segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Banco Mundial vê Bolsa Família como modelo

Em entrevista exclusiva a Terra Magazine, Bénédicte de la Brière fala sobre erros e acertos do Bolsa Família, do combate a desvios de recursos e da expansão internacional do programa, da África a Nova York.


Daniel Bramatti


Bolsa Família: cerca de 46 milhões de brasileiros atendidos


Terra Magazine - Há alguns dias o Banco Mundial se referiu ao Bolsa Família como "uma revolução silenciosa". O programa é considerado modelo?
Bénédicte de la Briere - O Bolsa Família é herdeiro de uma longa tradição de programas de renda condicionada no Brasil, que começou com programas municipais e que foram expandidos no começo dos anos 2000, com o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação. Nesses anos de aperfeiçoamento, o Brasil acumulou uma grande experiência de gestão. Definitivamente, o programa está se tornando uma referência na América Latina e em outras regiões.


Ouve-se falar muito de desvios no Bolsa-Família, de pequenas cidades onde as pessoas beneficiadas são ligadas a políticos ou participam de esquemas de compra de votos. Até que ponto o programa chega a quem efetivamente precisa dele e de que forma essa eficácia é aferida?
É verdade que há registros freqüentes de desvios na mídia. Mas, quando você analisa os dados de pesquisas domiciliares, como a PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, você se dá conta de que o Bolsa-Família é o programa mais bem focalizados na região. Do total de recursos, 80% chegam aos 40% mais pobres, o que está na média dos programas mais eficazes, e o programa tem uma cobertura universal no nível de municípios.

Essa é a melhor maneira de verificar, as pesquisas são de alta qualidade, independentes, do IBGE, que tem cobertura nacional. Existe uma grande diferença entre a percepção de desvios, que é muito importante, e a ocorrência de desvios, que está no nível do que se espera para os programas mais eficazes.

Quero ressaltar que esses erros acontecem em todos os programas. E existe um balanço muito delicado para um gestor, entre tratar de controlar esses erros muito frontalmente, o que é muito caro, e entregar mais recursos para pessoas necessitadas, talvez com um maior grau de erro.

E como controlar os desvios?
O governo brasileiro tem tomado várias atitudes para reduzir esses desvios. Quando o programa começou, ele herdou o cadastro único que havia sido desenvolvido para o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação. Juntou os cadastros dos diferentes programas e, em 2006, fez um recadastramento geral de toda a população beneficiária, o que gerou uma grande limpeza da base de dados. Também a cada mês a base do cadastro único está sendo batida com a da RAIS, que tem informações dos trabalhadores do setor formal, além de bases de óbitos e outras. Uma série de checagens da qualidade da informação.

Por outro lado, o governo está aprimorando todo um sistema de controle, desde estruturas de controle social no nível dos municípios até as instâncias de controle federal, como as auditorias da CGU Controladoria Geral da União. Outra fonte de controle na qual o Brasil está bastante forte é o funcionamento do número de telefone 0800-707-2003 no qual as pessoas podem denunciar irregularidades. O processo de acompanhamento dessas queixas tem melhorado bastante. É um processo de aprendizagem contínua, porque você consegue controlar certo tipo de erro ou de fraude e vão aparecendo outros. Mas a gestão do programa está muito atualizada nas técnicas que utiliza para poder resolver essas questões.

Os críticos do Bolsa Família dizem que o programa cria uma geração de pessoas dependentes da ajuda do Estado. Já os entusiastas afirmam que, graças à essa ajuda do Estado, essas pessoas - ou seus filhos - conseguirão alcançar uma inserção no mercado de trabalho e se livrar da miséria. Quem tem razão neste debate?
Outra vez, é uma questão de percepção contra evidências. Você sempre vai encontrar alguém que diga "eu tenho Bolsa Família, não vou trabalhar mais", mas isso não é um fenômeno corroborado pelas estatísticas.

Todos os programas de transferência condicionada de renda recebem essa crítica de assistencialismo e geração de dependência. Nos programas que têm feito avaliações rigorosas, inclusive o Bolsa Família, esse efeito nunca é comprovado. A única diminuição de oferta de trabalho que acontece é a de trabalho infantil.

O trabalho adulto não é impactado pela transferência de renda. Inclusive, às vezes, alguns adultos trabalham mais porque têm essa garantia de renda básica que permite assumir um pouco mais de riscos em suas ocupações. Avaliações de impacto feitas em 2005 não mostraram diferenças de comportamento dos adultos em relação a ofertas de trabalho entre os que participavam e os que não participavam do Bolsa Família.

É uma inquietude motivada, em parte, pela novidade de entregar dinheiro às famílias pobres. Mas nunca se provou, nas avaliações rigorosas que foram feitas no México, na Colômbia, na Nicarágua, no Equador... No México temos avaliações de longo prazo, porque o programa já tem dez anos de existência. O que se mostrou é que as famílias, quando têm certeza do benefício, economizam e investem até 25% em microempreendimentos, em criação de aves, em máquinas de costura etc. Leia mais aqui

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