quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Ombudsman da Folha once again

MÁRIO MAGALHÃES é ombudsman da Folha de São Paulo
ombudsman@uol.com.br

Uma gravação mal explicada

A Folha, no mínimo, deve aos leitores uma explicação transparente sobre como a gravação de uma entrevista feita pelo jornal com um advogado foi parar nas mãos do senador Demóstenes Torres, que a divulgou ontem na tribuna do Senado.

A reportagem "Gravação na tribuna constrange Renan" (pág. A6) conta: "[...] Demóstenes reproduziu a gravação de entrevista concedida à Folha pelo advogado Heli Dourado, na qual ele citava a intenção do assessor". O assessor, que trabalhava para Renan Calheiros, teria tentado espionar adversários do presidente do Congresso.

Segue a reportagem: "Na segunda-feira, Dourado contestou que havia dado a declaração. No mesmo dia, Demóstenes solicitou à Folha a gravação. Depois de apontar contradições nas versões dos envolvidos no episódio, ontem ele reproduziu o áudio aos demais senadores no plenário do Senado".

É grave a falta de transparência do relato.

Quer dizer que a Folha entregou a gravação ao senador? Por quê? É costume do jornal fazer isso? Não contradiz as normas de apartidarismo da Folha presentear um parlamentar com o que pode se transformar em instrumento de luta política? Que outras vezes o jornal usou de tal expediente e por quê?

Ora, um milhão de vezes entrevistados já negaram declarações gravadas. Nesses casos, o jornal pode reafirmar a transcrição, oferecendo mais detalhes, como o tempo de conversa; apresentar a prova (o áudio) à Justiça ou a uma das partes em contenda judicial; veicular na Folha Online, como faz hoje com a entrevista do advogado.

Mas passar a um senador a gravação...

A partir de agora, todos os leitores têm o direito de receber as gravações das entrevistas feitas pela Folha? Inclusive Renan Calheiros?

Se vale para um, vale para todos.

A legislação assegura aos jornalistas preservar não só fontes, como, em certos casos, fitas com entrevistas.

O compromisso da Folha é com os leitores. Se existe a gravação relatada, cabe ao jornal comprovar sua existência aos leitores, não a um senador.

Pode haver problemas de ética e procedimentos jornalísticos mais graves. Só posso me pronunciar, contudo, depois que o jornal esclarecer aos leitores o que aconteceu.

Direito à privacidade versus direito à informação

A Folha tem hoje bons momentos, em decisões jornalísticas nas quais se confrontaram dois valores: o direito à privacidade e o direito à informação.

Na primeira página, a fotografia de Lula Marques mostrando Ideli Salvatti vendo pela internet imagens de Mônica Veloso na Playboy, aparentemente pirateadas, é de longe o melhor registro feito ontem pelos repórteres-fotográficos no plenário do Senado.

A senadora, detentora de mandato conferido pelos cidadãos, estava em local público, em sessão pública, com seus vencimentos pagos pelos contribuintes, usando equipamento adquirido com verba pública. Logo, é legítima a divulgação do que ela via no seu laptop. Há interesse público em saber o que os parlamentares fazem durante as sessões, ainda mais que a jornalista desnuda foi o pivô do primeiro processo de cassação de Renan Calheiros.

Trata-se da mesma interpretação que legitimou a publicação de fotos das telas dos computadores de ministros no julgamento do STF que instaurou o processo do mensalão.

Outra decisão correta da Folha foi a de expor a consulta que o deputado Paulo Renato fez ao presidente do Bradesco sobre artigo escrito para a Folha. O artigo ataca interesses do Banco do Brasil e, pelo menos implicitamente (ainda não foi publicado), favorece o Bradesco e outros bancos privados.

O ex-ministro da Educação afirmou em entrevista que empregou o mesmo expediente com a Vale do Rio Doce, consultando-a sobre artigo.

O compromisso do jornal, reafirmo, é com os leitores, não com deputados. Há interesse público na informação. Por isso, é digna de aplausos a divulgação da mensagem que acompanhou, por engano, o artigo enviado por e-mail à Folha: Paulo Renato, economista, indagava ao banqueiro se o texto estava OK.

Cabe agora investigar as ações e os discursos de Paulo Renato relativos ao sistema bancário. Um esclarecimento elementar é sobre contribuição oficial do Bradesco à sua campanha e à do PSDB.

Pode haver aí uma grande pauta sobre lobby.

O furo merecia alto de página e chamada na primeira página. Não ganhou nem um nem outro.


Pedágios paulistas

Na extensa cobertura da Folha sobre a concessão-privatização de trechos de rodovias federais, houve espaço até para uma reportagem sobre a queda-de-braço entre seis concessionárias e o governo do Paraná.

Mas não li a comparação dos valores dos novos pedágios com os cobrados em rodovias estaduais paulistas. A diferença é abissal. Por que a Folha não tratou do tema?

O Estado publicou a reportagem "Custo do pedágio põe rodovias paulistas em xeque".


Pluralismo e resposta

O jornal fez bem em publicar na seção Tendências/Debates artigo do secretário da Saúde de São Paulo.

Espera-se, agora, pela resposta, no mesmo espaço, da autora da reportagem atacada.

É um direito dos leitores conhecer os argumentos da jornalista.

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