domingo, 9 de dezembro de 2007

Aloizio Mercadante no Globo: Estufa da desigualdade


ALOIZIO MERCADANTE

O Texas, que tem 23 milhões de habitantes, emite mais dióxido de carbono (CO²) que toda a África Subsaariana, região com população de 720 milhões. Os 19 milhões de habitantes de Nova York lançam mais CO² na atmosfera do que os 766 milhões de habitantes dos 50 países mais pobres do mundo.

Esses números dão uma idéia da imensa desigualdade nas responsabilidades concernentes ao efeito estufa. Com efeito, são os países desenvolvidos os grandes responsáveis pelas mudanças climáticas que ameaçam o planeta. Foram eles que lançaram na atmosfera sete de cada 10 toneladas de CO², desde que começou a revolução industrial. Tal responsabilidade não é apenas histórica, pois as nações desenvolvidas continuam a ser as principais poluidoras. Muitos argumentam que alguns países em desenvolvimento vêm aumentando suas participações nas emissões globais. A China, por exemplo, já é o segundo maior emissor de CO² do mundo. Contudo, esse aumento da participação é concentrado em poucos países, e encobre grande disparidade demográfica. Assim, quando analisamos as emissões per capita, verificamos que um chinês emite apenas um quinto do CO² emitido por um norte-americano. Já um brasileiro emite 11 vezes menos que um norte-americano. Ironicamente, a desigualdade nas responsabilidades pelas emissões se inverte quando se trata da vulnerabilidade às mudanças climáticas.

Os 1 bilhão de habitantes mais pobres do planeta, embora respondam por apenas 3% das emissões, são os mais afetados pelas mudanças climáticas. Na África, as secas intensas vêm provocando aumento da fome e da desnutrição. Na Bolívia, o encolhimento das geleiras andinas já causa escassez de água potável.

Pois bem, é dentro desse contexto de extrema desigualdade nas responsabilidades e vulnerabilidades relacionadas ao efeito estufa, as quais refletem as crescentes disparidades socioeconômicas mundiais, que devem ser analisadas as discussões do 13oEncontro da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas que ocorre em Bali. Os países desenvolvidos, que, de um modo geral, aumentaram as suas emissões, ao invés de reduzi-las, como haviam se comprometido quando assinaram o Protocolo de Kioto, querem, agora, comprometer os países em desenvolvimento com metas de redução dos gases do efeito estufa. Pior: querem se aproveitar do tema para auferir ganhos comercias.

Elaboraram lista de produtos “ambientais” que poderiam ser comercializados com tarifa zero. Omitiram, no entanto, o etanol brasileiro da lista, pois pretendem continuar a proteger os seus mercados agrícolas.

Tal cenário impõe três conclusões. A primeira é que o Brasil, país de matriz energética limpa e de vanguarda nos biocombustíveis, deveria condicionar compromissos internacionais de metas diferenciadas para os países em desenvolvimento ao efetivo cumprimento das metas acordadas para as nações desenvolvidas. Ademais, a conciliação entre meio ambiente equilibrado e o direito ao desenvolvimento, conquista histórica obtida na Eco 92, tem de ser preservada.

Afinal, a manutenção da pobreza não vai resolver os problemas ambientais do mundo. Isso não significa omissão na luta contra as mudanças climáticas. Temos de assumir compromisso interno mais firme no que tange ao desmatamento da Amazônia.

Também devemos nos esforçar para assumir amplos compromissos regionais, no âmbito do Mercosul e da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. Como membro do Parlamento do Mercosul, almejo propor protocolo específico sobre mudanças climáticas para o bloco.

A segunda conclusão é a de que o Protocolo de Kioto e o mercado de carbono, embora imprescindíveis, são insuficientes para lidar com a questão.

Precisamos de mecanismos mais eficientes que propiciem o financiamento de tecnologias limpas para países em desenvolvimento e da mitigação do efeito estufa. Por isso, apresentei proposta de criar o Fundo Ambiental Mundial, destinado ao combate ao efeito estufa, com base na arrecadação de 1% sobre as importações internacionais, com ênfase nas de petróleo, o que poderia redundar no recolhimento de US$ 100 bilhões por ano. Esse Fundo daria base financeira para que todos os países, inclusive os mais pobres, pudessem se empenhar nessa luta.

A terceira conclusão é de que não podemos esperar mais para agir. Certa vez, perguntaram a Gandhi se a Índia pretendia se desenvolver como a Inglaterra. Gandhi, após observar que a Inglaterra havia consumido metade dos recursos do planeta para se desenvolver, perguntou: “De quantos planetas precisará a Índia?” Só temos um planeta, e ele está doente. Ambiental e socialmente doente.

Temos de cuidar dele e enfrentar, em conjunto, essas duas terríveis enfermidades.

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