As armas e mentiras de Nicolas Sarkozy
Gilles Lapouge*
Resgatadas das prisões e dos carrascos de Muamar Kadafi, as cinco enfermeiras búlgaras e o médico palestino estão em casa, longe do terror. O mundo inteiro saudou sua libertação - obtida no fim de julho, depois de oito anos de prisão -, graças a um longo trabalho dos diplomatas europeus e, no fim, ao ativismo fulgurante do presidente francês, Nicolas Sarkozy, e sua doce mulher, Cécilia.
“Tudo está bem quando acaba bem.” O problema é que nada acabou, pois essa brilhante operação logo se transformou num caso obscuro, inquietante. Esse “ato de amor” do Estado começou a cheirar a armas, resgate e geopolítica.
Após o triunfo da sua mediação, Sarkozy declarou ter sido conduzido somente pelas preocupações humanitárias. Certo, a França fornecerá uma central nuclear à Líbia, mas apenas para a criação de usinas de “dessalinização da água do mar”, o que é ecológico, mas cientificamente absurdo. A opinião pública não insistiu. Não quis estragar a festa.
Infelizmente, o filho de Kadafi, Saif al-Islam, pisou na bola. E declarou ao jornal Le Monde que a libertação das enfermeiras foi muito bem paga: entregas volumosas de mísseis antitanque, exercícios militares conjuntos e até um projeto para fabricar armas. Sendo assim, o ex-terrorista Kadafi vai se tornar novamente uma pessoa socialmente aceitável, mesmo num terreno perigoso, o da guerra e das armas.
As revelações do filho de Kadafi causaram estupor. Os deputados exigiram explicações do chanceler Bernard Kouchner. Que foi vago. Na verdade, não sabia de nada. Então, a pergunta foi dirigida ao próprio Sarkozy: “Houve um contrato de armas?” Sua resposta foi: “Não.” “Houve alguma contrapartida?” Ele respondeu: “Nenhuma.”
Quem é o mentiroso? Sarkozy? O filho de Kadafi? Uma pista: ontem o governo líbio anunciou a assinatura, com empresas francesas, de contratos para a compra de mísseis e equipamentos de comunicação (ler ao lado), totalizando mais de US$ 400 milhões...
O mais grave não é o fato de a França vender armas à Líbia, mas a amplitude dessa cooperação militar. E sobretudo o fato de tudo ter sido tramado em silêncio e em segredo. Somente um homem, Sarkozy, conduziu todo o processo, nas barbas de seu próprio chanceler, que não sabia de nada.
Uma outra revelação terrível: Kadafi obrigou as enfermeiras búlgaras e o médico palestino a assinarem, na presença de personalidades européias (entre elas, Cécilia Sarkozy), um documento comprometendo-se a renunciar a qualquer recurso judicial e a não contar que foram torturados. Eles foram. “O pior era a máquina de tortura elétrica”, contou o palestino. “Às vezes eu era torturado na mesma sala que as enfermeiras. Eu estava nu. Elas, metade nuas. Tenho vergonha de dizer o que fizeram com essas mulheres.”
*Gilles Lapouge é correspondente em Paris
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