segunda-feira, 6 de agosto de 2007

"Foi apenas um momento infeliz de um homem público que tem se dedicado, como poucos, ao país"

Extratos do discurso do senador Aloizio Mercadante em 2 de agosto 2007, sobre a crise do setor aéreo e o acidente da TAM
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As vítimas do acidente da TAM merecem, acima de tudo, uma investigação objetiva e séria, e não a exploração política de suas tragédias. Só uma investigação isenta e responsável é que revelará a verdade e assegurará as condições para que novos acidentes semelhantes não voltem a ocorrer.Esse é o interesse maior da população e do país, não campanhas políticas oportunistas de enfadados.

Também não se pode politizar o tamanho da pista de Congonhas, aeroporto planejado em 1936, e nem o processo, iniciado em meados da década de 90, de transformar Congonhas num grande hub nacional, sem que se houvesse pensado na imprescindível área de escape que esse aeroporto precisava e precisa ter.

Na realidade, a chamada “crise aérea” vem sendo gestada há muito tempo pela ação e omissão de vários governos federais, estaduais e municipais. O aeroporto internacional de Guarulhos, inaugurado em 1985, previa, em sua concepção, que o governo de São Paulo construiria um trem expresso para ligá-lo ao centro da cidade e à Congonhas, de modo a reduzir o tempo considerável que se leva para acessá-lo, maior do que muitas viagens de avião, o que torna irracional a sua utilização em deslocamentos domésticos de curta e média duração. Por diversos motivos, esse investimento até hoje não foi feito, o que levou à sobre-utilização de Congonhas pela pressão das companhias aéreas e dos passageiros, à qual diversos governos cederam, provavelmente sensibilizados com a verdadeira via crucis que significa deslocar-se até Guarulhos, especialmente em dias de chuva ou em horários de rush.

Assim, em 1990 Congonhas já era o aeroporto mais movimentado do país.Cabe perguntar onde estavam os enfadados quando isso aconteceu.

O cerne do “apagão aéreo” está na crônica falta de investimentos em volume suficiente no controle aéreo, na infra-estrutura aeroportuária e mesmo na infra-estrutura de transportes urbanos das cidades brasileiras. Nos últimos anos, a insuficiência desses investimentos foi potencializada pelo recente crescimento exponencial da aviação civil no Brasil. De acordo com dados da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), a procura pelo transporte aéreo cresceu 12,2% em 2006, e, para este ano (2007), estima-se um incremento ainda maior de 17,5%. Nos últimos 3 anos, o trânsito de passageiros pelas salas de embarque e desembarque aumentou em 43,5%. Calcula-se que, só no ano passado, houve 102 milhões de embarques e desembarques nos terminais brasileiros.

A bem da verdade, é necessário dizer que a “crise aérea” só não se manifestou antes porque, entre 1999 e 2003, com a crise econômica e a desvalorização do Real, que afetou profundamente as empresas aéreas, as quais pagam leasing de aeronaves e dívidas em dólar, a aviação civil brasileira viveu um período muito difícil de retração da demanda e aumento de custos. Com efeito, em 1999 houve uma queda brutal (-23%) na utilização de assentos disponíveis, seguido por um período de estagnação ou baixo crescimento que se prolongou até 2003. Cabe ressaltar que esse período foi decisivo para a falência da VARIG, que desconfigurou toda a malha aérea brasileira e cujas conseqüências se fazem sentir até hoje.

Embora seja claro que a crise é complexa e perpassa vários governos, há, nestas horas difíceis, uma enorme resistência em se admitir erros e responsabilidades. Como bem disse Albert Einstein num famoso discurso feito na Sorbonne: Se minha Teoria da Relatividade se mostrar verdadeira, a Alemanha dirá que sou alemão e a França afirmará que eu sou um cidadão do mundo; mas se ela se mostrar equivocada, a França dirá que sou alemão e a Alemanha dirá que sou judeu.

Sem dúvida alguma, o PAC e as medidas específicas que já estão sendo tomadas (redistribuição da malha, reformas nos aeroportos mais importantes, concursos para controladores, compras de novos equipamentos, etc.) deverão aliviar os estrangulamentos existentes. Contudo, a solução definitiva acontecerá em prazo mais longo e demandará a ação coordenada dos governos federal, estaduais e mesmo municipais, bem como vultosos investimentos públicos e privados.

Outro ponto que precisa ser atacado refere-se à relação entre as companhias áreas e os consumidores, que estão atualmente muito desprotegidos, dada à relativa inoperância da ANAC, um agência nova, ainda não consolidada, que não pode ser capturada por interesses privados. A ANAC multa pouco e, mesmo assim, os valores são pequenos (R$ 8 mil reais) e as companhias conseguem liminares para não pagar nada.

Nós, Senadores, também temos de assumir nossas responsabilidades e contribuir para a solução da crise. Temos de aperfeiçoar a legislação relativa ao transporte aéreo no Brasil, que carece de modernização e de aperfeiçoamentos, especialmente no que tange à proteção dos passageiros. É necessário também que repensemos o atual marco regulatório do setor aéreo, os poderes e as funções da ANAC, que podem ser mais bem definidos e fortalecidos. Outro ponto que merece nosso empenho é o relativo ao controle aéreo da aviação civil, cerne da crise, que em quase todo o mundo é exercido por órgãos civis. Por último, devo mencionar o fortalecimento do Ministério da Defesa, ente concebido para racionalizar as estratégias e as operações da três forças, como uma das prioridades da nossa ação nesta conjuntura.

Não nos faltam tarefas importantes. São tarefas que nos impõe o país. Temos o dever de realizá-las. Não podemos nos dar o luxo irresponsável de cansar.

Temos também de evitar injustiças e parar de explorar fatos que não contribuem em nada para a solução da crise e só confundem e desinformam a população. É bem verdade que altas autoridades públicas fizeram, ao longo desta crise, declarações inteiramente infelizes; e já se desculparam por isso. Todos já as conhecem, até mesmo porque elas são obsessivamente repetidas a todo momento. Contudo, tais declarações foram tiradas de seu contexto e apresentadas de tal forma que ganharam uma dimensão totalmente desproporcional e deturpada.

Quero, neste momento, defender um homem público que merece respeito: Marco Aurélio Garcia. Conheço-o há décadas e posso afirmar, sem medo de errar, que se trata de pessoa íntegra e educada, que jamais faria aquele gesto em público. A maliciosa invasão da privacidade de seu gabinete revelou um gesto vulgar, o qual, ao contrário do que setores da mídia deram deturpadamente a entender, não expressava desprezo ou indiferença às vítimas, mas sim revolta ante a exploração política da tragédia. Foi apenas um momento infeliz de um homem público que tem se dedicado, como poucos, ao país, e que contribui, no seu âmbito de atuação, para a consolidação de uma política externa de inegável sucesso. (...)

Um comentário:

Gustavo Conde disse...

Excelente seu Blog, caro Favre. Elegante, inteligente, altíssimo nível. Parabéns e um abraço do novo leitor.