terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Chega de chorumelas

Observando a natureza o homem inventou o calendário. Isso propicia no início de cada ciclo uma reflexão sobre o que se fez e sobre o que se espera fazer no futuro. É o tempo de analisar "sem irritação e sem preconceito" a situação do país. Infelizmente, a necessária, fundamental e vital oposição política que consagra as instituições democráticas parece ter perdido sua capacidade de analisar o presente e de formular para o futuro um projeto econômico e social alternativo capaz de empolgar e entusiasmar o imaginário popular sobre o que resta fazer. Reduziu-se a proposições risíveis ("a política de Lula é a mesma de FHC") e a espantalhos para assustar ingênuos ("o que Lula quer mesmo é o terceiro mandato").

Consideremos objetivamente a situação nacional em dezembro de 2002 e em dezembro de 2007:


É evidente a melhoria ampla, geral e irrestrita. Ela se deve às políticas econômicas e sociais radicalizadas no governo Lula, melhor focadas e ajudadas por uma forte expansão do comércio mundial. Sem a última, o Brasil teria corrido pela terceira vez em cinco anos ao FMI, confirmando a profecia corrente em 2002, entre os educados intelectuais, que o Brasil testemunharia rapidamente a desmoralização do presidente "despreparado". Para ele a história reservava o título de "Lula, o breve". A conjectura tinha fundamento: em dezembro de 2002, FHC deixou inflação anualizada às voltas de 30%; crescimento ridículo de 2,7%; déficit em conta corrente de US$ 186 bilhões acumulado entre 1995/2002 (a despeito das apressadas privatizações) e dívida externa igual a 3,8 anos de exportações. Entre 1995 e 2002, estas haviam crescido à ridícula taxa de 3,8% ao ano, enquanto a dívida externa de médio e longo prazo se acumulava à taxa de 6,6% ao ano. A "trombada" era, portanto, tragédia anunciada. É isso que explica (muito melhor do que algumas formulações acadêmicas) boa parte do imenso "risco" que o mercado atribuía ao Brasil naquele momento. Em dezembro de 2002, os intelectuais "sabiam", por uma simples e sólida razão, que o país estava sendo entregue praticamente falido: a dinâmica do endividamento externo era incapaz de ser sustentada pela dinâmica das exportações.




O futuro opaco costuma divertir-se com os que pensam poder "explorá-lo". Em 2003, a expansão do mundo (o efeito China e outros) alcançou o Brasil. Entre 2001 a 2002 (último ano de FHC), o valor das exportações havia crescido os mesmos míseros 3,8%. De 2002 a 2003 (primeiro ano de Lula), ele cresceu 21% e, depois, repetiu a mesma taxa até 2007! As exportações passaram de US$ 70,4 bilhões para US$ 159 bilhões , por puro "efeito externo".




O ponto fundamental que a oposição precisa ou internalizar ou tentar ilidir é que a política econômica da octaetéride fernandista quebrou o Brasil duas vezes (1998 e 2002 socorrendo-se do FMI) e que sem a ajuda da expansão mundial de 2003 teria quebrado novamente e mais depressa, porque a insustentável vulnerabilidade externa já havia consumido boa parte do patrimônio nacional privatizável. Isso em nada diminui o extraordinário resultado do Plano Real, infelizmente acompanhado por óbvias e desastradas políticas fiscal e cambial no primeiro mandato. Elas só foram alteradas por imposição do FMI, quando nos salvou em 1998, mas sem melhorar o crescimento do PIB, que foi de 2,4% ao ano entre 1995 e 2002.


A tabela abaixo mostra o crescimento, a inflação e a vulnerabilidade externa nos últimos 13 anos:


Não é, portanto, sem razão objetiva que 4/5 da sociedade brasileira "percebe" o governo Lula como ótimo, bom ou regular, ainda que haja muito (mas muito mesmo) o que fazer até que se possa reconhecê-lo como "virtuoso", principalmente em matéria de segurança, educação, saúde, emprego e tributação. Fazer terrorismo (como se fez sem sucesso no processo eleitoral de 2002 ("o Brasil será amanhã a Argentina de hoje") ou com a invenção que "Lula procura um terceiro mandato" (e depois um quarto, um quinto) é: 1) extremamente perigoso, porque coloca em dúvida a solidez das instituições; 2) extremamente ineficiente, porque não é crível; e 3) extremamente injusto, porque subestima a inteligência do torneiro mecânico que chegou à Presidência e "sabe" o que os intelectuais pensam que ele ignora: que esse seria o triste enterro de sua brilhante carreira.


As oposições têm que deixar de chorumelas e colocar de lado o espírito de diretório acadêmico exacerbado da semana passada. Há um universo de políticas e propostas que podem garantir a consolidação e aceleração do desenvolvimento econômico, com estabilidade interna e externa e maior igualdade de oportunidades. Façam delas um bom programa alternativo para competir em 2009 e dêem ao governo a oportunidade de completar o que está tentando fazer.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

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