sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Presidente eleito do PT paulista aproximou Lula de agronegócio

César Felício

VALOR


Davilym Dourado/Valor
Edinho Silva defende que o partido reconquiste a classe média: "Precisamos voltar a ocupar este espaço"


Vereador em uma cidade do interior de São Paulo com base no agronegócio, duas vezes eleito prefeito e colocado no comando estadual do PT em São Paulo por um acordo entre diversas tendências, o novo presidente do PT paulista, Edinho Silva, eleito com 55% dos votos, começa a repetir a trajetória do deputado e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci.

O atual prefeito de Araraquara, cidade de duzentos mil habitantes a apenas 80 quilômetros da Ribeirão Preto que foi governada por Palocci, Edinho pode representar uma reaproximação do partido com o empresariado rural e a classe média. Na eleição de 2006, a votação de Lula caiu em quase todos os municípios com forte base no agronegócio e Araraquara não foi exceção: a votação do PT para presidente despencou de 50% para 31% entre uma votação e outra no primeiro turno.


Retrato de um PT que se expandiu no interior de São Paulo longe do operariado e alicerçado na classe média, o novo presidente do PT paulista quer que o partido volte a competir pelas preferências dos setores médios com nível de educação superior. "Estamos com dificuldades em setores tradicionais que sustentaram o PT no passado remoto e recente. Precisamos voltar a ocupar estes espaços", afirma.


Empresários do agronegócio descrevem o prefeito de Araraquara como uma espécie de herdeiro de Palocci, que quando prefeito de Ribeirão Preto estabeleceu o diálogo entre o PT e o empresariado rural e montou a estrutura para o partido se espalhar na região, conquistando diversas prefeituras, entre elas a de Araraquara.


Edinho atuou para conseguir apoio empresarial para Lula nas campanhas presidenciais de 2002 e 2006 e tornou-se uma ligação estratégica com o agronegócio.


Foi Edinho, já prefeito de Araraquara, quem estabeleceu o primeiro contato entre José Luiz Cutrale e o então candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. Na primeira conversa com Lula, a preocupação do empresário não foi apresentar demandas, mas obter de Lula garantias de que o presidente não iria implementar a plataforma da ala mais radical de seu partido, hostil aos grandes proprietários rurais.


Dada as garantias, depois de uma degustação de charutos em um restaurante de São Paulo, veio o apoio na campanha presidencial e os gestos de apreço logo que Lula tomou posse: Cutrale foi nomeado membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e o presidente compareceu à abertura de uma feira agroindustrial em Araraquara. Na ocasião, diante de Edinho e Lula, o empresário fez uma doação de R$ 4 milhões ao programa Fome Zero.


A proximidade entre Cutrale e o presidente da República, da qual Edinho foi o fio condutor, garantiu o apoio empresarial a Lula em 2006, mas não impediu que a relação do setor se tornasse atribulada. A maior zona de atrito entre o setor da indústria de suco de laranja e o governo federal diz respeito às constantes denúncias de formação de cartel para a compra da matéria-prima, que culminaram na operação da Polícia Federal em janeiro do ano passado chamada "Operação Fanta", em que houve busca e apreensão de documentos nos escritórios das empresas. Sob a alegação de irregularidades na ação da PF, as empresas impediram por liminar a análise dos documentos. O assunto está pendente na Justiça. Caso a prática de cartel fique caracterizada, o setor corre risco de perder mercados internacionais.


Uma vitória foi obtida este ano, com a colaboração do PT paulista. As empresas do setor de suco de laranja, conseguiram em maio deste ano convencer o governo a aceitar que o deputado Jilmar Tatto (PT-SP) - candidato à presidência do partido que foi ao segundo turno na eleição interna da sigla e que apoiou a eleição de Edinho Silva no plano regional - colocasse em seu parecer sobre uma medida provisória que alterava o Imposto de Renda uma emenda que tornava possível a realização dos acordos chamados "termos de compromissos de cessação (TCC)" em processos de cartel no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), proibidos desde 2000.


Segundo Tatto, a emenda foi colocada na medida provisória por orientação do então líder do governo na Câmara, José Múcio Monteiro (PTB-SP), hoje ministro de Relações Institucionais. O parlamentar nega ter tido contato com empresários de qualquer setor. Entre os conselheiros do CADE, o novo texto da lei chegou a ser chamado de "lei do suco", mas na realidade o dispositivo beneficiou vários outros setores, como o da indústria frigorífica, do cimento e da informática, entre outros. No momento que a lei foi aprovada, estavam sob análise do Cade 40 processos de cartel contra empresas.


Empresa que representa 9% do valor adicionado no ICMS no município, o que a coloca como a maior da cidade, Cutrale rompera com o prefeito anterior, Waldemar De Santi (PP) e ameaçava retirar investimentos de Araraquara por causa de uma rua. A empresa mantém uma indústria na área central do município e suas chaminés são o principal marco urbano da cidade. De Santi não permitiu que a empresa fechasse uma via pública que cortava a unidade fabril ao meio.


Até então integrante da corrente Democracia Socialista, de tendência trotskista, Edinho Silva resolveu a situação negociando com a empresa a construção de um posto de saúde como contrapartida. A rua não existe mais. A ligação de Edinho com o trotskismo também não.


Sociólogo de formação, militante da Pastoral Operária e da Pastoral do Migrante na juventude, Edinho hoje se irrita com as críticas de setores ambientalistas e é defensor aberto do incentivo à produção do etanol, atividade que mantém sete usinas na região. "É um equívoco ficarmos nesta crítica a uma matriz energética renovável, sem que haja uma proposta alternativa", diz.


Procurada por este jornal, a Cutrale enviou um comunicado aonde informa ser "de sua obrigação apoiar boas idéias de gestão, principalmente àquelas em benefício da melhoria do social". Na nota, disse ainda que "a aproximação com todos os governos é mútua e independente de seus partidos". Garante ainda que jamais tentou agir politicamente para mudar o rumo das ações que sofre pela acusação de formar cartel. "A Cutrale entende que as instituições governamentais tenham de agir de acordo com as leis que orientam seus trabalhos e, em nenhum momento esperou que sua atuação fosse influenciada por seu relacionamento com outras esferas governamentais. A empresa ressalta que o processo está na fase investigatória", diz o texto.


A eleição de Edinho representa ainda uma mudança de eixo dentro da estrutura de poder do PT paulista. Egresso das correntes de esquerda do país, Edinho foi um ponto de união entre o grupo ligado à ministra do Turismo, Marta Suplicy e os apoiadores na eleição interna petista do deputado José Eduardo Cardozo, do grupo "Mensagem". Teve desde a primeira hora o apoio do deputado Antonio Palocci, do antigo Campo Majoritário e próximo a Edinho desde que era prefeito de Ribeirão Preto.


Ficaram do lado do deputado estadual Zico Prado, o principal adversário, o deputado João Paulo Cunha e o atual presidente regional, Paulo Frateschi, até então extremamente próximos do ex-ministro da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu. Em colisão com os antigos comandados, Dirceu apoiou Edinho.


Consolidada a vitória, uma das preocupações do novo comando do partido é impedir que o grupo derrotado tente atuar de forma paralela, negociando alianças eleitorais à revelia da direção estadual.


No jogo para 2010, Edinho entra como um aliado da ministra do Turismo, a quem defende até para a sucessão de Lula. Mas foi cortejado por outro presidenciável, o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, que telefonou assim que soube do resultado. A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, não o procurou.

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