segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Marcelo Deda, governador de Sergipe: "nós precisamos discutir o PT contemporâneo"

Leia a entrevista do Terra Magazine com o governador Marcelo Déda



Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil
O governador de Sergipe, Marcelo Déda

Terra Magazine - O deputado Berzoini disse que o partido deve entrar em 2008 com a página das disputas internas virada. O sr. acha isso possível?
Marcelo Déda - Eu quero que isso aconteça, que nós sejamos capazes de repactuar a convivência interna no PT. A antecipação do PED pode ajudar.

Em que sentido?
No sentido de que você pode trabalhar 2008, que é um ano estratégico, com disputas eleitorais, já com uma nova direção, portanto, uma direção que interprete e traduza o que foi deliberado no Congresso.

O sr. enxergou união neste Congresso?
União, sim. Mas, é óbvio que no PT a união é um processo complexo. Só se produz a união depois de muito debate, depois de muita divergência. Eu acredito que o Congresso conseguiu produzir resoluções com um grau de unidade muito bom. Não ficou desenhada no Congresso uma disputa fratricida nem uma "guerra civil". É aquilo que eu esperava? Não.

Não? Por quê?
Porque eu queria que o Congresso fosse mais profundo numa avaliação sobre a trajetória do partido, num balanço dos erros e acertos do partido e numa discussão mais profunda sobre a forma como nós nos organizamos, que eu acho que está ficando anacrônica.

Anacrônica?
Por exemplo, essa disputa de tendências, essa forma cristalizada de travar o debate, de modo que você dificilmente interfere na discussão se não estiver alinhado a uma das tendências, nessa tradição de "blocar" a discussão - que é até uma expressão muito petista, travar o debate em blocos... Eu acho que a grande contribuição que nós poderíamos ter dado ao PT era termos avançado numa reflexão sobre nossos acertos, que são imensos, e sobre nossos erros, que são menores que os acertos, mas que são importantes.

O sr. acha que a questão do mensalão deveria ter sido debatida aqui?
Não, não... O partido precisa ter muita coragem e muita tranqüilidade para construir a sua pauta. Havia uma pauta da imprensa para que o debate do STF viesse para cá. Essa não era, e nunca foi, a agenda do partido. A agenda era discutir a trajetória do partido no Brasil, nossa responsabilidade, já que estamos governando esse país. Também avançar um pouco mais na nossa utopia, no nosso objetivo, a longo prazo, numa perspectiva estratégica, que é um conceito novo de socialismo.

Qual conceito?
Não é mais aquele conceito de manuais ou de uma adesão quase religiosa a esse ou aquele paradigma. É a busca de construir a idéia da igualdade no Brasil. Precisava ter sido muito mais aprofundado. E precisávamos discutir muito sobre o PT. Acho que nós precisamos discutir o PT contemporâneo, contemporâneo dos acertos, das vitórias, mas sermos capazes de compreender que também temos erros a serem enfrentados e superados. Não é uma discussão sobre pessoas, sobre julgamentos. A maior contribuição que o PT pode dar a isso é que o PT é o governo da República e tem um procurador-geral, não um engavetador-geral como teve no governo passado. E temos o STF trabalhando com plena liberdade, sem intervenções indevidas.

Essa discussão deveria ter sido trazida para base do partido?
O debate do partido é um debate para construção coletiva, não é discutir, nem pelo bem, nem pelo mal, um por um. Não podemos correr o risco de acreditar que haja alguma figura acima da história, mesmo o Lula. Também não podemos demonizar outros. Se erros o partido cometeu, e esses erros têm reflexo na legislação do país ou criminal do país, as pessoas que os cometeram que respondam por eles. Não podemos transformar erros de alguns numa pena coletiva, numa dor que todos nós tenhamos que pagar. Se nós aderíssemos a essa pauta da mídia, no fundo, seria uma catarse política escolhendo alguns bodes expiatórios.

Mas como fica a pauta em relação a esses indivíduos?
Eu quero discutir o partido, a sua trajetória, onde erramos, onde permitimos que erros individuais ocorressem, que falhas coletivas nós cometemos para que erros individuais terminassem por provocar tantos danos à trajetória coletiva do partido. Esse é um debate que nós ainda não realizamos. Mas o tempo nos permitirá realizar. Mas, também, não se pode exigir que as pessoas do partido não torçam pela inocência de quem está sendo julgado. Também é legítimo e necessário que o partido reconheça que o Supremo Tribunal Federal é, como o próprio nome diz, é uma instância suprema. O que ela decidir, está decidido.

E a resolução do Congresso sobre a candidatura para 2010?
No mérito, está correto. A coisa mais absurda do mundo seria que o Partido dos Trabalhadores, que é o partido do presidente, que fez a maior votação para o Congresso Nacional, que tem cinco governadores, simplesmente achasse que política é filantropia, procurasse os aliados e dissesse "olha, nós estamos fora". Seria o ridículo do ridículo. Seria o flagrante do partido que perdeu o rumo, e isso não é verdade com relação ao PT. Na minha avaliação, e fui derrotado, acho que isso não era motivo para resolução.

Por quê?
Porque isso antecipa uma agenda sem necessidade. O partido tem que sempre dizer ao Brasil: "nós somos o partido do presidente, somos o partido que tem projeto, vocação para o poder, e queremos continuar governando o Brasil, temos nomes para isso. Mas não nos negamos a ouvir as propostas dos partidos coligados". O nosso projeto se sustenta no conceito da coalizão. O PT pode até ter o nome que encabece a chapa, mas compreende que ele não pode trilhar esse caminho isolado. O partido precisa consolidar uma governabilidade que não é instrumental, é uma coalizão para sustentar um projeto que é mais longo que um governo.

Terra Magazine

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