quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Desconhecimento ou parcialidade?

Não raro nos deparamos com artigos na imprensa que comportam alguma informação factualmente errônea. Na maioria dos casos os erros são involuntários e muitas vezes não comprometem o artigo no seu conjunto.

Outro dia, por exemplo, li um artigo crítico sobre Cristina Kirchner no qual o autor dizia que ela foi uma obscura senadora da província de Santa Fé, quando na verdade ela foi eleita pela província de Santa Cruz, na região da Patagônia. Nada demais.

Ontem comentei o caso do correspondente do jornal El País que publicou uma matéria com erros de informação sobre posicionamentos públicos do PT e conclusões precipitadas sobre 2010. Minha sensação é, no caso, que, talvez faltasse conhecimento o que não é tão raro assim, quando correspondentes de jornais estrangeiros escrevem sobre Brasil.

Hoje, a colunista Rosângela Bittar, do jornal Valor incorre em erros semelhantes tratando das disputas internas no PT. No caso minha impressão é que tendo, sei lá, digamos suas simpatias por alguma corrente, ou simplesmente à partir de informações veiculadas por interesses tendenciosos nesta disputa, o artigo comporta afirmações incorretas.

Uma delas é o apoio da Ministra Marta Suplicy a este ou aquele candidato nas eleições internas do PT (PED). Como já foi declarado publicamente por Marta, na sua condição de Ministra, ela têm se recusado a intervir nas disputas internas partidárias evitando transferir para o seio do governo as batalhas dos grupos no interior do partido. Além do fato que ela nunca fez parte ativamente de nenhuma corrente, participando geralmente do campo majoritário do PT, junto com o Presidente Lula.

No seu governo na cidade de São Paulo participaram de uma ou outra forma todas as tendências internas. Foram seus secretários, Marco Aurélio Garcia e Jilmar Tatto, entre outros, enquanto o Presidente do PT na cidade era Ricardo Berzoini. Ela apoiou a eleição de José Eduardo Cardoso para a presidência da Câmara Municipal, depois deste último ter conseguido, com êxito e por mérito próprio, conquistar o apoio da maioria dos vereadores da cidade. Todos eles foram partícipes dos êxitos e dos eventuais erros da sua administração, tendo recebido o apoio da maioria das tendências partidárias significativas.

Por último é bom lembrar que nas prévias disputadas por Marta e Aloizio Mercadante, este último foi ativamente apoiado por Paulo Frateschi, João Paulo Cunha, Ricardo Berzoini, José Eduardo Cardoso e Marco Aurélio Garcia (todos eles citados na coluna de Rosângela Bittar). É isto não impede que hoje disputem entre si e com outros, nas instâncias partidárias. Nada de particularmente anormal e condiz muito com a tradição do PT.

Curiosamente, após muita algazarra contra os paulistas, todos os candidatos a presidente nacional do PT -lançados por todas as correntes internas- são de São Paulo (são eles até agora Ricardo Berzoini, Valter Pomar, Jilmar Tatto, José Eduardo Cardoso, Marcus Sokol) . Isto mostra que os problemas do PT não têm nada a ver com a geografia de seus membros e mesmo nas questões éticas, as fraquezas, talvez até mais que as qualidades, tiveram uma expressão bem distribuída nas diferentes regiões e em quase todas as tendências.

Por isso, porque não existe vilões e mocinhos, na medida em que a realidade é bem mais complexa, em particular no mundo da política, vale a pena a pluralidade da informação e das fontes, essencial ao equilíbrio do jornalismo.

Luis Favre





O atual presidente do PT e candidato favorito à reeleição, Ricardo Berzoini, esconde-se da realidade ao recusar a evidência de que o tema da ética dominará a campanha eleitoral, já em curso, para a escolha do presidente do partido. Não adianta decretar, como o faz Berzoini, que este é um assunto superado porque o debate da crise de 2005 (mensalão) já se impôs no 3º Congresso e no 13º Encontro do PT. Não, este debate vai continuar, e provavelmente com mais vigor. O que marca a diferença entre os contendores é, exatamente, a ética, e isto ficou evidente ao longo de todo o processo de formação das chapas para a eleição direta a presidente do PT.


Tudo começou dois meses atrás, quando o presidente Lula reuniu os governadores do PT, no Palácio do Planalto, para conversar sobre as eleições de 2008. Berzoini, já de volta ao comando do partido depois de um afastamento estratégico para investigação de irregularidades cometidas sob sua coordenação, estava no palácio naquele dia e não foi convidado a participar. Entendeu o recado, chamou a direção partidária e avisou que não disputaria mais a presidência.


O Campo Majoritário (agora sob a denominação Construindo um Novo Brasil, que ainda não pegou entre seus integrantes) saiu à procura do novo candidato, ouviu vários conselheiros e foi a Lula com três nomes: Luiz Dulci, Gilberto Carvalho e Marco Aurélio Garcia, todos auxiliares do presidente. Lula achou que, até por já ter exercido a presidência do PT, Marco Aurélio seria o mais indicado. Começou-se, então, a fazer uma consulta aos estados sobre o candidato. Todos aprovaram, com exceção de São Paulo.


O presidente do PT paulista, Paulo Frateschi, impôs restrições a Marco Aurélio Garcia, que o havia criticado no episódio do dossiê Vedoin, preparado por um grupo de campanha coordenado por Berzoini para atingir adversários em São Paulo. João Paulo Cunha, também por ter recebido críticas de Marco Aurélio à época do mensalão, aliou-se a Frateschi e ambos começaram a argumentar contra ele: diziam que era um candidato chapa-branca, do Planalto, e que com ele o partido poderia despedir-se da possibilidade de indicar uma candidato próprio à sucessão de Lula. Marco Aurélio, que não queria mesmo a missão da candidatura, soube das reações, disse que só iria se tivesse a unanimidade do campo majoritário, e declarou-se fora da disputa. Sem passar recibo da desfeita do PT paulista, Lula chamou o presidente do PT ao Planalto, disse que não podia abrir mão do Marco Aurélio Garcia, e Ricardo Berzoini voltou, então, a ser candidato.


Marco Aurélio Garcia já havia dito que não queria em sua chapa ninguém do grupo dos 40 (apelido suave dado internamente aos que respondem a processo no escândalo do mensalão). Mas abriu uma única exceção: José Dirceu. Talvez até tenha feito isto por saber que Dirceu, convidado, iria recusar, como recusou, porque acha que já deu muitos anos de sua vida à direção do partido. Quando voltou a vigorar a candidatura Berzoini, a primeira garantia que deu logo a todos foi que haveria lugar na chapa ao grupo dos 40. Já estão lá Frateschi, João Paulo Cunha, Paulo Rocha (o petista com maior volume de verbas canalizadas por Marcos Valério), e discute-se ainda se o ex-deputado Luizinho, outro emblemático dos 40, vai ou não para a chapa. Enfim, compõe a chapa quem o PT paulista quiser.



No horizonte de crises, lá vem mais uma


O grupo de Tarso Genro, que havia desistido de lançar candidato próprio para apoiar Marco Aurélio Garcia (o que daria a ele 45% do campo majoritário mais 20% do grupo Mensagem ao Partido, de Genro), recuou quando o candidato voltou a ser Berzoini. E lançou um candidato próprio, também do campo majoritário, o deputado José Eduardo Cardozo.


Cardozo começou sua campanha pela decisão de discutir ética, sim, na corrida pela presidência do partido. "Eu não vou discutir casos individuais, porque seria um equívoco, não estou disputando tribunal de Justiça, estou disputando a presidência do partido. Mas vamos discutir a questão ética, sim, o encontro do PT definiu um código de ética e nós temos que colocar esta questão como um dos eixos da direção partidária. Nossa chapa defende que na questão ética o PT tem que ser tão intransigente internamente como é em relação aos seus adversários. Temos que colocar a questão ética como um dos pontos que identificam a nossa chapa".


Isto, segundo Cardozo, não quer dizer que vá defender punições a um ou outro petista. "Vamos defender que sempre que militantes, dirigentes, parlamentares petistas cometam transgressões, eles têm que ser tratados imparcialmente com rigor".


A disputa da presidência do PT, portanto, ficou até o momento configurada com Berzoini (45%), José Eduardo Cardozo (20%), Marcos Sokol, da corrente de esquerda O Trabalho (com 1%), Valter Pomar, também da esquerda - Articulação de Esquerda (com 15%), e o grupo de Marta Suplicy (20%). Se ninguém alcançar a maioria, haverá segundo turno, e há o temor, no Campo Majoritário, que todos os perdedores se unam depois ao candidato que vai disputar com Berzoini o segundo turno.


Ninguém é de ninguém


Crise, mesmo, instalou-se na disputa pela direção do PT de São Paulo, o mais atingido pelos escândalos do mensalão e do dossiê Vedoin, dois dos mais dramáticos do primeiro governo Lula. Depois de dizimados seus dirigentes, o PT paulista é hoje uma base à procura de líderes. O projeto máximo de Paulo Frateschi e João Paulo Cunha era, quando decidiram implodir Marco Aurélio Garcia, garantir a direção do PT nacional, e o projeto mínimo era assegurar São Paulo caso não fosse possível ganhar de Lula. Agora, conseguido o máximo, resolveram investir também no mínimo.


Lançaram José Zico do Prado, o Zico, para a presidência do PT de São Paulo, reunindo o apoio dos dois e do grupo de Marta Suplicy, contra o indicado do campo majoritário (ao qual todos eles pertencem), que preferiu Edson Antonio Edinho da Silva, prefeito de Araraquara. José Dirceu e Mercadante estão com Edinho, Rui Falcão (martista), está com Edinho, enquanto João Paulo (sempre fiel a José Dirceu), Marta e Frateschi estão com Zico. Lula ainda não se manifestou sobre esta crise.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Nenhum comentário: