quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Em mãos erradas?

Um estudo britânico alerta para os perigos da quiropraxia. Reportagem de ÉPOCA falou com especialistas para saber quais as contra-indicações da terapia e como se precaver dos riscos

Laila Abou Mahmoud

Revista Época

A manipulação do pescoço pode ser perigosa para quem tem problemas com a flexibilidade da artéria vertebral

Perigoso. Esse é o adjetivo que uma prática milenar, utilizada por diversos povos há milênios e consolidada pelo prático David Palmer em 1895, recebeu de um estudo publicado pela revista britânica especializada Journal of the Royal Society of Medicine. Segundo Edzard Ernst, autor da pesquisa, a manipulação da espinha dorsal feita pela quiropraxia apresenta sérios riscos, como sangramentos internos, formação de pseudo-aneurismas, rompimento da dura-máter (a membrana mais externa da medula espinhal), edemas, danos nos nervos, hérnia de disco e fraturas ósseas. Na maioria dos casos estudados por Ernst, a manipulação do pescoço foi a principal causa dos problemas.

Segundo Inês Nakashyma, fisioterapeuta com especialização em quiropraxia pela Unisa (Universidade de Santo Amaro) e presidente da Associação Brasileira de Fisioterapeutas Quiropraxistas, os riscos existem, mas em escalas muito pequenas. Ela cita os próprios números apresentados pelo estudioso inglês para confirmar a incidência reduzida. Ernst fala em danos em 6,4 pacientes em cada 10 milhões cujas espinhas superiores foram manipuladas e em 1 paciente a cada 100 milhões no caso de tratamentos na espinha inferior. Para a especialista, as estatísticas podem ser comparadas aos riscos apresentados por outros procedimentos médicos.

O mau diagnóstico do problema de coluna é o primeiro ponto a ser considerado nos tratamentos mal-sucedidos. Os especialistas recomendam em uníssono: antes de qualquer procedimento, o médico deve avaliar o histórico do paciente, seus sintomas e seu estilo de vida. A manipulação de regiões tão sensíveis requer conhecimento detalhado do problema. Se, por exemplo, a artéria vertebral - que passa pela coluna - estiver com problemas de flexibilidade e for esticada durante o tratamento, pode sofrer lesões que, se impedirem a oxigenação do cérebro, causam danos irreversíveis.

Marcos Musafir, presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), afirma que o ideal é procurar um ortopedista que encaminhará, se necessário, o paciente a um fisioterapeuta. Ele pode aplicar a prática da quiropraxia como complemento de outros tratamentos.

“A quiropraxia é uma terapia que pode trazer melhorias mas, também, problemas”, diz. “Recomendamos à população muito cuidado com esses tratamentos”, afirma. “Chegam denúncias de profissionais que não são habilitados, ainda que haja os de bom padrão”, alerta Musafir.

Ao passar pelos forames transversos, nome dos
buraquinhos que ficam nas vértebras, as artérias
passam por dois tortuosos desvios antes de chegar
ao cérebro. Se a flexibilidade desses vasos estiver
prejudicada, é possível que ocorram danos. Alguns,
irreversíveis.

Mesmo se o tratamento for recomendado por um médico, o paciente deve passar por alguns testes, como o de Hautant e o de Dekleyn, para assegurar que será possível realizar a manipulação do pescoço sem qualquer risco. No teste de Hautant, o paciente fica sentado com os olhos fechados e estende os braços para frente com as palmas para cima. Em seguida, ele estende e roda a cabeça para um lado e depois para o outro. Já no de Dekleyn, o paciente, deitado de barriga para cima, com a cabeça para fora da mesa, rotaciona e inclina a cabeça, mantendo a posição por 15 a 40 segundos, tanto para um lado quanto para o outro. “Às vezes por negligência, os profissionais não aplicam testes, que levam no máximo um minuto”, diz Inês. “Porém, em alguns casos, só de ficar na posição, o paciente já reclama”, afirma.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 80% da população mundial já teve ou tem dor nas costas. Algumas profissões são campeãs em causar queixas. Em geral, os profissionais que ficam muito tempo sentados, como dentistas, taxistas, atendentes de telemarketing, ou que fazem esforços repetitivos, como atletas e profissionais da construção civil, são os que mais sofrem.

Segundo a Abrafiq, no Brasil, nos últimos dois anos, 16 pessoas tiveram algum tipo de conseqüência por má prática de quiropraxia, nenhum dos atendimentos, segundo a associação, foi feito por fisioterapeuta. A recomendação da entidade é que, pare evitar problemas, o paciente deve procurar fisioterapeutas para fazer esse tipo de tratamento. Para Inês, presidente da Abrafiq, fica mais difícil para o paciente reclamar de uma falha nos casos em que o profissional não tem registro. Isso porque quem foi prejudicado não tem um órgão de classe ao qual recorrer. “Quem se submete a um profissional sem o diploma não pode reclamar depois”, explica.

Como a atividade de quiropraxista ainda não é regulamentada, mesmo quem é atendido por profissionais com curso superior em quiropraxia não tem a quem recorrer caso haja algum problema. Resta ao paciente apenas o recurso de registrar um boletim de ocorrência por danos corporais e esperar o trâmite judicial.

A Associação estima que há, hoje, mais de 1600 fisioterapeutas quiropraxistas no Brasil, a maioria deles sem formação adequada, o que reforça o alerta aos pacientes. A quiropraxia pode ser uma boa alternativa de tratamento, mas é preciso estar bem orientado para não cair nas mãos de profissionais não-qualificados.

A quiropraxia é recomendada para:
- Alterações posturais (escolioses, hiperlordoses, hipercifoses);
- Lombalgias (dor nas regiões lombares inferiores);
- Ciatalgias (dor na região do nervo ciático: nádegas, região lateral ou posterior da coxa, perna e às vezes, até os pés);
- Hérnia de disco;
- Tendinites;
- Bursites.

Contra-indicações:
- Casos de osteoporose muito avançada;
- Câncer ou tumor (a prática altera o metabolismo e pode, por exemplo, causar uma metástase);
- Artrite reumatóide (por ser uma alteração sistêmica e porque o quadro de dor não permite que o paciente faça o tratamento).

Se ao realizar o teste o paciente:
- apresentar visão dupla ou outros sintomas visuais (diplopia);
- sentir tontura, vertigem, fraqueza ou desequilíbrio;
- sentir ânsia de vômito ou enjôo;
- tiver perda dos sentidos em alguma parte do corpo;
- apresentar dificuldade de falar, andar, engolir;
- apresentar movimento involuntário rápido dos olhos;

Não é recomendada a prática de manipulação do pescoço.

Histórico que torna a prática arriscada:
- fumante;
- alimentação rica em gordura;
- sedentarismo.

Serviço:
Em caso de dúvida sobre a competência do profissional, entre em contato com a Abrafiq (Associação Brasileira dos Fisioterapeutas Quiropraxistas), que poderá informar a qualificação do profissional:
Telefone: +55 (11) 3717-2262
Email: abrafiq@abrafiq.org.br
Site: www.abrafiq.org.br
Endereço: Rua das Rosas, 618
Vila Mariana CEP 04.048-001
São Paulo - SP - Brasil

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