terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Crise das hipotecas: um plano ruim de Bush, que não satisfaz quase ninguém


A crise das hipotecas nos Estados-Unidos continua abalando a situação financeira dos bancos. Hoje os jornais informam que o banco suíço, UBS, perdeu US$ 10 bilhões na crise. Mas a crise golpeia violentamente milhares de familias americanas que vou perder suas casas e foram levadas a perder uma boa parte ou a totalidade do seu patrimônio.
O artigo do jornalista do
New York Times, publicado pelo jornal O Estado de São Paulo e reproduzido aqui, questiona o plano do governo Bush anunciado como resposta para a crise. O plano visa a proteger os bancos, porem insuficientemente, ignora a situação das familias em desespero e procura em verdade, ofuscar um projeto de lei Democrata que permite aos juízes chamados a dirimir o litígio com os proprietários em falência a modificar os termos dos contratos assinados, o que permitiria proteger os mais vulneráveis.
Como se vê quando se trata de defender os interesses da população, romper contratos ou rever-los por discernimento judicial autorizado pela lei, é possível e corresponde ao espírito da democracia.

Vale a pena ler o artigo de Paul Krugman.



As prioridades de Henry Paulson


Paul Krugman *

Pelos padrões da administração de George W. Bush, o secretário do Tesouro (ministro da Economia) Henry Paulson é um bom sujeito. Ele não é visivelmente incompetente e não está tentando nos enviar à guerra com engodos, justificar a tortura e proteger fornecedores corruptos.

Mas as ações de Paulson refletem as prioridades da administração à qual ele serve. E isso, em última instância, é o que está errado no plano de alívio da crise hipotecária que ele anunciou na semana passada.

O plano é, como colocou o editorial de domingo do The New York Times, “pequeno demais, tarde demais e voluntário demais”. Do ponto de vista da administração, porém, esses defeitos não são problemas, são características.

De fato, existe um consenso crescente entre observadores financeiros de que o plano de Paulson não visa principalmente a obter resultados reais. Ele antes pretende criar a aparência de ação, minar, com isso, o apoio político a tentativas reais de ajudar as famílias em dificuldade.

Em particular, o plano de Paulson é, provavelmente, uma tentativa de esvaziar a bola de Barney Frank. Frank, o presidente democrata da Comissão de Serviços Financeiros da Câmara, patrocinou uma lei que concederia a juízes de casos de falência a possibilidade de reescrever termos de empréstimos hipotecários. Mas, como expressou uma manchete no CongressDaily, “Banqueiros esperam que plano subprime de Bush derrube lei da Câmara”.

Nos termos de Elizabeth Warren, a especialista em falências de Harvard, “O plano da administração para o problema das hipotecas subprime é o sonho do lobby dos bancos.” Considerando-se a trajetória de Bush, isso não deveria surpreender.

Na verdade, há três preocupações distintas associadas à maré crescente de execuções hipotecárias nos Estados Unidos. Uma é a estabilidade financeira: quando bancos e outras instituições sofrem enormes prejuízos com seus investimentos relacionados a hipotecas, o sistema financeiro como um todo está cambaleante. Outra é o sofrimento humano: centenas de milhares e, provavelmente, milhões de famílias americanas perderão as suas casas.

Por último, existe uma injustiça: o boom subprime envolveu empréstimos predatórios - empréstimos a juros altos impingidos a pessoas que se qualificavam a taxas mais baixas - numa escala épica.

O Wall Street Journal revelou que mais de 55% dos empréstimos subprime feitos no auge da bolha imobiliária “foram para pessoas cuja classificação de crédito era alta o suficiente para se qualificarem, em geral, para empréstimos convencionais com termos bem melhores.” E, num mercado imobiliário em queda, essas vítimas ficam paralisadas, incapazes de refinanciar.

Os problemas são três, portanto. Mas o plano de Paulson - ou, para usar seu nome oficial, o plano Hope Now Alliance - é totalmente centrado na redução dos prejuízos dos investidores. Qualquer alívio menor que ele possa proporcionar a tomadores em dificuldade é claramente incidental. E ele não faz nada para as vítimas dos empréstimos predatórios.

O plano estabelece diretrizes voluntárias pelas quais alguns, mas somente alguns, tomadores cujos pagamentos hipotecários deverão subir podem obter um alívio temporário. Isso, supostamente, deverá ajudar os investidores porque a execução hipotecária de uma casa é cara: os honorários legais são altos e a casa geralmente é vendida por menos que o valor da hipoteca.

“A execução não beneficia ninguém”, disse Paulson, num fórum interativo na Casa Branca. “Ouvi estimativas de que os investidores hipotecários perdem de 40% a 50% de seu investimento se ele entrar em execução.”

ACORDOS RUINS

Mas os tomadores não ganharão também? Não se os planejadores puderem evitar. O alívio está restrito aos tomadores cuja dívida hipotecária for pelo menos 97% do valor da casa - o que significa que, em muitos casos, talvez na maioria deles, aqueles que obteriam alívio da dívida seriam os tomadores que devem mais que o valor de sua casa. Essas pessoas ficariam quase tão bem em termos financeiros se simplesmente caíssem fora.

E quanto às pessoas com crédito bom que foram induzidas enganosamente para acordos hipotecários ruins, que deveriam ser direcionadas para empréstimos com termos melhores? Elas não recebem nada: o plano Paulson especificamente exclui tomadores com bom histórico de crédito. Aliás, o plano na verdade é um incentivo para algumas pessoas não pagarem dívidas vencidas porque isso as faria parecer um risco de crédito ruim e qualificáveis ao alívio.

Agora, a tentativa de Paulson de ajudar investidores enquanto faz pouco ou nada para tomadores fraudados e encrencados só faria sentido se o seu plano reduzisse os prejuízos dos investidores o suficiente para melhorar seriamente a situação financeira geral.

Entretanto, somente uma pequena fração dos tomadores subprime se qualificarão ao alívio e muitos desses tomadores acabarão enfrentando a execução hipotecária de qualquer forma. Assim, é improvável que o plano reduza os prejuízos gerais associados a hipotecas em mais do que uns poucos por cento, quando muito - insuficiente para fazer qualquer diferença real para a estabilidade financeira. Aliás, os spreads da taxa de juro que vêm sinalizando uma crise de confiança no sistema financeiro não diminuíram quando o plano foi anunciado.

Mesmo assim, alguém poderia dizer que o plano de Paulson é melhor que nada. Mas a alternativa relevante não é nada; é um plano que - assim como a proposta de Barney Frank - ajudaria de fato as famílias trabalhadoras. E é isso que a administração Bush está tentando evitar.

*Paul Krugman escreve para o ‘New York Times’

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