) .



E conta dezenas de histórias de pessoas comuns que promoveram grandes mudanças em suas comunidades, a partir de pequenos gestos. Ele defende a idéia de que cidadãos anônimos podem mudar o mundo, mas o 42opresidente dos EUA está longe de ser um homem comum, e sabe disso. Por isso, quando o apresentador de TV David Letterman perguntou a Clinton aquilo que mais o preocupava quando estava em campanha ao lado da mulher, a resposta foi: “Não quero virar a notícia”.

Difícil. Há uma regra não escrita nas campanhas eleitorais americanas que diz que quando o cônjuge vira manchete, a notícia não é boa. Que o diga Rudolph Giuliani, o republicano exprefeito de Nova York que está à frente das pesquisas de seu partido: quando sua segunda mulher virou notícia foi para desancálo em público pelo adultério com aquela que se tornaria sua terceira mulher. A baixaria fez com que os filhos do casal se recusassem a entrar na campanha do pai. Efeito também devastador teve o cônjuge de outro grande adversário de Hillary, desta vez dentro do partido democrata: a mulher de Barack Obama, Michelle, causou estrago na campanha do marido ao dizer à revista “Glamour” que ele era “tão fedorento na cama” que suas filhas evitavam abraçálo na hora de dormir.

Michelle justificouse dizendo que pretendia marcar um estilo: “Fui sincera porque está na hora de alguém apresentar-se ao eleitorado exatamente do jeito que é”. Michelle apostou firme que os eleitores adorariam a sua franqueza, mas os blogueiros, de costa a costa nos EUA, repetiram em coro a mesma piada: “Com uma mulher dessas, quem precisa de sogra...” Neste cenário, faz sentido Bill Clinton dizer que tudo o que pretende é não virar manchete. Mas nesta semana a tarefa será ainda mais difícil: a fundação que leva seu nome vai aproveitar o começo dos trabalhos da Assembléia Geral da ONU para reunir estadistas e megaempresários em torno de projetos internacionais para salvar o mundo da fome, da epidemia de Aids e dos perigos do aquecimento global.

Para quem imagina que se trata de mero marketing político, Clinton exibe números estonteantes.

Lançada em 2005, a Clinton Global Initiative arrecadou em dois anos US$ 7,3 bilhões para beneficiar mais de mil ONGs em cem países e, para conseguir este resultado, mobilizou 42 estadistas, 600 líderes empresariais de grande porte e 200 fundações, em 249 grandes acordos. Além de ter a simpatia de boa parte de Hollywood, ainda reúne, no seu site, milhões de pequenos doadores, que confiam nos projetos avalizados pela Fundação William J. Clinton.

São números que fazem sombra à campanha contra o aquecimento global de Al Gore: a iniciativa de Clinton é tão mais ampla que quase faz com que a mobilização de Gore pareça acanhada.

Para promover uma ação internacional contra o aquecimento global, Clinton reuniu grandes bancos e empresas dispostos a investir em economia de energia. Resultado: os bancos disponibilizaram uma linha de crédito de US$ 5 bilhões para financiamento de projetos para tornar empresas “ecologicamente corretas”, que seriam pagos com a economia de energia feita pelas empresas. É o que o expresidente chama de “compromisso com um mundo melhor”, e que tem outro exemplo no agenciamento de milhares de crianças para arrecadar fundos para a reconstrução da Nova Orleans pós-Katrina, outro grande sucesso da fundação.

“Não é caridade. É investimento social”, diz Clinton no livro, comentando o poder das pequenas doações feitas. “Escrevi o livro para encorajar pessoas a doar tempo ou dinheiro para fazer um mundo melhor. E mostrar aos leitores grupos aos quais eles podem se incorporar, empresas das quais eles poderiam ser consumidores, idéias de projetos que cada um de nós pode começar a fazer hoje”.

O equilíbrio precário entre sua carreira solo como líder global e o papel de coadjuvante na campanha da mulher é um desafio inédito na política americana.


Ele já desempenhou este papel por duas vezes, quando Hillary concorreu ao Senado. Mas desta vez o prêmio é maior e o palco é muito mais largo. A Constituição americana proíbe um terceiro mandato presidencial e os adversários dizem que Bill pode ter o seu, o poder por trás do trono. Além disso, muitos se perguntam se ele ajuda ou atrapalha a carreira política da esposa.

Hillary está na frente nas pesquisas, com vantagem que chega a mais de dez pontos sobre seu adversário mais próximo, Obama. Mas, quando se observam os índices de rejeição, ela também dispara na frente. E o motivo, segundo as pesquisas, é o episódio mais tristemente popular da presidência de seu marido: o caso com Monica Lewinski.

Os conservadores dizem que se ela não foi capaz de cuidar da casa e satisfazer seu marido como poderia cuidar do país? Os liberais acham que ela não deveria tê-lo perdoado pelo adultério e que o casamento é apenas fachada. Por isto, Clinton é, ao mesmo tempo, o melhor trunfo e o maior problema de Hillary. Ainda segundo as pesquisas, o segundo maior problema da senadora é sua mudança de posição em relação à guerra do Iraque, primeiro apoiando a invasão e agora exigindo a retirada das tropas.

Os estrategistas de Hillary tentam enfatizar um ponto positivo: o apoio à guerra rendeu a ela a imagem de mulher “forte”.

Mas não querem Bill perto demais. Quando Hillary lançou, semana passada, sua proposta para universalizar a saúde nos EUA, seus adversários perguntaram em que a proposta era diferente daquela feita no governo de seu marido. Hillary precisa diferenciar-se de Bill, mas não demais.

Afinal, quando ele entrou na campanha, ela disparou nas pesquisas e na arrecadação de fundos. Mas seus assessores não querem vê-la à sombra do marido. E sabem que não podem exigir muito do ex-presidente: ele passou por uma cirurgia cardíaca, precisa fazer exercícios regularmente e ter alimentação vigiada.

Saudade dos hambúrgueres

E ele já declarou que sente “muita saudade dos hambúrgueres, agora proibidos”, e teme entrar “na estatística mais comum dos portadores de safena: 80% precisam fazer nova cirurgia no prazo de 15 anos”.

— Clinton é hoje o nome mais popular entre os políticos democratas, muitíssimo mais que sua mulher e qualquer outro de seus rivais e isto continuará verdade em Iowa, New Hamspshire, Nevada e South Carolina, as primeiras primárias. A última pesquisa do Gallup deu a ele 88% de votos a favor e apenas 9% contra.

Por isto, Edwards, Richardson e Obama podem perder votos ao dizer que querem virar a página dos últimos 20 anos de história. Os eleitores querem virar apenas a página da administração Bush — diz Mark Penn, estrategista da campanha de Hillary.

Na campanha de Hillary, o efeito Bill se mede pelo tom moderado com que os concorrentes fazem críticas ao expresidente e o medo maior é que isto deixe sua mulher à sombra. Edwards critica o tratado Nafta e o fiasco da política de saúde dos anos Clinton.

Obama fala em “deixar os velhos tempos para trás e levar uma nova geração ao poder”.

Mas ambos são cuidadosos ao falar de Bill porque sabem que isto tem um custo eleitoral.

Para diferenciar Bill de Hillary, a estratégia de Penn é humanizar a candidata.

— Há muito a contar sobre a biografia de Hillary para o eleitorado.

Pouca gente, por exemplo, sabe onde ela nasceu e muitos ficam surpresos quando descobrem que foi num subúrbio de Chicago — diz Penn, que pretende ter Bill por perto, mas não perto demais.

“Clinton é hoje o nome mais popular entre os políticos democratas, muitíssimo mais que sua mulher e qualquer outro de seus rivais

“O equilíbrio entre carreira solo e coadjuvante é um desafio inédito na política americana

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