Mídia: o pluralismo em questão
O episódio da peça publicitária travestida de reportagem sobre o "Bolsa-Aluguel" acabou mostrando as consequências nefastas para a liberdade de imprensa do partidarismo do jornal O Estado de São Paulo: prepotência e censura.
Até hoje as cartas continuam censuradas e de forma arrogante o jornal se recusa a reconhecer o problema.
Mas a questão não se limita a esse exemplo de mau jornalismo, que solapa o pilar essencial da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão que é o pluralismo.
Observem os jornais de São Paulo e perceberão um tratamento diferente das questões políticas nacionais, das que concernem o âmbito estadual ou municipal.
Os temas nacionais são sempre, ou quase sempre, tratados respeitando o pluralismo político. Não tem tema, projeto ou denúncia que não comporte, quase que diariamente, as opiniões do governo ou de sua base e também da oposição.
Assim deve ser, inclusive equilibrando os espaços, independentemente da representatividade maior ou menor das forças políticas. Isto permite que o leitor possa se confrontar com diferentes pontos de vista sobre uma questão.
Pode-se dizer que as manchetes, a distribuição dos artigos e o conteúdo da maioria deles são negativos ao governo ou mais simpáticos à oposição. Mas o pluralismo e a democracia na mídia quase que exigem que as minorias tenham maior destaque até para compensar o poder maior do governo e sua máquina, independentemente do partido que governa.
Isto não justifica o verdadeiro preconceito destilado muitas vezes pelos jornais contra Lula e o PT, nem o viés oposicionista da maioria dos articulistas. Mas o pluralismo está presente, apesar de tudo, garantindo assim o confronto democrático e a diversidade da informação.
Já nas questões de política estadual ou do município de São Paulo o tratamento é radicalmente diferente. O pluralismo se limita às manifestações dos respectivos governos e aos questionamentos, denúncias ou críticas que eventualmente os jornais ou seus articulistas venham a expressar. Excepcionalmente um ou outro opositor aparece citado, mas a menção é rara.
Um exemplo: ontem reproduzi aqui no blog a informação dada pelo Estadão de privatização da CESP pelo governo Serra. Hoje a Folha de São Paulo confirma o teor da reportagem do Estadão (postarei o artigo da Folha depois). Pois bem, em nenhum dos artigos e sobre um tema mais que polêmico, a oposição consegue se manifestar. Ela simplesmente não aparece.
O mesmo pode-se dizer também, sobre a questão do leilão do Rodoanel e o pedágio, com as mudanças anunciadas hoje; nenhum representante da oposição é chamado a dar sua opinião.
Muito raramente, por não dizer quase nunca, os deputados estaduais ou os vereadores do PT são citados e suas posições reproduzidas. Por isso acabou acontecendo a manipulação aqui denunciada sobre o "Bolsa-Aluguel". A correspondente do Estadão "comprou" como verdadeira a informação inverídica do Secretário de Kassab e seu editor nada viu. Tivesse solicitado, conforme ao pluralismo e equilibro jornalístico, uma declaração de algum representante da oposição e a mistificação teria sido descoberta.
A ausência do "outro lado", que não pode ser exclusivamente o próprio jornal e que deveria quase sempre incluir o ponto de vista dos partidos de oposição, nem sempre foi assim. Durante o governo de Marta Suplicy, a oposição tinha espaço e destaque em todos os jornais. Suas manifestações, pronunciamentos, críticas etc. quase que sempre eram acolhidas de forma democrática e pluralista pela mídia impressa.
A mudança de atitude é flagrante. Isto contribui para o processo de enfraquecimento do papel da mídia impressa e a sensação de parcialidade que provoca sua leitura. Este afastamento dos leitores, reforçada pelo surgimento da mídia na internet e nos blogues, não deveria suscitar a alegria de ninguém. Trata-se de um empobrecimento da democracia e de um dos seus principais instrumentos: uma imprensa independente e pluralista ou seja, com credibilidade.
Luis Favre
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