'Os amantes se comportam de maneira absurda'
Assim a escritora Doris Lessing inicia sua análise de O Amante de Lady Chatterley, de D. H. Lawrence
Doris Lessing
Amantes se comportam de maneira absurda, em conversas de amor e em intimidades que eles poderiam não querer que gente de fora soubesse, mas D. H. Lawrence, em O Amante de Lady Chatterley, não se intimida de fazer seus amantes correrem na chuva, a mulher dançando - esta era a moda então, Isadora Duncan foi responsável - ou entrelaçando flores nos pêlos pubianos um do outro. É precisamente essa sua coragem que às vezes o leva à beira da farsa. Um romancista mais astuto, e menor, teria cortado essas passagens propensas a provocar a zombaria. Mas em toda sua obra, o maravilhoso pode estar lado a lado com o absurdo.
Lawrence, o filho de mineiro, tinha muito a dizer sobre a luta de classes. Seus versos sobre as classes altas, as classes médias, estão entre os mais tolos jamais escritos. É difícil acreditar que o mesmo homem escreveu alguns dos mais belos poemas no idioma, Snake, Bavarian Gentians, Not I... but the Wind, o adorável poema The Piano sobre o adulto lembrando sua mãe brincando com ele quando criança. O Lawrence que escreveu The Ship of Death seguramente nunca fora apresentado ao homem que escreveu sobre o burguês bestial. Ele casou-se com uma aristocrata alemã, e escreveu um romance sobre uma Lady Chatterley que era casada com um baronete. (...)
Constance Chatterley está presente em todo esse romance como uma mulher real, com nádegas adequadas, e pernas de mulher, não uma dessas garotas modernas com 'bundinhas de menino parecendo dois botões de colarinho' e sem uma verdadeira feminilidade. Durante a revolução feminista dos anos 1960, fiquei surpresa e me diverti ao ouvir algumas feministas muito francas dizer em que haviam lido Lady Chatterley como eu, uma geração ou duas antes. Uma teve que admitir o fato de que a maioria das mulheres ainda anseia pelo amante completo, real, perfeito, suas metades gêmeas perdidas (Platão - mas Lawrence não tinha tempo para ele). A mulher ainda procura muito pelo Sr. Certinho. (...)
Lawrence, em seu romance mais famoso, saúda o coito anal como o auge da experiência sexual, mas isso está escrito de maneira não explícita. Bem, é sabido que muita gente gosta de sexo anal. Hoje em dia, ele não precisaria ter escrito isso tão obscuramente. Aparentemente, ele está deixando para trás a transa compassiva e o orgasmo vaginal, para não falar do pobre velho clitóris, pois o que é descrito é, na verdade, um estupro anal. Constance gosta e atinge sua plenitude como mulher - temos a palavra de Lawrence quanto a isso. Mas é curioso que ninguém tenha visto o que Lawrence estava realmente dizendo nesse romance, defendendo o ato como sendo realmente tão moral e tão salutar.
Sabemos que os problemas sexuais de Lawrence foram resolvidos no sexo anal, e hoje em dia provavelmente poucas pessoas diriam mais do que: 'Mesmo? Isso é curioso, notando como ele falava de vaginas.' Aqui está essa escrita moralista feroz, com todo o poder de Lawrence por trás. E o que o sexo compassivo tinha a ver com estupro anal? Por que não dizer, simplesmente, que o casal de personagens Mellors e Constance praticaram um pouco de sodomia? Mas não, esse romance é um manifesto, ou, talvez, vários, pelo número de seres diferentes que viviam dentro da pele de Lawrence, fundidos pela força da necessidade desse homem moribundo, impelido, de dizer ao mundo que ele poderia salvá-lo.
TRADUÇÃO DE CELSO MAURO PACIORNIK
Este é um trecho do resumo editado da introdução da escritora Doris Lessing para a edição da coleção Peguin Classic de O Amante de Lady Chatterley
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