terça-feira, 7 de agosto de 2007

A mídia perdeu; o país também

por Luis Nassif

Observações a partir de uma conversa com jornalista de peso

Historicamente, sempre houve uma relação tensa nas redações, entre o chamado aquário (direção de redação) e a reportagem. Um pensa o produto, aquilo que impacta o leitor; a reportagem traz os fatos. Há uma lição que nenhum veículo pode ignorar: não se pode brigar com os fatos.

Nos anos 90, esse conflito muitas vezes foi resolvido de maneira pouco técnica: manchetes que não acompanhavam a notícia; ênfase exclusiva nas informações que se adequavam às teses do “aquário”. Mas, de qualquer forma, procurava-se preservar a notícia e não brigar com os fatos.

E havia razões de sobra para esses cuidados. Nos anos 80, a falta de sensibilidade em relação aos novos ventos estigmatizou alguns órgãos de imprensa. O mais afetado foi a Globo, acusada de não apoiar as diretas e, depois, de parcialidade na campanha de Fernando Collor (embora confesso não ter visto manipulação na edição do último debate entre Lula e Collor).

Nos anos 90, a recuperação da credibilidade se deu através de um trabalho hercúleo de Evandro Carlos de Andrade, tanto no jornal quanto na TV, passando por isenção na cobertura, pluralidade nas opiniões. Mesmo com os exageros de cobertura em episódios traumáticos, mesmo com diversas ondas de denúncia contra o governo FHC, os jornais chegaram a 2002 com a imagem relativamente preservada. Havia mau jornalismo, os críticos reconheciam, mas não havia alinhamento ideológico ou político com ninguém.

Agora, essa imagem está comprometida por dois episódios em que a soma de erros coletivos por parte da mídia atingiu proporções inéditas.

O primeiro, as últimas eleições. Perdeu-se o senso de reportagem e se passou a apelar incondicionalmente para dossiês, alguns sem pé nem cabeça – como foi o caso da “Veja” com os já clássicos “dólares de Cuba” e as “contas do governo no exterior”. Denúncias relevantes não foram apuradas; e os jornais apostaram em um estado de espírito do leitor para abdicar completamente do rigor e da técnica jornalística. O resultado das eleições mostrou que as denúncias não chegaram à maioria dos eleitores.

O segundo episódio foi agora, na cobertura do acidente com o avião da TAM. Não há registro na história recente da imprensa brasileira de sucessão tão grande de “barrigas”. É como se as diversas redações estivessem nas mãos de “focas”, tal a relação de impropriedades cometidas, de erros de julgamento, de retificações sem pedidos de desculpa. O que explica essa falta coletiva de limites?

O carnaval em torno do “top top” de Marco Aurélio Garcia visou apenas criar uma ameaça, um alerta: não comemorem nossos erros. O último Datafolha mostrou que o clima de caos não chegou aos leitores.

Em outubro ou novembro do ano passado, quando falei em “suicídio da mídia”, me referia a esse fenômeno inédito, em que praticamente todos os grandes veículos embarcaram, puxados pelo inacreditável jornalismo de “Veja”.

O pior subproduto dessa imprudência não é nem a radicalização que começa a tomar conta do país e preocupa: é o enfraquecimento da mídia. Se fosse apenas uma questão financeira, problema dos administradores de cada órgão. Acontece que – embora o controlador da Editora Abril, Roberto Civita, pareça não saber – o jornalismo de opinião é elemento fundamental em uma democracia. Dos poderes, é o que tem mais agilidade para pressionar por reformas, por acertos, para impedir abusos, para colocar limites aos demais poderes.

Mas como se faz em um país em que – pela palavra do dono de alguns dos principais veículos – a mídia é apenas um grande supermercado, em que convivem “príncipes dos cronistas” e o mundo cão?

Se quisesse, a mídia poderia produzir diariamente críticas fundamentadas contra o governo Lula. Com a banalização das denúncias, com o enfraquecimento da reportagem, em favor do “aquário”, perdeu-se esse referencial.

A mídia perdeu muito. Mas o país também.

do Blog de Luis Nassif

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