segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

'O que a escola pública é capaz de fazer deveria surpreender'

Fernando Haddad: ministro da Educação

Para ele, resultados do Pisa precisam levar em conta que o País tem um dos menores investimentos por aluno do mundo

Renata Cafardo, BRASÍLIA

Os resultados insuficientes no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que colocaram mais uma vez o Brasil entre os piores do mundo em leitura, matemática e ciência, não abalaram o ministro da Educação, Fernando Haddad. “O que a escola pública é capaz de fazer com um investimento de R$ 170 por aluno, por mês, deveria surpreender tanto quanto os resultados”, disse ele, em entrevista exclusiva ao Estado, dias depois da divulgação do exame.

Haddad se referia ao gasto anual por aluno no ensino fundamental do Brasil (US$ 1.159), um dos menores entre os países avaliados pelo Pisa. A quantia equivale a pelo menos um quarto da mensalidade média da escola particular brasileira.

O ministro acredita que mudanças virão com o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado por ele no início do ano, com metas de qualidade para todas as escolas. Na quarta-feira, o MEC anunciará mais R$ 500 milhões, como parte do PDE, para o ensino médio. Mas Haddad conta que está “apreensivo” com a eventual não-prorrogação da CPMF. Evitou dizer que o PDE poderia ficar comprometido, mas afirmou que o assunto é “grave demais”.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista, em que o ministro fala ainda da briga entre PT e PSDB sobre o ensino paulista. Para ele, apenas um “mal-entendido”.

Como o senhor analisa os resultados do Pisa, em que o Brasil continua entre os piores do mundo?

O Pisa reflete o ensino fundamental do País porque avalia jovens de 15 anos. Em português e ciência, há uma estabilidade, dentro da margem de erro. O incremento foi em matemática, embora seja o nosso pior resultado. O que parece que está acontecendo, a julgar pelo Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica, um exame nacional) e pelo Pisa, é que os anos iniciais do fundamental parecem reagir. Vamos ver nos resultados de 2007 do Saeb (que serão divulgados em abril) se isso é consistente ou não.

O Brasil continua atrás de outros países da America Latina.

Colômbia, Brasil, Argentina e México estão muito próximos. Uruguai se descola um pouco, mas caiu. E o país que finalmente se descola é o Chile, que colhe os resultados agora depois de 15 anos da reforma educacional. O que significa dizer que mais recursos e mais gestão na educação refletem nos indicadores de qualidade. Apesar da demora (e, em educação infelizmente essa é a regra), o resultado vem. Temos de aprender com países que têm uma história parecida com a nossa, embora nosso fardo histórico seja mais pesado - em primeiro lugar, pelo atraso no endereçamento da agenda da educação. A Argentina fez sua grande primeira reforma educacional em 1870. Nós temos um passado escravista que nenhum desses países têm, e temos uma tradição republicana muito mais recente.

Em 15 anos, o Chile colheu resultados. O Brasil vai demorar quanto?

Para não cair nisso de “esperar quantos anos”, fixamos as metas intermediárias no PDE. Uma delas é em 2009, mesmo ano do próximo Pisa. O nosso acompanhamento vai ser feito pelo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, que foi estipulado para cada escola, com metas de aumento a cada dois anos). Eu espero que o Brasil cumpra as metas.

Se isso acontecer, vamos melhorar no Pisa?

Quando a educação melhora, melhora em todos os exames.

O governador José Serra disse que o senhor fez uso político dos resultados ao comentar o desempenho de São Paulo no Pisa, abaixo da média nacional.

Foi feita a pergunta sobre São Paulo, não partiu de mim o comentário. É obvio que a minha expectativa era de que São Paulo tivesse uma média superior à media nacional, pelo trabalho que tem sido feito. Não vejo no que isso possa ofender. Seria uma ofensa se eu dissesse que não esperava. Foi um grande mal-entendido.

Como o senhor analisa os resultados das escolas privadas no Pisa, também muito ruins?

Eu nunca acreditei na correlação entre renda e mérito. Há também uma elite dentro da escola pública, que se sai melhor. Mas o problema da educação é nacional. Precisamos lembrar que nossa escola pública tem o menor investimento por aluno de todos os países do Pisa. Mesmo nessas condições, ela consegue, com o investimento que representa um quarto ou menos de uma mensalidade escolar, não estar tão distante da escola privada. O que a escola pública é capaz de fazer com um investimento de R$ 170 por aluno por mês deveria surpreender tanto quanto os resultados.

Como aumentar esse valor?

Para isso temos que cumprir o Plano de Desenvolvimento da Educação, que exigirá mais recursos para a educação. O PDE, a partir de seu quarto ano, agrega R$ 19 bilhões ao MEC.

A não-prorrogação da CPMF atrapalha a educação?

Posso estar errado, mas eu considero isso um assunto grave demais. Eu temo a não-prorrogação e torço para que nada de ruim aconteça. Temo pelo eventual desequilíbrio fiscal que isso pode gerar. Cortar R$ 40 bilhões do orçamento não será uma tarefa simples, provavelmente vai comprometer o investimento em infra-estrutura e na área social.

Quanto a educação perderia com o fim da CPMF?

Não saberia dizer porque há um compromisso do ministro Guido Mantega de vincular novamente os recursos da DRU da educação (pelo mecanismo, a União pode tirar até 20% dos recursos da educação. Isso acabaria progressivamente, em troca da prorrogação da CPMF). Com a DRU, o orçamento do MEC perdeu, ao longo dos 12 anos, R$ 50 bilhões. A formação de um bom professor de física, química, biologia custa R$ 50 mil. Poderíamos ter formado 1 milhão de professores.

O PDE ficaria comprometido?

Espero que não. Apreensivo, eu confesso que estou.

Os melhores países no Pisa têm escolas que podem demitir seus professores sem consultar o governo. O senhor defende isso?

Em caso de falta grave, o professor pode ser punido com a demissão. Mas acredito que fazemos mau uso do estágio probatório, aquele período em que o professor é escolhido, mas só é efetivado depois de três a seis anos. Isso deveria ser feito em todos os Estados. É uma das diretrizes do PDE.

Esses países também têm mais aulas de ciências, leitura e matemática.

Volto a dizer que poderíamos ter formado 1 milhão de professores sem a DRU. Precisamos de professores em quantidade e em qualidade.

Mas a carga horária não é baixa só por falta de professor. Há alunos demais em algumas escolas, o que leva a quatro turnos em um só dia.

Em ciência e matemática, o maior problema é a falta de professores. Em leitura, para aumentar a carga horária, teria de ter o tempo integral. O Fundeb (fundo que agrupa e redistribui, com complementação da União, um valor mínimo por aluno nas redes públicas) remunera em 25% a mais a matrícula em período integral.

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