sábado, 13 de outubro de 2007

Dilma Roussef: "Nem Estado mínimo nem máximo"

A idealizadora dos leilões diz que o governo é importante, mas tem de contar com a eficiência do setor privado

isabel clemente e ricardo amaral - revista Época

O sucesso do leilão de concessões das principais rodovias do país foi uma vitória pessoal da ministra-chefe da Casa Civil da Presidência, Dilma Rousseff. Ela monitorou cada passo do processo, para aumentar a competição entre empresas e obter uma redução nas tarifas de pedágio muito superior ao esperado. O segredo, segundo a ministra, foi aplicar regras capitalistas para uma competição entre empresas capitalistas. O modelo das licitações das estradas será aplicado a outros setores estrangulados, como a dragagem de portos. Na quarta-feira, ainda saboreando o sucesso, Dilma Rousseff recebeu ÉPOCA no Palácio do Planalto.


Dilma Rousseff

POR QUE ELA É INFLUENTE
Dilma é a gerente do principal plano do governo Lula para o segundo mandato: o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)

POR QUE ELA TEM A CONFIANÇA DO PRESIDENTE LULA
Dilma é uma estrita cumpridora das ordens do presidente. Não costuma fugir uma linha do que Lula diz ou quer

COMO ELA TRABALHA
Dilma despacha diariamente com Lula. Entre os 37 ministros, é a que mais passa tempo com o presidente. Dilma trabalha 13 horas por dia e tem imagem de durona

VITORIOSA
Dilma,um dia após o leilão das estradas. "Aplicar regras capitalistas de competição no capitalismo é muito saudável", diz a ministra


ÉPOCA – Qual a razão do sucesso do leilão de concessão de rodovias?
Dilma Rousseff – Aplicar regras capitalistas no capitalismo. Revisamos os parâmetros econômico-financeiros das concessões. Com economia estável, queda nos juros, robustez fiscal, vimos que o risco país embutido na proposta original não era compatível com a realidade. Então, alteramos a taxa de retorno do projeto de 12,88% para 8,95%. Eliminamos também o risco regulatório. É muito saudável e foi fundamental para alcançarmos deságios significativos nas tarifas de pedágio. O governo aplicou regras de competição, e vamos continuar buscando isso daqui para a frente. O leilão de dragagem dos portos será um novo exemplo. Será aberto, pela primeira vez, a empresas internacionais.

ÉPOCA – A presença de competidores internacionais baixou as tarifas de pedágio?
Dilma – A maior competitividade obrigou as empresas a operar no limite inferior de rentabilidade, e não no superior, como antes. O governo sinalizou que estava atento. Queríamos empresas eficientes e leilão disputado. A globalização é uma via de mão dupla. Uma das mãos é que os investidores internacionais estão acostumados com taxas internas de retorno mais competitivas que as do Brasil.

ÉPOCA – Os estrangeiros acreditam mais no Brasil?
Dilma – Espero que não. Seria lamentável. Os leilões tiveram bastante participação de brasileiros. Este é um momento muito importante, porque mostra que estamos comprometidos com a presença do capital privado na infra-estrutura. Não apareceram aventureiros. São todas empresas sólidas, com “bala na agulha”.

ÉPOCA – O programa do governo prevê concessões de 11 rodovias. Vai dar tempo?
Dilma – O PAC tem muito mais. Não está proibido investimento público em estradas. A arte é combinar concessão, PPP e obra pública. Nós não somos fundamentalistas. Há estradas que têm de ser feitas pelo poder público, porque o custo do pedágio é proibitivo. Na BR-163, que abre uma fronteira econômica, o pedágio teria de ser de R$ 800. A 101 Nordeste é pública, e tivemos de fazer uma parte com o pessoal do Exército, porque a disputa judicial entre as empresas concorrentes paralisava o ritmo da obra. Quem perdia uma licitação entrava na Justiça contra o vencedor. Tivemos de chamá-las e dizer: ou vocês aceitam o resultado ou enquanto vocês brigam a gente faz com o Exército.

ÉPOCA – O governo teve conversa parecida com os interessados nas hidrelétricas do Rio Madeira? Elas podem atrasar?
Dilma – Há disputa, e aí a gente não pode fazer a obra com o Exército. Nas concessões de estradas também não. Nós tivemos de derrubar umas seis ou sete liminares antes do leilão de concessões, mas considero isso normal antes de um processo licitatório. No caso do Madeira, não haveria competitividade se a Secretaria de Direito Econômico não tivesse tomado as medidas que foram contestadas. (A SDE determinou o fim dos contratos de exclusividade da Odebrecht, que impediriam fornecedores de se associar a outros consórcios caso a construtora venha a perder o leilão.) Não vejo por que não melhorar a competitividade quando isso for possível.

ÉPOCA – Essas disputas não justificam a crítica de que os marcos regulatórios são frágeis no Brasil?
Dilma – Quem reclama hoje de marco regulatório vai perder a corrida.Será atropelado, porque o Brasil é visto hoje como país estável, que respeita contratos. Que contrato foi rasgado desde os anos 90? No caso do Madeira, todo mundo está interessado: italianos, russos, chineses... O que não pode é achar que marco regulatório elimina todos os riscos. O marco define a regra do jogo, mas o risco é intrínseco ao investimento.

ÉPOCA – O governo não aumentou a insegurança do investidor ao deixar as agências sem orçamento, com cargos vagos, ao expor as fragilidades?
Dilma – Faz-se uma politização ou até uma ideologização de nossa posição sobre as agências. Queremos que elas regulem, fiscalizem e, em alguns casos, arbitrem. Divergimos do governo anterior porque ele atribuiu às agências um papel de definir políticas de longo prazo. Isso é papel precípuo do governo. O governo decide qual o modelo de licitação, e as agências garantem que não haja conluio, que as regras sejam estáveis, que os contratos sejam respeitados. Estabilidade regulatória é isso. Ai de nós se as agências forem fracas. Mas sempre que falávamos em agência diziam que queríamos acabar com elas.


"Em alguns lugares, a privatização tomou formas demoníacas. Certos tipos de patrimônio você não vende nunca"


ÉPOCA – A ideologização por parte do PT também não atrasou o processo? O governo não demorou a perceber que era necessário fazer concessões e PPPs?
Dilma – Não acho. Acreditar que o Estado não é necessário leva a equívocos seriíssimos na condução dos negócios públicos. O governo tem papel muito importante, mas não pode tudo, e tem de contar com a eficiência e a experiência do setor privado. Nós não acreditamos no Estado mínimo nem no Estado máximo. Em que nós acreditamos é que um país do tamanho do Brasil tem de ter um governo forte, soberano, capaz de perceber que nosso maior patrimônio é nossa população. Não acho que os países desenvolvidos sejam melhores que nós.

ÉPOCA – A privatização tomou formas demoníacas no discurso eleitoral.
Dilma – Me desculpe, mas acho que em alguns lugares ela tomou formas demoníacas. E aqui foi por pouco. Um país como a Argentina olha o mundo e fala: eu privatizei minha empresa de petróleo, a YPF, por US$ 16 bilhões, e ela deve valer no mínimo uns US$ 100 bilhões. Não é só o que ela vale, é o que uma empresa de petróleo significa para a soberania de um país. Existem certos tipos de patrimônio que você não vende. Seus bancos, suas empresas de petróleo, de energia.

ÉPOCA – Por esse critério, a Vale do Rio Doce deveria ter permanecido estatal?
Dilma – Você tem de saber o que é estratégico, e você não vende. A Vale, eu acho menos. Também na telefonia, não vejo grandes problemas. Agora, empresa de petróleo e energia elétrica... Acho também que você não desnacionaliza empresa de mineração. Desestatiza, mas não desnacionaliza, porque é uma questão de controle do subsolo. A Vale está muito bem gerida nas mãos do setor privado. Mas tirar o governo da geração de energia e da exploração de petróleo é um absurdo.

ÉPOCA – O debate sobre a gestão do Estado será o grande tema da sucessão em 2010?
Dilma – Será um dos temas de todas as eleições daqui para a frente, inclusive das municipais. Não podemos dar de barato que o Estado brasileiro é eficiente na medida necessária. Temos de discutir o bom gasto e o mau gasto de custeio, novos processos de gestão e a profissionalização da máquina pública. Isso se chama meritocracia. Não estou falando aqui pura e simplesmente em cortar gastos correntes. Acho que nós seremos levados a cortar gastos correntes até de forma mais acelerada no futuro, mas gestão não é isso. Gestão é processo.

ÉPOCA – É um problema fiscal ou de gestão pública?
Dilma – Os dois aspectos se misturam realmente, mas é um erro achar que o debate de gestão é só um debate de melhora fiscal. Temos de discutir como tratar a necessidade de um Estado e de um governo cada vez mais complexo. As carreiras de Estado são só as que conhecemos ou teremos de ter outras? Que escolas formarão gestores públicos, quais são nossos padrões para criar gestores com compromisso de continuidade? Por isso, o presidente Lula disse que é necessário fazer concursos públicos. Não há Estado eficiente sem bons funcionários públicos.

ÉPOCA – A senhora é candidata em 2010?
Dilma – Não, não sou. Não aceitamos essa conversa.


Como está o PAC
O governo federal gastou até o mês passado R$ 1,37 bilhão dos R$ 14,7 bilhões previstos para o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, em 2007, ou seja, apenas 9,3%. Mas, segundo o último relatório sobre o programa, a maior parte das obras está dentro do cronograma previsto
9,7%
Preocupante

Obras atrasadas
ou que nem começaram
10,4%
Estado de atenção

Obras em dia,
mas com risco de atraso
79.9%
Andamento adequado
Obras com o cronograma em dia

Foto: Anderson Schneider/ÉPOCA

Nenhum comentário: