segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

O que esperar da nova presidenta


Por Roberto Luis Troster

Valor

Hoje assume a presidência da Argentina Cristina Fernández de Kirchner, esposa do seu antecessor. A questão é se é o começo de uma mudança ou se é mais do mesmo. Os argumentos mostrando a continuidade são óbvios: a manutenção de quase todo o gabinete, os anúncios na política econômica e a proximidade do ex-presidente e marido. Entretanto, ela tem a opção de surpreender.


"Cristina no governo e Nestor no poder". A frase reflete a percepção de que foi apenas uma reeleição maquiada. Afinal, não teria sido eleita sem o marido, que assumiu a Argentina em crise e a entregou com um crescimento médio superior a 8% em cinco anos. Mesmo com os problemas criados, é um resultado respeitável. É o segundo ex-presidente de maior popularidade na história argentina, só perde para Perón.


É fato também que Nestor Kirchner deve boa parte de seu sucesso a Cristina. Ela teve uma participação e influência decisiva em toda a vida política do marido. Quando foi eleito, em 2003, era um político provincial, sem projeção nacional, que teve apenas 22% dos votos, boa parte deles em protesto contra políticos tradicionais; na época, Cristina já era uma figura conhecida no Congresso Nacional, com brilho próprio. Além de parlamentar por mérito dela, é carismática, tem uma visão de mundo aberta, é independente e se apresenta como uma pessoa flexível.


Tem legitimidade para o cargo. Foi eleita com 45% dos votos, mais que o dobro do segundo colocado. Seu partido elegeu 19 dos 24 governadores e controla a Câmara, com 161 dos 257 deputados e 47 dos 72 senadores. A oposição está dispersa, os caudilhos antigos se foram e todos os partidos políticos, incluindo o seu, não têm programas consistentes de futuro. Tem as condições para fazer acontecer.


Começa o governo com a economia crescendo, reservas de US$ 40 bilhões e apoio popular. Mas também inicia com as relações internacionais intrincadas e com os primeiros sinais de esgotamento da política econômica; o espaço para crescer no embalo do preço das exportações está se reduzindo. Ela tem tempo para mudar, mas não pode esperar até o final do mandato.


Os sintomas de que o atual paradigma econômico é limitado estão cada vez mais fortes - inflação em alta, investimentos baixos, superávit fiscal em queda, dificuldades para acessar o mercado internacional de crédito, racionamento de energia e diminuição nas taxas de crescimento - e os instrumentos de controle estão cada dia mais fracos - congelamentos de tarifas, acordos setoriais, tabelamento de cesta básica, tributação discricionária e pressão política para segurar preços.

Cristina não teria sido eleita sem o marido, que assumiu a Argentina em crise e a entregou com um crescimento médio de 8%


Enquanto, na frente internacional, Cristina mostra sinais de uma mudança oportuna, na área econômica preocupa. A inserção externa argentina é complicada: tem um relacionamento próximo demais com a Venezuela, que a afasta de Washington; problemas com o Uruguai e com o Chile; e ainda sente a ressaca do calote da dívida em 2001. A presidenta sinalizou uma abertura mais conveniente: já na campanha se aproximou da comunidade européia, abrindo o diálogo para resolver as pendências com o Clube de Paris, soube manter uma distância amigável com Chávez e se posicionou bem com o Brasil, onde fez a primeira visita oficial como presidenta eleita.


Em economia, os indícios são ruins. Fala-se de um keynesianismo ortodoxo, pacto social, proteção aos setores menos competitivos, impostos distorcivos nos setores competitivos e câmbio desvalorizado. São propostas obsoletas e inadequadas, que vão funcionar por pouco tempo. Keynes morreu há mais de 60 anos e seu receituário era para a economia inglesa de 1930, não para a Argentina de 2007 - é inadequado hoje; o pacto social é uma cortina de fumaça para driblar a inflação por algum tempo; e os favorecimentos setoriais mascaram ineficiências e sufocam os setores mais dinâmicos da economia. Se adotadas, essas políticas vão funcionar por algum tempo. No médio prazo, estão fadadas ao fracasso.


A história está cheia de exemplos mostrando que essas políticas não geram crescimento sustentável e se esgotam. É uma concepção da economia neomercantilista extrativista, que funciona se apropriando de riquezas, em vez de gerar valor. A Argentina aumentou seu PIB, mas caiu nos rankings de competitividade. Tornou-se vulnerável às oscilações dos preços das commodities, que vão permanecer elevados por um tempo, mas não para sempre.


O grande desafio para Cristina é mudar o paradigma econômico para obter um crescimento mais duradouro e menos dependente. A tarefa é complexa. Entretanto, as condições para a mudança são boas e não há nenhuma barreira intransponível. A mais urgente é arrefecer a inflação e todo o esquema de controle artificial de preços. Há outras, como recuperar o sistema bancário em frangalhos, expandir o crédito, melhorar a eficiência dos gastos públicos, implantar uma política energética, corrigir a tributação e estimular os setores produtivos a ganhar mais eficiência. A mais importante é como inserir, de forma conveniente, a Argentina no Século XXI.


É necessária uma estratégia fundamentada em premissas sólidas. O desenho do quadro institucional deve ser adequado aos novos tempos, destacando-se as reformas trabalhista, tributária, do judiciário, da saúde e educacional. Este último caso é emblemático: a Argentina tinha um nível de educação elevado, chegou a ganhar quatro prêmios Nobel, e atualmente apresenta indicadores medíocres. As combinações das políticas monetária, fiscal e cambial devem ser consistentes intertemporalmente. Enfim, falta uma agenda crível para o novo governo.


Cristina pode fazer acontecer e se transformar numa figura de dimensões históricas ou continuar nesse barco e ser apenas lembrada como mais uma. Tem coragem e estilo para surpreender. Conseguirá?


Roberto Luis Troster é sócio da Integral Trust.

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