domingo, 2 de dezembro de 2007

TV digital, um espetáculo sem espectadores

Ethevaldo Siqueira
O Estado de São Paulo

A TV digital brasileira estréia hoje na Grande São Paulo. Para quase ninguém. Anunciada como a mais avançada do mundo, ela começa sem interatividade, sem o software operacional Ginga e sem mobilidade. Segundo as perspectivas mais otimistas, apenas 20 mil telespectadores - dos 20 milhões de habitantes da região metropolitana - verão as imagens do padrão nipo-brasileiro que o País inaugura hoje. Nas pesquisas de audiência, 20 mil pessoas são representadas por um traço. Quer dizer: Ibope zero.

Esses números não significam nenhum fiasco da TV digital como tecnologia. Mostram apenas que estamos diante de um projeto mal conduzido. Há 15 dias, os paulistanos ainda não tinham onde comprar sintonizadores digitais ou conversores (set-top boxes), nem televisores completos aptos a receber as imagens da nova TV. E, agora, quando os conversores chegam às lojas, seus preços, entre R$ 400 e R$ 1.500, assustam o consumidor de classe média e afugentam a grande maioria de baixa renda.

O QUE FALTOU

Em lugar de um projeto sério, capaz de superar todos os desafios, o governo criou expectativas irrealistas quanto à TV digital. Ainda em 2005, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, dizia que a Grande São Paulo poderia ver a Copa do Mundo de 2006 com imagens da TV digital. Depois, insistiu na possibilidade de set-top boxes a R$ 200 ou menos. Prometeu interatividade, mobilidade e multiprogramação, mesmo diante da opinião contrária de especialistas quanto ao prazo para a disponibilidade desses avanços.

Os escassos recursos destinados às pesquisas foram sempre pagos com atraso, impedindo, por exemplo, que o desenvolvimento do middleware Ginga fosse concluído em tempo para ser incorporado ao projeto.

Nenhuma estratégia industrial foi posta em prática para reduzir o preço final dos set-top boxes. Hélio Costa preferiu transformar a questão num grande bate-boca, em lugar de lutar pela isenção ou pela redução dos tributos que oneram a importação de componentes eletrônicos. Ou por financiamentos e incentivos que pudessem baixar o preço final dos sintonizadores - à semelhança do que tem sido feito com pleno êxito na área de computadores. Só agora é que o governo acena com a perspectiva de financiamento. Em resumo, do lado governamental sobrou discurso populista e faltou apoio concreto aos players envolvidos.

As emissoras de TV, muito mais pragmáticas, fizeram sua lição de casa e estão preparadas para a transmissão de programas, embora com pouco conteúdo de alta definição. E a boa notícia nesse segmento é a contribuição da indústria nacional, desenvolvendo e fabricando os primeiros transmissores para TV digital, com a participação direta de universidades e do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel).

ATÉ 15 ANOS

Implantar a TV digital é um processo inexoravelmente longo, aqui como em todo o mundo. Mesmo sendo a TV aberta uma paixão nacional, com uma taxa de penetração de 93% dos domicílios, a implantação da nova geração digital na maioria dos lares do País deverá levar de 12 a 15 anos. É claro que podemos ter surpresas com a evolução tecnológica. Uma das alternativas tecnológicas mais promissoras à TV digital de hoje é a TV sobre protocolo da internet, ou IPTV, que pode oferecer opções mais baratas e qualidade comparável à alta definição de hoje.

O grande obstáculo à digitalização no Brasil é, sem dúvida, o baixo poder aquisitivo de sua população. Por isso, daqui a 5 anos, a TV digital no Brasil não deverá alcançar mais do que 15% das residências - estimam alguns especialistas. Nos Estados Unidos, depois de 9 anos da introdução da nova tecnologia, apenas 38% dos domicílios dispõem de TV digital. Na França, depois de 8 anos, esse percentual é ainda menor: 31%. No Japão, após 3 anos, são 15%.

Outro problema é a dificuldade do cidadão em entender exatamente quais são as vantagens da nova tecnologia, em especial se o consumidor já conta com imagem de boa qualidade, ou de definição padrão (chamada de standard definition).

POUCA ATRAÇÃO

Em 1972, o Brasil inaugurou sua TV em cores. Na época, passar do branco e preto para as cores tinha muito maior impacto do que tem hoje a simples recepção de um sinal digital em standard definition - que acabará sendo a única opção econômica da maioria dos consumidores.

Poucos parecem estar dispostos a investir R$ 400 ou 500 num set-top box para garantir simplesmente a recepção de sinais digitais, porque esse preço está fora do alcance de 70% da população.

Muito diferente é a situação dos consumidores de alto poder aquisitivo, acostumados ao home theater e ao visual dos monitores de 42 ou 50 polegadas, de plasma ou LCD, à espera do grande salto da alta definição na TV aberta, na TV a cabo, nos DVDs Blu-ray ou HD-DVD.

Finalmente, resta a opção polêmica já pensada pelo governo para antecipar a universalização da TV digital: distribuir milhões de set-top boxes para simples recepção, a preços simbólicos, altamente subsidiados, para a maioria dos domicílios pobres do País. Uma espécie de Bolsa TV.

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