Profissão repórter
por Sergio Lirio para Carta Capital
Entrevista “Embaixador” do Brasil em Paris, Reali Jr. relembra a carreira e alerta para o descuido com a cobertura internacional
Durante 35 anos, Elpídio Reali Jr., ou simplesmente Reali Jr., foi mais do que um correspondente brasileiro em Paris. Por seu apartamento, misto de residência e escritório, passaram políticos, artistas e personalidades, alguns em breves visitas à cidade, outros exilados dos tempos infelizes da ditadura militar. Gente que se dizia de esquerda, gente que nunca escondeu ser de direita. Os almoços e jantares, regados a bom vinho, fizeram de Reali Jr. o embaixador “não oficial” do Brasil na França. Muitas das histórias desses tempos em Paris e da atuação aqui estão em Às Margens do Sena, um amplo depoimento ao jornalista Gianni Carta.
Durante 35 anos, Elpídio Reali Jr., ou simplesmente Reali Jr., foi mais do que um correspondente brasileiro em Paris. Por seu apartamento, misto de residência e escritório, passaram políticos, artistas e personalidades, alguns em breves visitas à cidade, outros exilados dos tempos infelizes da ditadura militar. Gente que se dizia de esquerda, gente que nunca escondeu ser de direita. Os almoços e jantares, regados a bom vinho, fizeram de Reali Jr. o embaixador “não oficial” do Brasil na França. Muitas das histórias desses tempos em Paris e da atuação aqui estão em Às Margens do Sena, um amplo depoimento ao jornalista Gianni Carta.
Repórter por opção, Reali Jr. fez quase de tudo no jornalismo. Cobriu futebol (era chamado de “Repórter Canarinho”, por causa dos cabelos loiros e encaracolados), acompanhou o golpe de 1964 ao lado do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros e noticiou a libertação do cônsul japonês Nobuo Okuchi, seqüestrado em 1970 por grupos de esquerda. Na Europa, entrevistou presidentes, artistas, intelectuais, e relatou as mudanças políticas e sociais no Velho Continente, sempre preocupado em relacionar os acontecimentos internacionais com a realidade brasileira. O depoimento de Reali Jr., transformado em livro, é editado em momento oportuno, em uma época na qual a mídia do País, de um modo geral, tem convicção pétrea de que repórteres e correspondentes no exterior são luxos dispensáveis – e não peças fundamentais para a sobrevivência da profissão e do negócio. Além de memorial, as reflexões do jornalista podem ser encaradas como um alerta.
CartaCapital: O senhor viveu o sonho de muitos que ingressam no jornalismo. Fez rádio, tevê e jornal. Cobriu esportes, política e foi correspondente internacional por mais de três décadas. O senhor já sentiu tédio na profissão?
Reali Jr.: Tédio, nunca. Mas já senti certas frustrações. Tem momentos em que você se acha capaz de fazer algumas coisas, mas não é o escolhido. Minha passagem pela profissão é exclusivamente de repórter, sem nenhuma pretensão de ter evoluído para a análise. A análise surge normalmente. A própria notícia é um instrumento, muitas vezes, para se fazer uma melhor análise, porque ela se basta, dependendo de como é apresentada. Tanto no jornalismo impresso quanto no rádio, faço basicamente um noticiário comentado. No noticiário, é sempre a informação que prevalece. Então, tédio nunca senti. Algumas vezes senti frustração por não estar onde achava que deveria estar.
CC: O senhor é um dos correspondentes mais longevos da imprensa brasileira. Como conseguiu atravessar gerações e superar as mudanças tecnológicas no jornalismo?
RJ: Tenho a impressão de que minha ida para o exterior abriu um espaço para o correspondente de origem brasileira. Muitas publicações tinham correspondentes, mas boa parte nascida na Europa. Por mais brilhantes que eles fossem, não tinham a vivência dos fatos e não tinham a necessidade de relacionar os acontecimentos que se desenvolviam no exterior com os do Brasil ou que iriam se desenvolver no Brasil. Veja o caso do acidente da Varig (em 1973, um Boeing 707 da Varig caiu nas imediações de Paris. No acidente morreram 123 passageiros). É exemplar. Na França, depois de uns dias, o acidente deixou de interessar aos jornalistas locais. Mas, para mim, a cobertura continuou. Havia personalidades no vôo, entre eles o então senador Filinto Müller, ex-chefe da polícia do governo Getulio Vargas. Também morreram o cantor Agostinho dos Santos, a socialite Regina Leclery e jornalistas como o Celso Leite Ribeiro, editor de política de O Estado de S. Paulo.
CC: A cobertura foi um divisor de águas não só na carreira do senhor como na percepção da imprensa brasileira sobre a necessidade de ter correspondentes no exterior, não?
RJ: Acho que sim. No livro, o José Carlos Pereira (hoje vice-presidente da Rádio Jovem Pan) considera ter sido a cobertura mais marcante da minha carreira. Minha obrigação era, ao contrário dos colegas franceses, continuar a cobertura. E foi importante até para desmontar versões como a divulgada pelo diário Clarín. O jornal argentino noticiou que um terrorista argentino havia embarcado no vôo e explodido o avião. O alvo seria o Filinto Müller, um dos pilares da repressão no Brasil durante o governo Vargas e, por extensão, na América do Sul. Os Diários Associados resolveram apostar na tese do Clarín, mas pude, nos boletins para a Rádio Jovem Pan, aproveitados pelo Estado, descartar a hipótese de atentado. Leia mais aqui
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