domingo, 4 de novembro de 2007

A TV pública será controlada pela sociedade

Entrevista - Tereza Cruvinel

Segundo a presidenta da TV pública, não haverá “vassalagem” ao governo


Denise Rothenburg e Luiz Carlos Azedo
Da equipe do Correio Braziliense

A jornalista Tereza Cruvinel vai enfrentar este mês a dura batalha no Congresso Nacional para ajudar o governo a convencer os parlamentares a aprovar a medida provisória que criou a TV Brasil, a primeira rede pública brasileira, que ela vai presidir. Tereza afirma que a TV Brasil não será estatal, mas chega para ocupar um espaço entre as emissoras privadas e as estatais. Nesta entrevista ao Correio, ela explica como estão os primeiros passos e o que vem pela frente, especialmente no jornalismo, um aspecto que tem feito a oposição torcer o nariz para a tv Brasil: “Será jornalismo sem adjetivos, fiel aos fatos, não confundindo o fato de a TV ser pública com qualquer vassalagem ao governo, nem confundindo a independência com obrigação de fazer oposição ao governo”, diz Tereza. A seguir, os principais trechos da entrevista.


“Jornalismo sem adjetivos”
Kleber Lima/CB
“A gente tem uma TV muito Rio, muito São Paulo. A TV comercial não faz o debate de certas questões, pois a natureza dela não permite isso”

Há muita polêmica sobre os conceitos de TV pública e estatal. Existe diferença?
Existe. O artigo 223 da Constituição diz que o sistema de radiodifusão deve buscar complementaridade entre sistema privado, público e governamental. Privado nós sabemos o que é e temos televisões governamentais tanto federais quanto estaduais. O que não temos é uma TV publica. Eu abriria uma exceção para a TV Cultura, que é a que mais se aproxima. A TV pública é aquela não explorada por um grupo privado, sob a influência da publicidade comercial, e também não controlada pelo poder político governamental. A TV pública, embora seja uma concessão federal, mesmo gerida por uma empresa estatal e com dinheiro orçamentário como sua principal fonte de receita, subordina-se à sociedade através de algum mecanismo de controle que garanta o cumprimento de suas finalidades. Alguém pode perguntar se a TV comercial não é boa. É boa enquanto tal. Mas ela não cumpre certas finalidades.

Como assim?
Por exemplo, debater profundamente os problemas do país. O Congresso Nacional tem aprovado uma série de leis da maior importância que não são debatidas em profundidade, a não ser pelas TV legislativas, que são a cabo e têm um alcance muito restrito. A Lei dos Trangênicos, o Estatuto do Idoso são dois exemplos. A sociedade mal tomou conhecimento de que aquilo estava sendo debatido. A TV comercial não faz um debate profundo dessas questões porque a natureza dela não permite. Uma TV Pública fará isso, dedicará espaços para debater com mais tempo as questões nacionais, dará oportunidade clara para a produção local e dará expressão à diversidade cultural do país. A gente tem uma TV muito Rio e São Paulo.

Uma crítica no Congresso é pelo fato de a TV pública ter sido criada por medida provisória…
É verdade, essa é uma das principais queixas que ouvi até agora. Um projeto de lei seria a forma mais adequada de criar a TV pública, se estivéssemos construindo uma TV pública como uma casa num terreno vazio. Acontece que não é assim. Existem duas TVs governamentais que hoje não são públicas, não têm o controle de algum órgão que expresse a sociedade. São a TV Nacional de Brasília, vinculada à Radiobrás, e a TV Educativa, que fica no Rio de Janeiro. Duas grandes estruturas que serão fundidas. Elas vão se fundir com a Radiobras para dar origem à TV Brasil juntamente com um canal novo em São Paulo que não está nem no ar ainda. Só o anúncio de que será criada uma nova TV pública já criou um ambiente de instabilidade, incerteza, insegurança entre os funcionários. São mais de mil em cada uma. Um prolongado processo de debate de um projeto de lei, que levaria mais de um ano no Congresso, comprometeria o funcionamento saudável dessas duas instituições. Hoje, elas estão no ar e têm suas programações, mas o ambiente é de instabilidade.

Já houve discussão com a equipe da TV?
Temos conversado. Há muitos interlocutores na diretoria e no sindicato, são dois sindicatos fortes. Temos explicado que não há plano de demissão. Mas, acontece um episódio novo, como, por exemplo, a visita da FGV, contratada para fazer um diagnóstico dessas duas instituições, vai lá fazer um levantamento e já corre a notícia de que há um plano de demissão. E isso gera novas incertezas entre os servidores. A Elisabeth Carmona fez um excelente trabalho na TVE e está preocupada. Expressou a preocupação de aproveitamento do pessoal. Uma preocupação justa, mas infundada porque não há esse plano de demitir.

Como será a grade de programação?
A partir de 2 de dezembro, o que pretendemos fazer é começar a fazer uma programação unificada, a partir da programação já existente. É como se estivéssemos pegando o que há de melhor na Radiobras, na TVE e nas TVs estaduais que vão se associar à rede. Há um estoque imenso de documentários ainda inéditos, há contribuições de TVs públicas de outros países. Faremos uma grade de transição até que comecemos a produzir a grade própria da futura TV Brasil. Essa grade deverá conter jornalismo, mas não como marca excepcional da TV. Jornalismo como a TV comercial também tem, dois, três jornais por dia. Mas um jornalismo com muita participação da rede.

Será jornalismo chapa branca?
Será jornalismo sem adjetivos, fiel aos fatos, não confundindo o fato de a TV ser pública com qualquer vassalagem ao governo nem confundindo a independência com obrigação de fazer oposição ao governo. Jornalismo dos fatos, com muita separação do que seja opinião. Pretendemos inclusive que não haja opinião no jornalismo, para que ele se proteja de qualquer confusão. Haverá jornalismo, muita expressão da programação regional, documentários e programas destinados ao fortalecimento da educação para a cidadania. Também programas infantis. Não haverá, ao contrário do que muita gente ainda pensa, divulgação de atos do governo. Isso vai para o canal NBr que é o canal do poder executivo federal.

Como será escolhido o conselho?
Serão indivíduos e não representantes de sindicatos, entidades ou corporações. Serão personalidades da sociedade, de elevada representatividade em seus campos de atuação, pessoas de formações diferentes, profissionais que representem as diversas regiões do país.

Quantos serão?
Serão 15 da sociedade, quatro do governo, um dos empregados, total 20 membros. O conselho curador da TV Brasil terá poderes efetivos para aprovar ou reprovar a linha editorial, pedir mudanças e inclusive para derrubar um membro da diretoria ou toda ela através do voto de desconfiança. Você perguntou antes como serão escolhidos. Serão nomeados pelo presidente da República. Eu estudei, estudamos, o grupo de trabalho estudou todas as experiências do mundo. A MP diz que esse primeiro conselho deverá buscar mecanismos para sua renovação através de consultas populares. Não tem uma fórmula, mas há essa abertura para se buscar.

Essas indicações são com mandato fixo, passariam pelo Senado?
Não está proposto na medida provisória, mas o Congresso é soberano e ouvi muita gente mencionar essa possibilidade. Se o Congresso fizer essa mudança, tem poderes para isso, estará feita. Os conselheiros terão quatro anos de mandato. Não poderá haver renovação. Nessa primeira fase, metade dos conselheiros terá dois anos, para garantir aquele rodízio para não haver coincidência, nem com o mandato presidencial e nem quebra da continuidade pela renovação total do conselho. Na próxima semana, o conselho deve ser apresentado. Como será o meu fiscal, estou tomando muito pouco contato com esse assunto de composição para evitar exatamente uma proximidade que não deve haver.

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