Caso Richarlyson e a homofobia
Por Sylvia Maria Mendonça do Amaral
Não podemos negar, infelizmente, que a homofobia está presente em nosso país. Os atos homofóbicos partem de todos os lados, de todas as maneiras, de uma palavra vulgar a assassinatos. Mas o que podemos dizer quando a discriminação parte de um Juiz de Direito que está a serviço da Justiça?
Um caso de homofobia envolvendo o jogador do São Paulo Futebol Clube Richarlyson virou manchete dos principais veículos de comunicação do país. O juiz da 9ª Vara Criminal de São Paulo, Manoel Maximiano Junqueira Filho, mandou arquivar o processo movido pelo jogador contra um dirigente do Palmeiras que, em um programa de televisão, insinuou que o atleta era homossexual. Em seu despacho, entre inúmeras declarações homofóbicas, o juiz afirmou que "não poderia jamais sonhar em vivenciar um homossexual jogando futebol".
O "caso Richarlyson" demonstra o grau de homofobia que assola nosso país. Mas o jogador tem demonstrado sua coragem e partiu para lutar pelos direitos constitucionalmente garantidos não só a ele como a todos nós, cidadãos, que são: honra, dignidade, igualdade e privacidade. Richarlyson poderia ter agido de três formas diferentes nesta situação: ter se recolhido e não levar a história adiante, agir por ele mesmo ou, e aí é que está o seu brilhantismo, lutar por todos nós.
Conhecedor das regras de civilidade, respeito e justiça, o jogador está agindo contra o preconceito e discriminação de um diretor de clube de futebol e de um Juiz de Direito, a quem recorreu para clamar por justiça. Ocorre que esse que deveria ser o seu defensor não só indeferiu seu pedido e o repeliu como proferiu sentença ainda mais preconceituosa e homofóbica do que as ofensas praticadas por seu primeiro agressor.
Todas as ações de Richarlyson, inclusive a exposição do caso (e, conseqüentemente, da sua imagem) para a mídia, demonstram quais são as atitudes daqueles que se sentem vítimas de discriminação, seja ela homofóbica ou não. Para que as ações do jogador de futebol sejam ainda mais brilhantes, resta apenas uma atitude: exigir uma indenização por danos morais de todos aqueles que o ofenderam. O valor que Richarlyson vier a receber (e parece claro que o receberá, diante dos incontestáveis danos causados aos seus valores morais, sua dignidade e sentimentos) servirá, como diz a própria lei, para atenuar os seus sofrimentos e, principalmente, punir aqueles que os causaram.
A punição é a função educativa da indenização por dano moral. E, neste caso, se presta a ensinar que a homofobia não é mais aceita por grande parte da sociedade (infelizmente, não a totalidade dela). Cada vez mais "Richarlysons" aparecerão para mostrar que aqueles que não concordam com isso - até mesmo um Juiz de Direito - serão punidos e apontados perante a sociedade como pessoas que agem em descompasso com a Justiça e com os tempos em que vivemos, causando danos à sua própria imagem.
É um absurdo que a discriminação venha de um diretor de clube de futebol. E mais absurdo ainda é que isso seja aprovado, através de uma sentença, por um juiz. O Conselho Nacional de Justiça tem em suas mãos a obrigação de punir o juiz e nos fazer acreditar que o Brasil não é um território sem lei.
Sylvia Maria Mendonça do Amaral é advogada especialista em Direito de Família e Sucessões
publicado no portal do jornal O Globo
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