Serra e o nó da USP
Editorial do jornal Folha de São Paulo
Estudantes que ocupam a reitoria devem recuar; a Serra cabe explicar qual é afinal seu programa para universidades paulistas
A INTERVENÇÃO do secretário estadual da Justiça, Luiz Antonio Marrey, na negociação com os universitários que ocupam a reitoria da USP indica a disposição do governo José Serra, mesmo que tardia, para desfazer um impasse que ajudou a criar. Mas isso não é o bastante. Governador, reitoria e estudantes precisam dar mais alguns passos para solucionar a situação, que já passou do razoável.
Da reitora Suely Vilela não se pode esperar muito mais do que seu desempenho até aqui sugere -algo próximo da omissão. Recomenda-se parar de estipular prazos para a desocupação seguidamente ignorados. Dos estudantes seria auspicioso ver enfim um gesto político mais consistente. Por exemplo, o reconhecimento de quanto já obtiveram de atenção para sua extensa pauta de reivindicações, bem como de concessões do governo. Numa negociação, algo que já se provaram capazes de impor, é crucial saber ceder.Por outro lado, espera-se do governador uma atitude mais transparente. Serra falou, ontem, mas pouco acrescentou. Queixou-se de "exploração política", o que parece óbvio. Pronunciou-se, também, sobre a questão da autonomia universitária, estopim da revolta: "Não há nada, do ponto de vista de decretos, de leis etc. que fira, que seja contraditório com essa autonomia", disse o governador.
Não é tão simples assim. O decreto nº 51.636, de 9 de março, ainda reserva à Secretaria da Fazenda a atribuição de decidir sobre pedidos de transposição de quotas orçamentárias (artigo 10º, inciso I, alínea d) e, no artigo 15, estipula que as normas do diploma se aplicam, sim, às universidades. Para os manifestantes, tal determinação implica restrição à autonomia universitária consagrada na Constituição.Tanto o secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, quanto os reitores das três universidades estaduais já se pronunciaram a favor da interpretação de Serra. O que não se entende, então, é o motivo de não ter sido ainda alterado o texto. Foi o que fez o governo, sob pressão, com o artigo 42 do decreto nº 51.461, que transferia para José Aristodemo Pinotti, da recém-criada Secretaria de Ensino Superior, a presidência do conselho de reitores.
Se o recuo já ocorreu, falta reconhecê-lo. Como falta também, da parte de Serra, explicitar o que pretendia com a saraivada de decretos que afetam as universidades. Entre outros pontos, poderia esclarecer o que entende por ampliar as atividades de pesquisa, "principalmente as operacionais, objetivando os problemas da realidade nacional".
Muitos nas universidades públicas paulistas vêem aí menção cifrada a um programa de submissão das instituições a necessidades de empresas, do que discordam. É uma boa discussão, pois não raro a comunidade universitária emprega mais preconceitos que argumentos contra essa aproximação. Sem deixar claro se tem de fato um programa, e qual ele é, o governador só aumenta a confusão.
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