Vale a pena ler a coluna de Brickman
Executar primeiro, julgar depois
Carlos Brickmann para o Observatório da Imprensa
Circo da Notícia - Coluna de 4 de dezembro
Na primeira página, acima da dobra, o lugar mais nobre de um jornal, saiu a notícia de que um cavalheiro afirmava ter mantido relações homossexuais com o padre Júlio Lancelotti, que o acusa de extorsão. Poucos dias depois, o mesmo cavalheiro negou ter tido relações sexuais com o padre. Saiu numa página interna, no canto inferior direito. A acusação mereceu um título grande; o desmentido, um título pequenininho, pequenininho. A acusação é feita em manchete, o desmentido precisa ser lido com lupa.
Estamos no país das maravilhas: aquele da Alice, onde a Rainha Má primeiro mandava matar e depois providenciava o julgamento. E a culpa não é de promotores, juízes, delegados: é nossa, dos jornalistas, que aceitamos como verdade divina tudo o que provém de fontes oficiais e reduzimos à expressão mínima “o outro lado” – que se transforma, de elemento essencial à apuração dos fatos, numa obrigação chata, cumprida burocraticamente e com muita má vontade. Com alguma frequência, o sujeito acusado de matar esposa e filhos informa que é estéril, não é casado, vive com um estivador e, aliás, tem nojo de mulher; e a defesa acaba saindo nos meios de comunicação como “ele nega as acusações”.
Vale ler, além deste Observatório, a excelente coluna do ombudsman da Folha de S. Paulo, Mário Magalhães, (www1.folha.uol.com.br/folha/ombudsman/), e o trabalho, também de ótima qualidade, de Mário Vitor Santos, ombudsman do iG (http://ombudsman.blig.ig.com.br/). Na nota abaixo, uma transcrição do ombudsman do iG, referindo-se à condenação prévia dos suspeitos pela imprensa.
Acredita demais
“Como nas outras ocasiões, as versões da Polícia Federal são reproduzidas docilmente por jornalistas e seus veículos, inclusive este iG. Agentes, delegados, promotores recebem amplos espaços. Suspeitos viram criminosos. Suposições transformam-se em verdade. Jornalismo malfeito vira presa fácil para a manipulação da opinião pública. A versão dos acusados é escondida quando não simplesmente omitida. Ninguém pergunta: e se a polícia estiver errada? E se for um mal-entendido? Ninguém fiscaliza a competência e os procedimentos das autoridades. É um processo sumário, num tribunal de exceção, sem direito a contraditório nem apelação. O réu não tem direitos. A condenação é imediata e eterna. O direito do cidadão, de ser inocente até prova em contrário ou, melhor, até condenação definitiva em última instância, após execer todos os seus direitos de defesa, é ignorado pelos meios de comunicação manipulados pela polícia.
“O iG acreditou, quando devia ter duvidado.”
Silêncio cúmplice
Um colega nosso, do Interior de São Paulo, sofreu o segundo atentado em menos de seis meses, provavelmente pela campanha que move contra a Máfia dos Caça-Níqueis – que, apesar de todas as proibições, continua espalhando suas máquinas. A imprensa cobriu bem o atentado; as notícias foram publicadas no Brasil e no Exterior, e obtiveram ampla (e merecida) repercussão nos boletins de entidades internacionais como a SIP, Sociedade Interamericana de Imprensa, e Repórteres sem Fronteiras.
E daí? Daí, nada. Embora o crime tenha sido filmado, embora haja testemunhas capazes de reconhecer o criminoso, a Polícia Civil paulista não achou nem aquele “dimenor” de praxe, que confessa qualquer coisa após o hábil interrogatório. O governador José Serra, que em última instância é o comandante desta Polícia, nada falou sobre o tema. Por que não se manifesta, por que não monta uma equipe especial, afastada do cenário onde atua a Máfia dos Caça-Níqueis, para investigar o caso? E o ex-governador Geraldo Alckmin, primo da vítima do atentado, nada tem a dizer sobre o crime organizado que atua no Vale do Paraíba, seu berço eleitoral? E o Ministério Público, setor de combate ao crime organizado, não quer saber de investigar um caso visivelmente ligado ao crime organizado?
E nós, jornalistas, vamos deixá-los em silêncio? Caberia aos veículos de comunicação mostrar o acoelhamento das autoridades. E cabe a nós, jornalistas, pelo menos defender-nos: cada jornalista é uma vítima potencial dos mafiosos.
Boa notícia
O bom jornalista Paulo Moreira Leite, depois de um tempinho no Governo, está de volta à imprensa, com uma excelente reportagem sobre o rabino Henry Sobel. Sua volta ao jornalismo é uma notícia que merece ser festejada.
Ah, essa falsa cultura!
Uma notícia procura ressaltar a falta de conhecimento de Português do presidente Lula. Transcreve uma frase que disse e, em seguida, vem o “sic”, significando que foi dita daquele jeito mesmo.
Só que a frase “É para o pessoal saberem (sic)” não está errada, não. Em Português, a concordância pode ser feita com o substantivo ou com a idéia que ele representa. A isso se chama “concordãncia ideológica” (ou silepse de número). Como “pessoal” é coletivo, expressa a idéia de plural, e a concordância pode ser feita com o plural.
Talvez Lula não saiba disso, mas é uma forma clássica, que pode ser encontrada desde o Latim – por exemplo, em Júlio César, no De Bello Galico.
Como...
O pessoal gosta (ou, como queiram, “o pessoal gostam”) de falar do presidente Lula. Mas veja o que está no portal de um grande jornal:
“Assaltantes que mantêm reféns em SP mata cachorro de casal”.
E não é só: logo no subtítulo, a matéria informa que os bandidos invadiram casa em São Carlos. Não é nada disso: a casa é no Jardim São Carlos. São Carlos é uma cidade grande, e Jardim São Carlos é um bairro da Capital.
...é...
As duas informações constam do mesmo texto, a respeito das cadeias do Pará:
“Vídeo que mostra uma jovem sendo violentada por detentos”.
“PA: menor e doente violentado na prisão’.
Afinal, a vítima é menino ou menina?
...mesmo?
“Flávia Alessandra dançando num tapa-sexo”.
A atriz é capaz de dançar em espaço efetivamente minúsculos.
Enrolando-se
Há dias, o governador José Serra tumultuou a capital de São Paulo, parando carros com placas de outros Estados para verificar se eram mesmo de fora ou se o emplacamento tinha sido fraudado. Muita gente, com efeito, dá um jeito de emplacar o carro em cidades onde os impostos são mais baixos, como Palmas ou Curitiba. E São Paulo, em vez de baixar o imposto, usa a Polícia.
Só que Marcelo Tas, em seu blog (http://marcelotas.blog.uol.com.br), publicou foto de um carro com placa de Curitiba a serviço da estatal paulistana CET. A explicação da estatal é magnífica: lembra aqueles textos que Madame Natasha, do Elio Gaspari, gosta de explicar aos leitores. Vamos a um trecho:
“Informamos que o veículo placa DIH 0250, de Curitiba, cuja foto foi exibida no UOL/Blog do Marcelo Tas, não pertence à frota da Companhia de Engenharia de Tráfego-CET e nem está ligado a contratos de serviços desta companhia. O veículo em questão foi contratado pelo Consórcio Via Amarela e presta serviços de apoio nas interdições e bloqueios realizados ao longo dos trechos de toda a obra do Metrô, conforme solicitado pela CET.”
Como explicaria Madame Natasha, o que ele quis dizer é que o carro não é nosso, mas é nosso.
Completando
Um leitor de Tas, Rodrigo Lombardi, viu um carro com placa de Curitiba com adesivo esclarecendo que estava “a serviço da Prefeitura de São Paulo”. E pede: “Que as leis se façam valer para todos”. Mas as leis valem para todos, Lombardi. Só que para alguns não são aplicadas.
E eu com isso?
O caro leitor pode se tranquilizar: esta coluna lhe traz algumas notícias palpitantes e quentes, sem as quais se torna impossível viver. Vejamos:
1. Roger curte a noite sem Débora Secco
2. Sabrina Sato curte a praia
3. Andrucha Waddington assiste ao show de Maria Bethânia
4. Julia Roberts discute com fotógrafo
O grande título
Nesta semana, há um imbatível:
Ex-campeão de xadrez deixa a prisão.
carlos@brickmann.com.br
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