Futuro presidente precisa olhar para o sul (New Day in the Americas)
Juan Bautista Alberdi, um constitucionalista e liberal argentino, observou em 1837 que “as nações, como os homens, não têm asas; elas fazem suas jornadas a pé, passo a passo”. A América Latina, por muito tempo suscetível aos milagres utópicos de revolucionários e caudilhos e ainda não imune a eles, tem se esforçado para absorver essa verdade. Mas, como observa Michael Reid em seu novo livro, Forgotten Continent (Continente esquecido), democracias de massa duráveis têm surgido na região.
Nos últimos anos, essas democracias rolaram os dados com uma extraordinária variedade de líderes, entre os quais Michelle Bachelet no Chile; Luiz Inácio Lula da Silva, o metalúrgico que chegou à presidência no Brasil; e Hugo Chávez, egresso dos quartéis, na Venezuela.
Os resultados têm sido desiguais. Chávez tem testado a paciência de todos com bravatas movidas a petróleo sobre uma revolução socialista.
Passo a passo, porém, o continente tem avançado para sociedades abertas e para a economia global.
Esse progresso veio a despeito das disparidades de renda que têm feito de cidades como São Paulo labirintos de riquezas e ruínas. A ascensão improvável de Lula refletiu as esperanças de que esses abismos sociais poderiam ser vencidos, da mesma forma como o sucesso inicial de Barack Obama e Mike Huckabee nos Estados Unidos reflete uma sociedade faminta por mudanças e cansada de magnatas dos fundos de hedge se esquivando dos impostos que as pessoas comuns pagam.
Em sua caminhada a pé, as nações também sonham. As democracias são inventivas e avessas ao enquadramento. Suas imperfeições são múltiplas, mas o mesmo acontece com seus mecanismos de auto-renovação. Elas exigem esperança. O dinâmico, com o tempo, supera o dinástico.
A caminhada brasileira muitas vezes cambaleou, dando origem ao mito de que o Brasil era um país com um futuro grandioso condenado a sua eterna contemplação. As cifras anuais de assassinatos, na casa das dezenas de milhares, atestam problemas sociais persistentes. Tom Jobim, compositor de Garota de Ipanema, observou que o Brasil não é para principiantes.
Contudo, como Lula intuiu com seu astuto pragmatismo - quem mais consegue ser ao mesmo tempo um amigo de Chávez e do presidente George W. Bush? -, a maré está subindo a favor do País. O futuro do Brasil é agora. Há cinco razões para isso: terra, matérias-primas, energia, meio ambiente e China.
A vastidão define o Brasil; o uso agrícola de seu território está muito longe da exaustão. Maior exportador mundial de café, carne bovina, açúcar e suco de laranja, ele está aumentando rapidamente suas exportações de outros produtos alimentícios, como frango (US$ 4,2 bilhões em 2007, ante US$ 2,9 bilhões em 2006) e soja. Mais de 80 milhões de hectares - uma área maior que a atualmente cultivada - continuam inexplorados, excluindo as florestas tropicais.
Outra exportação em franco crescimento é a de minério de ferro. A China, que está investindo pesadamente no Brasil, quer todo o minério que pode conseguir, e deseja também alimentos (como a Índia) e energia. O Brasil tem abundância desta última, e poderá ter muito mais.
Deixemos de lado, por um momento, os vastos recursos hidrelétricos do Brasil e sua recente descoberta de um enorme campo de petróleo em águas profundas na costa sudeste. O que contará no longo prazo é sua liderança mundial em combustíveis baseados em vegetais, particularmente o etanol de cana-de-açúcar, que produz oito vezes mais energia por hectare que o milho do qual é produzida a maior parte do etanol americano. Combine-se isso com terras agrícolas quase ilimitadas e entra em foco a virada do futuro para o presente do Brasil.
Como escreve Reid, “se a China estava se tornando a fábrica do mundo e a Índia seu escritório, o Brasil é sua fazenda - e, potencialmente, seu centro de serviços ambientais”. A liderança do País em combustíveis não-fósseis e a biodiversidade sem paralelo de sua floresta amazônica o tornam um líder natural na luta contra o aquecimento global do século 21.
Nada do que foi dito acima seria significativo se o Brasil fosse instável. Como a maior parte do continente, porém, ele se tornou mais previsível. A China percebeu isso e está rapidamente desenvolvendo suas relações comerciais com o Brasil e outros países latino-americanos. Os Estados Unidos também perseguiram um leque de acordos de livre comércio, com resultados desiguais.
No geral, porém, o continente tem sido deixado com a sensação de que é negligenciado pelos americanos, aguçada pela promessa pré-11/9 de Bush, não cumprida, de um novo enfoque que refletiria a presença de mais de 40 milhões de latinos nos EUA. O próximo presidente deveria dar prioridade a um olhar para o sul, com o Brasil como pivô de um engajamento mais intenso.
A transformação da América Latina nas últimas décadas foi subestimada. Essa transformação tem sido política e econômica, mas também cultural. Preconceitos profundos contra populações indígenas, mestiças e mulatas foram enfrentados e, se não derrotados, ao menos enfraquecidos. Em termos históricos, este tem sido um tempo de capacitação dos não-brancos.
As Américas estão mudando e, apesar da retórica antiamericana de Chávez, estão se tornando, passo a passo, mais unidas.
*Roger Cohen é colunista do jornal ‘The New York Times’
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