terça-feira, 2 de outubro de 2007

Blogueiro com a cabeça no lugar

CECILIA GIANNETTI

Se continuasse no Irã, Hossein Derakhshan estaria preso ou teria, literalmente, perdido a cabeça

SE A blogosfera fosse um balneário ensolarado, eu chamaria esse cara pra tomar um chope. E se o jornalista e blogueiro Hossein Derakhshan (aka Hoder) tivesse permanecido em Teerã, onde nasceu, estaria preso ou já teria, literalmente, perdido a cabeça.

Hoder tinha 27 anos e uma coluna diária sobre cultura e internet no jornal "Asr-e Azadegan" (algo como "Tempo dos Livres"), quando, em 2000, o aiatolá Khamenei mandou fechar essa e outras 16 publicações, incluindo o "Jameah" ("Sociedade"), primeiro jornal reformista iraniano.
Pego de surpresa, como centenas de colegas jornalistas que ficaram desempregados da noite para o dia, mudou-se para Toronto, no Canadá.

O gosto por roupas modernas e cultura pop já seria suficiente para arranjar confusão em seu país de origem. Hoder aumentou os riscos recaindo no que os conservadores iranianos qualificam de "Insulto aos Profetas", criticando o líder fundamentalista.

"O presidente Mahmoud Ahmadinejad (eleito em 2005) é uma fraude e é uma marionete de Mesbah Yazdi, um clérigo radical que só ganhou poder após a morte de Khomeini. Se existe uma pessoa no Irã que o mundo devia temer é o aiatolá Mesbah Yazdi", Hossein escreve em seu blog, Editor: Myself (http://hoder.com/weblog), ponto de partida de nossa troca de mensagens.

Hoder fez mais que reclamar. A repressão retomada por Khamenei em 2000 fez com que o debate político migrasse para o espaço virtual.

Com um empurrão significativo do blogueiro: ele provocou um levante reformista na web, movimentado principalmente por jovens, que passaram a mostrar em diários na rede uma nova face do Irã, abertamente insatisfeita com o regime.

Para não perder o vínculo com os leitores que deixara para trás, Hoder incentivou-os a fazer blogs. Criou alterações no Blogger.com que viabilizaram a publicação de textos em persa e disponibilizou na web um tutorial ensinando o be-á-bá dos blogs farsi, permitindo que pudessem trocar informações sobre tudo o que jovens em qualquer parte do mundo costumam gostar -e a ditadura teocrática iraniana reprime.

O relativo anonimato que caracteriza a ferramenta Blogger, no entanto, ainda não é suficiente para proteger quem a utiliza no Irã. A conseqüência pode ser cadeia e tortura.
Seu blog está fora do ar há dias -coisa incomum. Mas não vou pensar no pior.

Hoder costuma viajar para falar de tecnologia e alternativas ao regime iraniano vigente, a convite de universidades e governantes. Briga também contra a demonização do Irã pelos Estados Unidos.

Quem acompanha o blog sabe: num dia ele pode teclar de Toronto, na manhã seguinte de Londres, Berlim, Tunísia e até Israel.

Está na hora de uma universidade brasileira chamá-lo para uma palestra também. Finalmente pagaria ao Hoder os chopes devidos pelas aulas sobre o Irã e lhe mostraria nossa guerra particular.

Folha de São Paulo

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