terça-feira, 12 de junho de 2007

Reforma política: Editorial do jornal O Estado de São Paulo

O nó da reforma política

Passado um decênio desde que o Congresso dela começou a se ocupar e quatro anos depois da aprovação de um projeto de reforma política numa comissão especial da Câmara, a matéria deverá finalmente ser votada em plenário esta semana - a menos que o desacordo entre os parlamentares, em especial no PT, quanto ao principal item da proposta acabe mantendo a questão no limbo. O foco da discórdia incide sobre a mudança do sistema eleitoral. Pretendendo dar fim a uma tradição que remonta à Independência - a de se votar em nomes para a composição das casas legislativas -, o projeto implanta o sistema de listas partidárias fechadas nos pleitos para vereador, deputado estadual e federal. A mudança gera controvérsias não apenas entre os políticos, mas também entre os estudiosos da política.

Assim como acontece na maioria absoluta das democracias que adotam o sistema proporcional, o eleitor passaria a votar em partidos e não mais em candidatos individuais. A fórmula vigente no Brasil é adotada por muito poucos países, como Chile, Peru, Polônia e Finlândia. Calculado o número de cadeiras a que cada partido tiver direito em função do total de sufrágios recebidos, elas serão ocupadas conforme a posição dos candidatos na lista. Assim, se uma agremiação fizer jus a uma bancada de 30 representantes, ela será formada pelos 30 primeiros nomes da sua relação. Naturalmente, o eleitor saberá, antes de votar, quem são e que lugar ocupam nas respectivas listas os candidatos de cada legenda - uma coisa e outra decididas em convenções. Para os críticos, isso dará aos chefes partidários um poder descomunal.

Os defensores da inovação retrucam que, no sistema atual, eles já detêm esse poder na escalação das chapas e na escolha dos candidatos que aparecerão mais do que os outros no horário eleitoral. Confiam também em que a mudança, com o tempo, contribuirá para a democratização da vida partidária, enfraquecendo, em vez de fortalecer, as caciquias que as controlam. A questão - como todas as demais referentes ao sistema político, partidário e eleitoral - é complexa por uma razão essencial e incontornável: todo sistema é um cobertor curto. E freqüentemente não há consenso sobre as vantagens e desvantagens de um modelo existente, em comparação com aquele que poderá substituí-lo. Nem tampouco sobre os efeitos de determinada mudança para as demais regras do jogo.

O sistema de listas abertas tem males de sobejo, ainda mais quando acompanhado das coligações que nutrem as legendas de aluguel, estimulando a fragmentação partidária, e distorce a intenção do eleitor - que vota no candidato A do partido X e elege, sem saber, o candidato B do partido Y a ele coligado. (O projeto de reforma limita as coligações aos pleitos majoritários.)

A personalização da escolha eleitoral - e inumeráveis eleitores logo esquecem em quem votaram para o Legislativo - instaura a custosa guerra de todos contra todos em cada partido, favorecendo a corrupção eleitoral; leva os vitoriosos a se imaginar donos dos seus mandatos e livres para fazer com eles o que bem entenderem; e ainda obriga os governantes a negociações no varejo para prevalecer no Legislativo.

É verdade que o padrão em vigor tende a favorecer a renovação política, muito mais do que a alternativa proposta. O sistema de lista fechada abre a possibilidade de os atuais legisladores terem o privilégio de encabeçar as listas partidárias, cristalizando oligarquias parlamentares. Eis por que os adversários da mudança argumentam que ela praticamente instituirá a prorrogação dos mandatos.

É inegável, de outra parte, que o voto em chapa fortalecerá o sistema partidário e que, sem ela, como sustenta o deputado goiano Ronaldo Caiado, do DEM (ex-PFL), relator do projeto de reforma, as outras medidas perderão a razão de ser - notadamente o também polêmico financiamento público exclusivo das campanhas. De fato, isso só fará sentido se os destinatários dos recursos forem os partidos e não os candidatos.

Também a fidelidade partidária depende do ponto-chave da reforma. A rigor, só o voto em lista travará as portas giratórias das bancadas, pois o parlamentar que largar o partido que o elegeu será substituído pelo primeiro dos suplentes - e o infiel perderá o assento.

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