segunda-feira, 12 de novembro de 2007

O grande cronista da vida americana




Para colegas e especialistas, vasta obra do escitor Norman Mailer, morto no sábado aos 84 anos, merece resgate e releitura

João Luiz Sampaio - O Estado de São Paulo

'Ele está sempre nos rondando, deixando claro que está prestes a dizer algo que precisamos saber ou então nos lembrando que acabou de dizer algo revelador, a que não prestamos a devida atenção.' O depoimento de Gore Vidal serve como bom ponto de partida para compreender a importância do escritor norte-americano Norman Mailer, morto no sábado, aos 84 anos, vítima de falência renal. Um dos principais representantes do jornalismo literário, que empresta à escrita jornalística alguns elementos da não-ficção, autor de mais 40 livros, vencedor de dois prêmios Pulitzer, co-fundador do Village Voice, ele deixou também sua marca na cultura norte-americana como personalidade controversa, um polemista pertencente a uma velha escola, como escreveu Charles McGrath no New York Times, 'que via a arte da escrita como uma empreitada heróica, levada a cabo por personalidades heróicas - com egos à altura, claro'. E, entre vida e obra, Mailer já começa a ser lembrado nos depoimentos de colegas e especialistas como o cronista da vida americana no século 20, no que teve de mais e menos interessante.

Nascido em Nova Jersey, filho de um imigrante sul-africano e da filha de um rabino local, Mailer mudou-se ainda na adolescência para o Brooklyn, em Nova York. Foi na Universidade Harvard que desenvolveu o interesse pela literatura e começou a arriscar suas primeiras linhas, um livro, jamais publicado, ambientado em um hospício. Em 1944, no entanto, ele seria convocado pelo Exército, partindo para as Filipinas e, mais tarde, para o Japão, onde trabalhou como cozinheiro do batalhão. Apesar da pouca experiência em combate, foi da convivência com as tropas no final da Segunda Guerra que Mailer tirou os elementos de seu primeiro livro, Os Nus e os Mortos, ficção sobre soldados norte-americanos às voltas com a luta contra os japoneses no Pacífico.

O livro vendeu 200 mil exemplares em apenas três meses - números impressionantes para a época - e foi sucesso de crítica. Seus dois livros seguintes, no entanto, escritos nos anos 50, Barbary Shore, uma novela sobre a luta entre capitalismo e socialismo, e O Parque dos Cervos, ficção a partir dos problemas enfrentados por Elia Kazan no Comitê de Atividades Não-Americanas do Congresso, receberam, em suas próprias palavras, 'algumas das piores resenhas das últimas décadas'. Nos anos 50 e 60, ele retomaria o sucesso com livros que mostravam uma guinada em direção ao jornalismo literário - caso de Advertisements for Myself, coletânea de reportagens e ensaios, e Os Exércitos da Noite, em que parte de uma experiência pessoal, sua prisão num dos protestos em Washington contra a Guerra do Vietnã.

Para além de avaliações individuas, o certo é que, nas décadas seguintes, Mailer explorou uma enorme variedade de temas. Virou biógrafo, falou da chegada do homem à Lua, iniciou uma trilogia - logo abandonada - sobre a história do Egito, escreveu um notável livro sobre um assassino confesso, Gary Gilmore (A Canção do Carrasco), investigou as atividades da CIA (O Fantasma da Prostituta) e o processo eleitoral americano (O Super-Homem Vai ao Supermercado). Em A Luta, tratou do último embate entre Cassius Clay e George Foreman. Radicalizando arte e vida, envolveu-se em polêmicas das mais variadas: ao mesmo tempo em que reafirmava sua posição de homem público, falando abertamente de temas políticos da América, com quem dizia ter uma relação de amor e ódio - 'como um casamento' -, também sua vida pessoal o levava aos jornais: os seis casamentos, problemas com o álcool , a tentativa de concorrer à prefeitura de Nova York, a prisão após esfaquear a segunda mulher. E, claro, a 'atitude' de quem se julgava o mais importante autor de sua geração, comparando abertamente sua obra não apenas à de autores americanos como também de clássicos como Tolstói ou Dostoiévsky.

'Ele jamais aceitou limites. Ele iria a qualquer lugar, tentar qualquer coisa', disse ontem o jornalista e escritor Gay Talese. 'Era um homem muito interessante, em especial porque se interessava', completou Gore Vidal. 'Ele tinha uma visão muito específica do que significava estar vivo', afirmou o escritor William Kennedy. 'Ele foi o grande cronista de seu tempo, o grande autor de reportagens. Seu interesse era amplo, variado, ia de Marylin Monroe a Picasso, do grafite às mais cruéis formas de crime. Mas a vida pública que levou talvez tenha impedido uma atenção crítica mais cuidadosa e justa. Talvez agora...'
COM AP, EFE, REUTERS

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