A meia verdade de Carlos Alberto Sardenberg
No jornal O Globo hoje (ver mais embaixo), Carlos Alberto Sardenberg disse que de todas as interpretações possíveis sobre a política econômica do governo Lula, a mais errada é a que pretende que ela não é uma continuidade da política implementada por FHC e o PSDB.
Para sustentar esta interpretação, o economista Sardenberg disse:
"Não pode haver dúvida quanto à manutenção do modelo FHC. Como então, a política econômica de hoje está fixada num tripé que se poderia chamar ortodoxo moderno: metas de inflação com banco central independente; geração de superávits primários nas contas públicas para pagar juros e reduzir endividamento; e câmbio flutuante. Tudo isso foi introduzido por FHC. É, de resto, o que se faz em grande número de países, um modelo considerado bom e eficiente nos meios econômicos internacionais."
Como sabemos pelas pesquisas de opinião, esta não é a percepção que a maioria da população tem sobre quem é o pai da política econômica: para eles é Lula e ponto final.
O seja, onde Carlos Alberto Sardenberg disse que não pode haver dúvida, a maioria da população aparentemente pensa diferente. A dúvida portanto existe.
Quem está com a razão? Talvez, e até certo ponto, ambos.
Concordando com Sardenberg que o "modelo" é considerado bom e eficiente, vale a pena lembrar que ele foi rejeitado pelo governo de FHC que preferiu alavancar o Plano Real em um tripé completamente diferente: no lugar de câmbio flutuante, superávits primários para reduzir endividamento e metas de inflação de um Banco Central independente, o governo tucano criou uma relação super-valorizada do Real - Dólar, juros elevados para financiar o câmbio e endividamento crescente. O BC era um simples executor deste receituário ortodoxo que tinha como resultante endividamento crescente, estagnação econômica e déficit comercial. Sobre isto os tucanos e Sardenberg não dizem uma palavra.
Esta política foi duramente combatida na época pelo PT que a definiu como "populismo cambial", alertando que levaria o Estado brasileiro à falência, impossibilitado de honrar seus compromissos internacionais e garantir a estabilidade da sua moeda. Também à época, as críticas do PT foram ignoradas e seus militantes rotulados de "fracasso-maníacos" e "neobobos".
O estouro, pouco depois das eleições de 1998, veio confirmar que era necessário mudar o rumo. Mas é bom insistir, a política econômica tucana que levou o país à beira da recessão, que financiou a farra com juros elevados e aumento da carga tributária, teve um custo terrível para o país. Déficits comerciais, desindustrialização crescente, endividamento gigantesco (e planos e dinheiro do FMI para evitar o colapso), duplicação da carga tributária, ausência de investimento, abandono da infra-estrutura e no final retomada da inflação.
Ao mesmo tempo é necessário assumir, sem complexos, que a visão prevalecente no PT considerava inevitável, perante o grau de endividamento atingido e da impossibilidade de continuar remunerando o capital externo nos patamares exigidos pelo mercado, introduzir uma forma de controle da movimentação do capital externo e uma ruptura do engajamento com o FMI. Alguns até flertavam ainda com a idéia de que uma "certa dose de inflação" era bem-vinda.
O presidente Lula, junto com Palocci, souberam agir em outra direção resistindo às pressões "ideológicas", assegurando a continuidade do processo de ajuste fiscal iniciado por Pedro Malan para preservar o país da bancarrota. Esta é a parte que Sardenberg reivindica em favor dos tucanos. Ao mesmo tempo esta política devia, de maneira responsável, permitir gradativamente uma retomada das exportações, uma redução da taxa Selic, uma redução do endividamento, uma contenção do aumento da carga tributária e fundamentalmente, um redirecionamento do gasto público para a recuperação do mercado interno deprimido.
O conjunto desta política econômica estava ancorado na determinação política de favorecer um processo de distribuição de renda, via salário e projetos sociais e do papel do Estado como indutor deste processo e da própria atividade econômica. Isto só pode começar a ser implementado depois do ano ruim de 2003 (ano necessário a arrumar a casa completamente desarrumada após 8 anos de governo tucano) e mesmo assim de maneira muito lenta.
E não venham com essa de que o PSDB "sofreu"com várias crises internacionais, pois elas só atingiam com tanta força o Brasil, porque Brasil era o "elo fraco", um dos doentes semi-falidos do processo de esgotamento do modelo ortodoxo neo-liberal proveniente do "Consenso de Washington" ao qual os tucanos se acomodaram sem piar.
É o conjunto desta percepção que explica os resultados das pesquisas de opinião e por isto resultam irrisórias as tentativas de retirar do Lula, para oferecer a FHC, os méritos de ter corrigido a tempo (a começar pela "Carta ao povo brasileiro") as insuficiências do programa econômico petista, após ter sido o PT um dos precursores de uma crítica radical do modelo de "populismo cambial" da "economia tucana".
Luis Favre
O Globo
FHC e a versão Lula
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Há três interpretações básicas para a política econômica do governo Lula. A primeira sustenta que se trata de uma clara continuidade do modelo construído por FHC — e que isso é bom.
A segunda interpretação concorda que se trata de uma continuidade, mas considera isso muito ruim. Estão aí os economistas do PT (e da esquerda em geral) que não mudaram de opinião.
A terceira tese diz que se trata de uma política econômica inteiramente nova. É o que afirmam em público o presidente Lula e muitos de seus auxiliares.
É o que o ministro Guido Mantega pretendeu teorizar, ao batizar seu modelo de “social-desenvolvimentismo” — seria uma linha voltada para a distribuição de renda e o crescimento econômico com investimentos públicos.
Esta última é a visão mais equivocada.
Não pode haver dúvida quanto à manutenção do modelo FHC. Como então, a política econômica de hoje está fixada num tripé que se poderia chamar ortodoxo moderno: metas de inflação com banco central independente; geração de superávits primários nas contas públicas para pagar juros e reduzir endividamento; e câmbio flutuante.
Tudo isso foi introduzido por FHC. É, de resto, o que se faz em grande número de países, um modelo considerado bom e eficiente nos meios econômicos internacionais.
As primeiras interpretações diferem no julgamento de valor — se a política é boa ou ruim — e na avaliação de sua eficácia. Há, de fato, bons resultados.
Mais que isso, dois enormes êxitos: a liquidação da inflação (discutese se os preços vão subir 3,9% ou 4,1% no ano); e a eliminação da vulnerabilidade externa (o governo e o país se tornaram superavitários em dólar, não dependem mais de financiamento internacional para fechar as contas, as reservas do BC são quase do tamanho da dívida externa total, isto é, há caixa para pagar toda a dívida). Além disso, a dívida líquida do setor público vem caindo como proporção do Produto Interno Bruto.
Para a esquerda petista fiel, isso ocorreu basicamente por causa do excelente cenário internacional, que permitiu a explosão das exportações brasileiras, trouxe investimentos externos de variados tipos e, de quebra, pelo dólar barato, ajudou a derrubar a inflação.
Os defeitos do modelo, para essa esquerda, continuam os mesmos da era FHC: juros elevados, distribuição de renda ruim, benefícios maiores aos mais ricos e ao capital, como dos bancos.
Só haveria crescimento hoje por causa da bonança internacional.
Já o pessoal que considera o modelo bom, da primeira interpretação, entende que o país recebe hoje os benefícios da continuidade de uma política construída desde o lançamento do real, seguindo com Lei de Responsabilidade Fiscal (e o superávit primário), renegociação e controle das dívidas dos estados e municípios, privatizações, reformas constitucionais e legislação na direção da economia de mercado, culminando com as metas de inflação e o câmbio flutuante. São quase 14 anos numa mesma direção. Está tudo aí e, só por isso, o país pode aproveitar tão bem o cenário externo favorável.
Faz sentido. Está claro que o governo Lula não introduziu qualquer mudança importante. Resumindo, é a mesma base com o forte aumento dos gastos públicos em todos os itens — pessoal, previdência, custeio, um pouco de investimento. Mesmo o Bolsa Família é a reunião, com nome novo, dos programas sociais inaugurados por FHC. E todo esse aumento de gasto se sustenta no crescimento da arrecadação de impostos — aliás, os mesmíssimos impostos da era FHC, como a CPMF.
Mas, isso, a rigor, não caberia no modelo original. O então ministro Antonio Palocci, fiador original do modelo, tentou conter o gasto público e utilizar os ganhos de arrecadação para reduzir rapidamente o endividamento interno (mais ou menos como o BC de Henrique Meirelles abateu a dívida externa).
Também pretendia fazer privatizações.
Foi tudo cancelado quando Palocci caiu em desgraça e brilhou a estrela de Dilma Roussef. Manteve-se o tripé, com seus acessórios, mas, com aumento dos gastos e tentativas de estender a intervenção e o controle do estado sobre a economia. Tudo isso com um governo aparelhado e, em conseqüência, com enorme ineficiência.
Defeitos não aparecem por causa da bonança internacional e da boa onda, ainda rolando, que vem da estabilidade monetária.
Gastando por conta.
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