Jornal do Turismo entrevista Marta Suplicy
As últimas declarações da ministra do Turismo, Marta Suplicy, que ganharam grande repercussão são provas irrefutáveis de que a imprensa peca ao tentar cristalizar uma frase, isolando-a de um contexto mais abrangente. Ou seja, em nome de interesses políticos, ofuscou-se a grandiosidade do trabalho do Ministério do Turismo junto ao trade e, principalmente, ao povo brasileiro.
O Plano Nacional de Turismo (PNT) está dando continuidade à gestão anterior de Walfrido dos Mares Guia e aponta para um futuro de desenvolvimento econômico no País, através do turismo. Nesta entrevista ao jornalista Cláudio Magnavita, Marta disse ao que veio, como ministra, estrategista, ex-prefeita de São Paulo e mulher.
Cláudio Magnavita - Ministra, a sua gestão tem recebido o apoio das principais entidades representativas do setor turístico brasileiro. Como foi descobrir esse mundo mágico do turismo? Como tem sido sua experiência como ministra?
Marta Suplicy - O apoio de todo o trade turístico ao PNT foi uma descoberta. Revelou a força que o turismo tem - apesar de não termos a mesma pujança de outros países. Afinal, já competimos com a indústria automobilística.
CM - O lançamento do PNT contou com oito governadores de Estado, de deputados, senadores e do próprio presidente da República. Isso é um grande ato, para uma atividade que até então era praticamente desconhecida do grande público...
MS - Aos poucos, tenho percebido que o turismo é a área que mais gera emprego rapidamente. E isso vai desde as pessoas mais qualificadas até as mais humildes. Para o jovem, por exemplo, há muito campo, e com mobilidade social: ele começa a trabalhar num restaurante e, depois de 20 anos atuando nesse segmento, pode, qualificado, abrir um empreendimento próprio. A idéia do Plano Nacional de Turismo 2007-2010 é a da inclusão social. Por isso chamamos de uma “Viagem de inclusão”. Há 40 meses consecutivos o consumo aumenta no Brasil. Temos hoje uma venda espetacular de celulares. Três milhões de pessoas já tem o aparelho. Isso tudo sem contar o aumento de brasileiros que estão comprando automóveis. Nosso povo está consumindo, sim. Quem nunca teve acesso a um avião está se locomovendo nele. Esse mercado é novo para o turismo: muitas dessas pessoas nunca pensaram que poderiam usufruir do turismo com a sua família; conhecer uma bela praia do Nordeste; Ouro Preto; Brasília; mergulhar em Bonito; conhecer a Chapada dos Veadeiros ou o Pantanal. É uma coisa que ainda não deslanchou, porque o pessoal está ainda partindo para os bens de consumo. Mas na hora que o brasileiro perceber que vamos ter pacotes de R$ 500 a R$ 600, com pagamentos mensais de R$50, é pé na estrada e no avião.
CM - O crédito consignado pode beneficiar o público da terceira idade, que é fundamental para o desenvolvimento do turismo?
MS - Estamos falando de um público que pode consumir um pouco mais. O estudante, a classe média e o aposentado são públicos potenciais. Começamos pelo aposentado, porque ele construiu este País. Deve ter mais direitos entre todos nós. Através do crédito consignado, a agência de viagem faz o pacote que não onera em nada para o cidadão: o dinheiro do crédito vai direto para a operadora. Conseguimos isso através de uma portaria rápida do ministro da Previdência, o (Luis) Marinho. Ou seja, o dinheiro sai direto do INSS para a conta da operadora. Então, não há problemas de não recebimento por parte da operadora. A Caixa Econômica e Banco do Brasil, com juros abaixo de 1%, também permitiram a baixa do valor do pacote. Agora, as agências estão todas muito envolvidas em fazer um negócio diferenciado para o aposentado de 60, 70 e 80 anos.
CM -As pessoas podem viajar inclusive nos períodos de baixa estação?
MS - Com o projeto, ajuda-se o aposentado a viajar em pacotes mais acessíveis. O hotel do empreendedor permanece em atividade, e cheio, durante todo o ano. Isso alguns países já fazem de forma mais contundente que nós. Na Espanha, por exemplo, há quatro meses de grande estação. Depois, quando os hotéis ficavam vazios, as pessoas eram despedidas porque não tinham como manter toda a estrutura. O governo espanhol fez a conta, no sentido de avaliar se era mais proveitoso pagar seguros-desemprego para essas pessoas ou avalizar pacotes subsidiados para que o povo pudesse viajar em época de baixa estação, e manter os empregos. Eles resolveram que era mais barato. No Brasil, acreditamos no crédito consignado para aposentados na baixa estação, de sete a oito dias, em roteiros rodoviários ou aéreos - baratos ou um pouco mais caros, (respectivamente). Isso gerará um impacto muito bom para a economia. Num outro dia você me perguntou “onde começa essa história com os aposentados”? O Ministério quer participar da capacitação e do treinamento junto às agências, que também estarão recebendo pessoas que nunca entraram lá, e que podem ficar desconfiadas por serem agências muito elegantes. Mas é para entrar mesmo, porque ali estarão profissionais treinados que os atenderão com todo o carinho e respeito, mostrando os melhores pacotes para o idoso. Para treinar e organizar os pacotes, começamos com o Estado de São Paulo, que mais envia viajantes no Brasil e tem o maior número de aposentados. Brasília será o nosso segundo foco porque queremos que a região Centro-Oeste se torne um centro de viagens, que o Brasil se expanda também naquela direção. Todos irão viajar, prioritariamente, para o Nordeste: lugar onde mais se precisa de renda e emprego. Distribuição de renda, diminuição de desigualdades regionais e empregabilidade são as principais orientações do presidente Lula para o turismo - principalmente para o Nordeste. Estive em Cabrália e Porto Seguro – no evento da tocha olímpica dos Jogos Pan-Americanos -, e o pessoal estava preocupado com a baixa freqüência. Isso é muito ruim para um lugar tão bonito, em que o idoso poderia ir. É um privilégio desfrutar daquela praia agradável e da nossa gastronomia. Isso tudo agora será mais acessível.
CM - Gostaria de falar da responsabilidade de estar num ministério criado por iniciativa pessoal do presidente Lula, e de a senhora ter sucedido o Walfrido dos Mares Guia. O sucesso de uma gestão está na equipe, parcialmente preservada, somada ao que a senhora trouxe de novos talentos para o Ministério?
MS - O ministro Walfrido foi uma sorte. Entrou num Ministério novo, chamando, com muita sensibilidade, as pessoas que trabalhavam na área. Foi através dos secretários de turismo dos governos, dos municípios e de todo trade, que se criou o Conselho Nacional de Turismo (CNT), com mais de 60 cadeiras representativas: todos pensando num plano para 2003-2007. Esse plano resultou num planejamento de marketing muito importante para o turismo. Agora, que estou entrando nesse setor, vejo como os países que têm o turismo desenvolvido trabalham. Eles não brincam em serviço: gastam fortunas em marketing. Dubai, que há quatro anos recebia menos de dois milhões de visitantes, hoje passou o Brasil. Tem uma propaganda gigantesca, linhas aéreas. O retorno do investimento em turismo é muito lucrativo e fabuloso. É uma atividade muito rápida: se o Produto Interno Bruto cresce a 3%, o turismo vai a 5, 6%. Se tem 4%, o turismo chega a 7, 8%. É uma área que requer investimento. Essa pesquisa encomendada pelo Mares Guia, possibilitando criar um novo Plano para 2007-2010, tornará o Ministério ainda mais profissional. Não temos 'achômetro', mas, sim, pesquisas. Por exemplo, no exterior, temos o Plano Aquarela, que revela os países em que mais devemos investir em propaganda. Argentinos, americanos, portugueses, italianos e alemães são os que mais visitam o Brasil. Vamos investir nosso plano de marketing na Argentina, nos Estados Unidos, em Portugal (com menos força) – já que de lá vêm 400 mil turistas. Temos um teto. Vamos manter nossas relações: agora, a TAP está realizando cinco vôos novos entre Lisboa e Brasília. Cinco para o Galeão, e outros três para São Paulo – totalizando quase 60 vôos de freqüência. É um ótimo mercado. Vamos agora para os ingleses e alemães, onde nunca investimos.
CM - A então prefeita de São Paulo, que introduziu o Eduardo Sanovicz na administração do Anhembi Eventos, agora o vê, com seu trabalho refletido em âmbito nacional, no Ministério. Conte-me um pouco dessa história.
MS - O Eduardo Sanovicz foi muito bom para o Anhembi. Colocou-o de pé, reformou-o em grande parte, e o fez sair do vermelho, gerando lucro. Ele foi convidado pelo Mares Guia para assumir a Embratur. Reorganizou toda a empresa de uma forma muito experiente. A Jeanine (Pires, atual presidente da Embratur) é um dos tesouros que ficaram. Tem muita experiência, é jovem e dinâmica. Fiquei contente de o Mares Guia não a ter levado, já que ela é de turismo, e ficou no Ministério. Nossa atual equipe não pode se esquecer do mercado interno. Se temos cinco milhões de pessoas que vêm visitar o Brasil - queremos aumentar -, temos também 50 milhões de brasileiros que viajam por aqui. Essa é a força da hotelaria e do turismo interno, que gera empregos e divisas. Isso atrai também pessoas de fora, que podem usufruir de uma rede hoteleira consolidada.
CM - O Márcio Favilla, que era o secretário Executivo do Ministério, pediu para lhe falar sobre a Secretaria Executiva e a própria estrutura do Ministério. Ele teve uma conversa de quase três horas com a senhora, e saiu do seu gabinete encantado com a sensação de que o trabalho teria continuidade. Essa é uma marca da Marta Suplicy, da época em que era apresentadora de TV - de não pré-conceitualizar, antes de tomar uma decisão correta?
MS - Temos de ter a humildade de saber que estamos entrando numa área que não entendemos. O Mares Guia escolheu as pessoas mais indicadas: o Sanovicz, que estava no Anhembi, o (Milton) Zuanazzi, que também é um homem do turismo. Chamou todo o trade e disse: “vamos trabalhar juntos”. Eu também chamei as pessoas corretas para conversar. O próprio ex-ministro também me pôs muito a par dos acontecimentos. A partir disso, você começa a ler, estudar e ouvir mais atentamente. Como ex-prefeita de São Paulo, tive a sensação de como o turismo teve um impacto. Tivemos aqui a Octad, maior evento da ONU. Foi difícil conseguir: a ONU tem exigências de segurança e espaço para realizar o seu evento, que são o “top do top”. Conseguir trazer esse tipo de evento para São Paulo e realizá-lo de forma exitosa foi importante para nós.
CM - É interessante o apartidarismo do setor turístico. A senhora esteve agora há pouco reunida com o prefeito de SP, o Gilberto Kassab...
MS - Como ministra, não tenho problemas com os organismos que tenho de trabalhar. A cidade de São Paulo tem mais números de eventos e recebe e emite mais turistas no Brasil. Na área de lazer, o Rio é mais significativo. Mas, se somarmos lazer e bussines em SP, essa cidade realmente 'chama' mais visitantes. A prefeitura é o coração disso tudo. Propomos a ele transformar o Campo de Marte num novo Anhembi, em comparação à Feira de Milão. Vamos investir no Anhembi também. Ele ficou encantado com a idéia de uma rodoviária na Zona Leste. O turismo que essa região tem simpatia é o de um dia, como o de visitações à Aparecida do Norte, por exemplo.
CM - A cidade de São Paulo é metropolitana. Tem uma dimensão geográfica estrondosa. Só que a política pau-istana se manifesta de maneira muito pequena. O que falta para mudar a cabeça dessas pessoas, no sentido de se pensar a cidade como ela realmente merece?
MS - As pessoas que moram em São Paulo têm consciência da importância da cidade. Quem está aqui pensa sempre a partir de uma perspectiva de metrópole cosmopolita. Nada aqui é pequeno. Conseguimos exercer impacto quando fizemos um bilhete único ou um CEU. Governar São Paulo é um desafio gigantesco. Voltar para cá é uma emoção boa. Agora o palácio do Anhangabaú é um orgulho. Vieram um pouco as lembranças difíceis de se lembrar: as decisões difíceis da prefeitura.
CM - Gostaria de mergulhar agora na sua experiência de mãe, mulher, gestora, no momento em que o turismo está sob gestão feminina no Senado, na Câmara, na Embratur, no Ministério e agora, que a Organização Mundial do Turismo terá a mulher no centro do debate de sua reunião.
MS - É uma coincidência feliz. O século 21 é o das mulheres. Podemos ter uma presidente na Argentina. No Chile, temos a Michele Bachellet. A Angela Merkel está fazendo um trabalho extraordinário na Alemanha. As mulheres aos poucos estão chegando lá. O Brasil é um país com muitos paradoxos nesse sentido, e eu estou feliz com o Ministério do Turismo.
CM - O seu nome poderia ser o escolhido para comandar o Brasil?
MS- Ainda é muito cedo para falar sobre isso e e eu estou feliz com o Ministério do Turismo.
CM - Recentemente, a imprensa congelou uma frase da senhora, utilizando-se politicamente de um tema, ofuscando o teor do próprio PNT. As entidades do setor se solidarizaram, pedindo que os jornais voltassem seus holofotes para o Plano. Como a senhora avalia esse episódio?
MS - A frase foi no sentido de que as pessoas não desistissem de viajar. É realmente como um parto: todos sofrem no aeroporto, mas depois tem a alegria imensa de viajar. Infelizmente a frase se transformou em tudo o que não quis dizer. Fiquei triste porque foi um dia de muita importância para o Ministério do Turismo. Mas o Plano para 2007-2010 acabou sendo pouco falado. É uma “Viagem de Inclusão”, para criar mais de 1 milhão e 700 mil empregos, com metas de divisas para o Brasil. Serão 65 regiões a serem consideradas como modelos de nosso desenvolvimento turístico. Temos muito mais que 65 - mas não temos recursos para investir em mais que isso, num primeiro momento. Depois, vêm os planos de agregar os estudantes, o trabalhador e o aposentado, para que possam conhecer o Brasil. O estudante só vê o País pelos livros ou pela TV. O presidente falou que Villa-Lobos ganhou de seu pai uma biblioteca grandiosa, mas ele preferiu vendê-la para percorrer o Brasil. Estendeu a viagem, influenciando enormemente a sua vida e composição musical. O estudante que viaja tem a janela aberta para o mundo. É um vivenciamento que muda a cabeça das pessoas.
CM - Alguns jornais foram refratários a uma agenda positiva. O trade se mobilizou para divulgar seu apoio a senhora, através de um comunicado público. O que a senhora sentiu ao perceber essa manifestação pública de apoio, em diferentes entidades do turismo?
MS - Senti que sou do mesmo time. Foi uma união, com uma solidariedade muito grande, de pessoas que estão na mesma equipe, dispostas a fazer com que o Ministério do Turismo cresça junto com o Brasil, levando o nome do nosso País a um patamar tão belo quanto sua beleza.
Cláudio Magnavita / JT
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