domingo, 12 de agosto de 2007

Uma nova versão da corrida aos bancos

Floyd Norris *

O Estado de São Paulo (para assinantes)

Há poucas gerações, os poupadores respondiam a pânicos financeiros com corridas aos bancos e até instituições saudáveis podiam ruir se não levantassem dinheiro suficiente e a tempo. Por muito tempo, aquilo tudo pareceu seguramente relegado ao passado. Mas agora as corridas estão de volta - e desta vez os alvos não são os bancos, mas os títulos que os substituíram como os principais fornecedores de crédito no novo sistema financeiro.

'O atual sistema de finanças alavancadas e suas estruturas relacionadas podem estar criticamente comprometidos', disse William H. Gross, diretor de Investimentos da companhia de fundos mútuos Pimco. 'Nada no sistema permite o hedging do risco de liquidez, esse é o problema no momento.'

Esse problema tem atormentado os Estados Unidos em intervalos regulares. O Pânico de 1907 só foi superado quando o banqueiro J. P. Morgan convenceu os bancos a se unir e deter a série de colapsos emprestando dinheiro a instituições ameaçadas. Isso levou à criação do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) quando o Congresso rejeitou a idéia de que a saúde financeira do país dependia da riqueza e da sensatez de um só cidadão.

Então a Grande Depressão, com uma onda de colapsos bancários, levou à criação do seguro para depósitos. Com isso, os poupadores se convenceram de que não precisavam se preocupar com a saúde de seu banco e, assim, as corridas aos bancos desapareceram.

Mas uma nova arquitetura financeira surgiu na última década - apoiada mais em títulos do que em bancos como intermediários. Com o valor desses títulos agora contestado - e sem um equivalente do seguro para depósitos -, algumas pessoas que financiaram os títulos querem tirar o dinheiro, fato que criou o equivalente de uma corrida aos bancos no século 21.

Quem precisa enfrentar a corrida são as instituições criadas para lidar com os problemas do velho sistema - especialmente os bancos centrais, como o Fed e o Banco Central Europeu (BCE). No entanto, em contraste com seu íntimo envolvimento com o sistema bancário, essas instituições têm pouco controle regulatório sobre os títulos com problemas e talvez nem saibam quem os detém.

No coração do novo sistema está a decisão de deixar que os empréstimos sejam financiados diretamente pelos investidores e não indiretamente pelos depositantes bancários. Os investidores - dos fundos hedge aos indivíduos ricos - confiaram no arranjo porque a maioria dos títulos foi abençoada como muito segura pelas agências de classificação de risco, como a Moody's e a Standard & Poor's.

Os títulos de classificação alta pagam juros relativamente baixos, mas, até agora, houve muitas pessoas dispostas a possuí-los ou emprestar dinheiro para quem os possuísse. Mas não há razão para possuí-los se houver dúvida sobre a segurança, assim como não havia razão para manter depósitos num banco que enfrentava uma corrida em meio a rumores sobre sua segurança.

Um resultado foi o congelamento dos mercados para muitos títulos, que, como se vê agora, eram críticos para o livre fluxo do crédito. O problema chamou a atenção quando dois fundos hedge operados pela Bear Stearns entraram em colapso e um terceiro da mesma firma teve de suspender resgates porque investidores tentavam sair, apesar de não haver indícios de problemas.

'O terceiro anúncio da Bear Stearns sobre fundos foi a chave', disse Robert Barbera, economista-chefe da ITG. 'É preciso acreditar que, nos complexos de fundos hedge e mútuos, ganha força uma decisão que diz: quero ter alguns títulos do Tesouro como apoio se houver resgates.'

A base do sistema foi a crença de que títulos apoiados pelo crédito ruim podiam ser seguros, contanto que houvesse outros títulos que sofressem as primeiras perdas resultantes de inadimplência em grupos de hipotecas subprime ou de empréstimos a companhias altamente alavancadas.

Nenhum dos títulos de classificação alta deixou de fazer os pagamentos de juros no prazo, mas isso não é suficiente para despertar o desejo de comprá-los. As agências de classificação rebaixaram alguns títulos e estão endurecendo seus critérios para novas classificações.

Na semana passada, investidores de mercados de ações tentaram se assegurar de que nada estava realmente errado e estoques financeiros se recuperaram após fortes quedas. Analistas argumentaram que os lucros permaneciam fortes, assim como o crescimento econômico mundial. Na terça-feira, o Fed não quis baixar a taxa dos fed funds, afirmando que 'a economia parece propensa a continuar a se expandir num ritmo moderado nos próximos trimestres, apoiada pelo crescimento do emprego e da renda e por uma economia global robusta'.

Mas essa perspectiva confortadora não ajudou os mercados de crédito a se recuperar nem convenceu ninguém a comprar os títulos - pelo menos não pelos preços esperados. Ninguém quer vender os títulos a preços baixos e em muitos casos as pessoas tomaram empréstimos usando-os como garantia. Assim, os mercados secaram.

Na quinta-feira, o BNP Paribas, um grande banco francês, disse que não poderia mais calcular o valor de três de seus fundos de investimento, cujos ativos haviam sido investidos em títulos de classificação alta, apoiados por hipotecas duvidosas. 'A total evaporação da liquidez em certos segmentos do mercado de securitização dos EUA', disse o banco, 'tornou impossível calcular o valor justo de certos ativos, independentemente da qualidade ou classificação de risco.'

O problema é agravado pelo fato de os títulos questionáveis serem bastante disseminados e às vezes terem sido reorganizados para formar a base de outros títulos. Bancos e fundos europeus possuem papéis ligados a hipotecas subprime e não está claro quem mais possui ou como os investidores reagirão.

Bancos preocupados com a própria liquidez decidiram, na semana passada, aumentar as reservas, o que podem fazer tomando empréstimos de outros bancos. Empréstimos com essas taxas subiram com a demanda maior. Tanto a taxa dos fed funds quanto a Taxa Interbancária do Mercado de Londres tiveram forte alta na quinta.

O Fed, que conduz a política monetária manejando a taxa dos Fed Funds, foi obrigado a injetar dinheiro no sistema para baixar a taxa até o nível desejado. E o BCE emprestou US$ 130 bilhões a bancos europeus.

Se o pânico corrente é apenas medo irracional, então essas injeções de caixa poderão permitir que o novo sistema financeiro supere o mau tempo. Dinheiro pode ser emprestado aos detentores de títulos de recebimento duvidoso, eliminando a necessidade de vendê-los. À medida que se revelarem bons, empréstimos poderão ser saldados e todos ficarão felizes.

Por outro lado, se muitos desses títulos se mostrarem tão ruins quanto agora se teme, alguns desses empréstimos não serão bons e poderá haver mais falências financeiras.

Na quinta-feira, os preços das ações caíram na Europa e se mantiveram em queda nos EUA em meio a especulações sobre quais outros donos dos títulos em dificuldade poderiam surgir. Mas os preços das ações americanas continuam acima dos níveis para os quais caíram em fevereiro, após queda súbita no mercado chinês, e muitos investidores acham que tudo funcionará de maneira aceitável.

Os bancos centrais, embora fundamentais para lidar com a perda de fé no novo sistema financeiro, perderam influência. Os empréstimos poderiam ser arranjados por instituições não bancárias, não sujeitas a reguladores, e os reguladores estavam hesitando em impor regras que não se aplicariam a todos os emprestadores.

Os emprestadores venderam títulos para financiar hipotecas que permitiram que as pessoas tomassem empréstimos com taxas temporariamente menores que as projetadas pelo Fed. Isso retardou o impacto das tentativas do Fed de elevar os juros em 2005 e 2006.

'Isso é importante porque significa que a queda no mercado imobiliário provavelmente vai prosseguir', disse Barbera. Se a economia americana continuar se enfraquecendo, o Fed poderá ser obrigado a reduzir as taxas de juros antes do esperado, mesmo que essa medida ameace o valor do dólar.

Os preços no mercado futuro de Fed Funds mostram que há apenas algumas semanas os investidores achavam que não haveria nenhum desafogo do Fed este ano. Agora parecem acreditar que uma medida dessas é altamente provável e alguns a esperam já em setembro.

Mas a influência do Fed é limitada quando os emprestadores se tornam avessos ao risco. 'O ímpeto de baixar taxas de juros pode não ajudar, se não lhe permitirem tomar empréstimos, em primeiro lugar', disse Kingman Penniman, presidente da KDP Investment Advisors. O Fed não foi criado para lidar com o novo sistema financeiro, mas essa é sua única opção.

* Floyd Norris escreve para The New York Times

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