sexta-feira, 16 de novembro de 2007

A construção de uma candidatura


Valor

O senhor é um bandido, senhor Law. Saia de São Paulo. Se não sair por bem, vai sair no camburão. Nesta cidade queremos pessoas do bem, que paguem impostos, que trabalhem com seriedade e que respeitem aqueles que estão criando seus filhos aqui. Enquanto for prefeito, este shopping aqui não abre".


O prefeito Gilberto Kassab liderava uma comitiva de policiais, promotores e secretários ao entrar no shopping na região da 25 de Março, principal zona de comércio popular da cidade, para expulsar Law Kin Chong, dono do empreendimento. Naquele momento, o comerciante chinês, um dos maiores contrabandistas do país, cumpria prisão domiciliar no Morumbi, de onde, horas depois, foi levado pela Polícia Federal.


Em outro episódio fartamente documentado, o prefeito enfrentou o empresário Oscar Maroni Filho depois do acidente do avião da TAM, em Congonhas. Lacrou o hotel do empresário que, além de ser alvo da reclamação de pilotos que pousavam no aeroporto, liga-se por uma passarela a outra de suas propriedades, a maior casa de prostituição de luxo da cidade.


Kassab foi a primeira autoridade a chegar no buraco do metrô, depois do acidente do início deste ano; sobe em escadas para retirar faixas que desobedecem à Cidade Limpa, projeto anti-poluição visual de sua administração; e acompanha subprefeitos em operações de retirada de ambulantes das ruas.


A última escorregadela pública aconteceu há nove meses, quando expulsou de um posto de saúde, aos gritos de vagabundo e empurrões, um pequeno empresário que, acompanhado de um filho de 7 anos, fazia um protesto público contra o Cidade Limpa.


Desde então tem cumprido com esmero o roteiro para cativar o eleitor que identifica na falta de autoridade a principal carência da cidade. O estilo lhe rende comparações óbvias com a passagem de Jânio Quadros pelo cargo 20 anos atrás. Mas além da estampa de bom moço que não bebe, não fuma e é obcecado por trabalho, o que mais radicalmente separa as duas gestões são as urnas.


O fim da gestão Jânio deu início a um período em que três partidos passaram a se revezar no comando da prefeitura: PT, PP e PSDB. Ao ocaso do deputado federal Paulo Maluf correspondeu a ascensão dos tucanos na cidade e à bipolarização da política paulistana. Na última eleição, 75% dos votos malufistas caíram no colo de Serra. Uma disputa tripartite trará uma evidente disputa entre Kassab e Alckmin pelo mesmo eleitorado.


A maior preocupação do DEM, desde que o partido tomou a decisão de fazê-lo candidato à reeleição, é transformar uma curva crescente de avaliação positiva em voto. No partido, Kassab é comparado a um time que, apesar da boa campanha no campeonato, ainda não tem torcida. "Como o Kassab não foi eleito, não há o compromisso político do voto, que gera parceria no sucesso e cumplicidade no insucesso", diz uma análise interna do partido sobre o potencial de sua candidatura.



Desafio é transformar avaliação em voto


Nos últimos cinco meses, o partido tem recebido números semanais do Ipsos colhidos em pesquisas domiciliares, indicando que a avaliação positiva do prefeito passou de 39% para 55%. A aprovação evolui à medida em que cresce também a renda. No eleitorado que ganha mais de 10 salários mínimos, a satisfação com a gestão Kassab é duas vezes maior do que a dos eleitores com renda inferior a esse patamar.


Na metade superior, estão os eleitores em busca de um gerente para uma cidade caótica. Na metade de baixo, estão aqueles que usam os serviços de transporte e saúde públicos, e neles identificam os principais problemas da cidade. Para conquistá-los, Kassab depende da melhoria na qualidade dos seus ambulatórios locais e dos investimentos prometidos pelo governador José Serra em transportes metropolitanos.


Na avaliação dos estrategistas do DEM, o prefeito engatará a reeleição se fizer coincidir sua intenção de voto com o patamar de 'ótimo e bom'. Neste, o prefeito estaria hoje colhendo 37%.


A candidatura do ex-governador Geraldo Alckmin não explica sozinha a dificuldade de Kassab converter sua aprovação em voto. Nas simulações com Alckmin, o prefeito alcança 18% das intenções de voto - e o tucano , 33%. No cenário sem o ex-governador em que o principal adversário é a ministra do Turismo, Marta Suplicy, o prefeito empata com a petista em 22%.


O DEM dedica-se a tirar Alckmin da parada com uma costura política embainhada em 2010. A estratégia parte do pressuposto de que Serra estaria disposto a jogar todas as suas fichas na eleição de Kassab porque o prefeito se tornaria assim a principal liderança no DEM e afastaria de uma vez por todas, quaisquer chances de a legenda embarcar em algum outro projeto presidencial senão o do próprio Serra.


Os estrategistas do prefeito não levam a sério qualquer ameaça de Aécio Neves engrossar o caldo de Alckmin. Avaliam que a fidelidade partidária inviabilizou as chances de o governador mineiro trocar de partido e acomodou suas perspectivas de aceitar a vice, numa chapa encabeçada pelo governador paulista, em troca de uma candidatura em 2014.


É um jogo mais meticuloso do que aquele exposto pelas brigas internas do PSDB. Em alguns segmentos do partido, nem tão internas assim. Há duas semanas, num evento público, o secretário de subprefeituras, Andrea Matarazzo, repetiu, para deixar claro que não se tratava de ato falho, que esperava ver o prefeito concluir sua gestão daqui a cinco anos.


Esta semana, os dirigentes da juventude do PSDB trocaram notas de repúdio pela imprensa por conta da divisão entre a candidatura tucana e a reeleição do prefeito.


Das intempéries tucanas que estão no caminho de Kassab, porém, nenhuma é tão difícil de ser contornada quanto a desconfiança mútua entre Alckmin e Serra no compromisso de que a retirada de cena do primeiro em 2008 resultaria no apoio incondicional do governador a seu nome para sucedê-lo no Palácio dos Bandeirantes em 2010.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

mcristina.fernandes@valor.com.br

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