quinta-feira, 22 de novembro de 2007

A mídia em questão

"Da discussão nasce a escuridão" - Carlos Brickmann, para o Observatório da Imprensa


Circo da Notícia - Coluna de 20 de novembro



Tudo começou com uma briga em que ninguém tem razão. Ao fazer uma capa para Veja sobre Ernesto “Che” Guevara, o repórter pediu uma entrevista a um jornalista americano que escreveu festejada biografia do guerrilheiro. Por algum motivo, a entrevista não se realizou. O americano não gostou da reportagem; e, em vez de enviar uma carta ao autor, ou à revista, ou a ambos, enviou-a também a uma lista de correspondência, que a divulgou pela Internet. Nela, insulta o repórter. Este reagiu protestando não contra as críticas ou os insultos, mas contra a divulgação da troca de mensagens entre ambos, que qualificou de anti-ética.

Até aí, normal: bate-bocas, com ou sem bons motivos, são frequentes na profissão – ainda mais quando envolvem, como no caso, diferentes visões da mesma personagem. O grave é uma frase do repórter brasileiro enviada ao americano: “Você pode ficar certo de que não aparecerá mais nas páginas desta revista”.

Trata-se de algo que sempre se comentou, de que muito se falou, mas que até agora não tinha confirmação formal (e, aliás, sempre foi oficialmente negada): a existência de uma “lista negra” em veículos de comunicação. Pior: quando se falava em “lista negra”, sempre se pensava no comando supremo do veículo, ou da empresa. Nunca se pensou que um repórter, por melhor que fosse, por mais alto que estivesse na hierarquia da reportagem, pudesse incluir nomes na lista negra.

Este é um tema que vale a pena discutir, aqui no Observatório da Imprensa e em todas as instâncias jornalísticas. Seria interessantíssimo conhecer a opinião de Luiz Weis, cuja coluna neste Observatório tem sido preciosa, pela escolha de temas e pela análise de cada um deles. E, naturalmente, de Alberto Dines, que há muitos anos pensa jornalismo e já comandou grandes veículos.

Lista negra é o oposto do jornalismo; é a negação da imprensa livre. A opinião é livre, mas levar ao leitor “all the news that’s fit to print” é a obrigação de cada jornalista.

As listas...

Listas negras do tipo “fulano não aparece neste jornal” talvez sejam raras; este colunista não teve a oportunidade de conhecê-las. Mas listas “light”, com restrições a personalidades ou grupos étnicos, sempre existiram.

Um grande jornal, por exemplo, até há alguns anos só publicava pretos na primeira página em dois casos: estadistas africanos e Pelé. Um dia, em 1967, Zé Keti ganhou o Carnaval do Rio com Máscara Negra, e rompeu-se a barreira da primeira página. Aliás, bem em tempo: não muito tempo depois, se fosse mantida a restrição, como colocar na primeira página os ministros Orlando Silva, Gilberto Gil e Joaquim Barbosa e os secretários Condoleeza Rice e Colin Powell?

...escondidas

Outro grande jornal publicava tudo, mas usando alguns códigos. Adhemar de Barros, político de grande prestígio em São Paulo, era A. de Barros. Um conceituado jornalista, A. P. Quartim de Moraes, quando sofreu restrições passou a ser chamado por “Parahyba de Moraes”. Fernando Costa, que foi interventor no jornal na época da ditadura, nunca chegou a gerar notícias. Mas o Parque Fernando Costa, na Capital paulista, era sempre chamado de “Parque da Água Branca”. E uma deputada, embora tivesse as atividades noticiadas, não tinha nome: era “uma deputada do PSD”.

Resultado: num determinado dia, a deputada trocou tapas com um deputado, cujo nome também não era citado. Os dois eram do mesmo partido. O título acabou sendo algo do tipo: “Parlamentar bate em outro”.

Os ódios à tona

Há um debate muito interessante na lista de discussões da Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a respeito de blogs. Foi iniciada por um jornalista que não aguenta mais a radicalização e os ódios que vê nos blogs, e decidiu que, já que não dão notícias, não mais vai lê-los. É, óbvio, uma posição generalizante: há bons blogs,e há blogs em que, se o político favorito matar o pai e a mãe, vão dizer que o coitado não deve sofrer críticas porque se trata de um órfão.

O fato é que, se o blog perde leitores com uma posição ultra-radical (para que irá alguém lê-lo, se já sabe de antemão o que vai encontrar?), acaba contribuindo para uma indesejada baixa de nível. Deixa-se de discutir o que está escrito para tentar desqualificar quem o escreveu. E o debate, que poderia trazer um pouco de luz, acaba se empobrecendo e perdendo a utilidade.

Olha o racismo!

Law Kim Chong, que cumpria pena de prisão em regime aberto, acusado de tentativa de suborno do então deputado federal Medeiros, foi preso de novo, agora por suspeita de contrabando. Law é apontado, com fartos indícios, como grande contrabandista. Está, ou esteve, ligado a personagens de conduta dúbia. Agora, há a grande chance de investigá-lo, provar sua relação com o contrabando, julgá-lo e condená-lo; e, melhor ainda, verificar quem é que o protege, quem é que permitiu que por tantos anos atuasse sem problemas – e a que custo.

Mas essa é a questão policial. A questão de imprensa (e não é a primeira vez, longe disso, que é tratada nesta coluna) é que insistem em chamá-lo de “chinês”, em vez de Law, de Chong, do que quer que seja. Cheira a racismo: ninguém deve ser chamado por sua nacionalidade, sua cor, sua religião. As pessoas têm nome – que, aliás, serve exatamente para chamá-las. E o fato de ser chinês, japonês, congolês ou paquistanês não tem nada a ver com as atividades ilegais a que porventura o cavalheiro se dedique.

E, ainda por cima, Law Kim Chong não é chinês. Nasceu em Hong Kong, à época possessão inglesa. É, portanto, britânico de nascimento. Por escolha, é brasileiro, pois se naturalizou. Chamá-lo de chinês porque tem os olhos puxados também cheira a racismo. Mas bem que valeria a pena entrevistá-lo e perguntar por que, num mundo tão grande, foi escolher para si a nacionalidade brasileira.

Ação, reportagem!

Quando foi preso, Law Kim Chong estava concluindo um shopping center para dois mil camelôs, com estacionamento para 400 ônibus, na Capital paulista. Não seria possível tocar em segredo uma obra como essa. Segundo a Polícia, o contrabando que estava escondido dentro da obra encheria uns cem caminhões. Não seria possível, sigilosamente, enfiar tanto contrabando numa obra inacabada. Uma boa reportagem pode pegar não apenas quem faz o contrabando, mas também os que viabilizam a distribuição da mercadoria e garantem a impunidade de todos os envolvidos.


carlos@brickmann.com.br

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