segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Hillary: 'Os EUA não querem ditar o que a América Latina vai fazer'

Eduardo Amaral de Oliveira*, especial para O Globo Online

Senadora Hillary Clinton, pré-candidata à Casa Branca - Reuters

BOSTON, EUA - Nos últimos 15 anos, ela esteve envolvida com os assuntos que afetam a vida de americanos e cidadãos do mundo inteiro. Agora, a senadora por Nova York Hillary Rodham Clinton caminha a passos largos para fazer História e se tornar a primeira mulher a liderar a nação mais poderosa do planeta, voltando à Casa Branca, desta vez como protagonista. E, caso chegue à Presidência, ela já elegeu um parceiro fundamental: a América Latina.

- Os EUA não querem ditar o que a América Latina vai fazer - afirmou.

Leia a história e a trajetória de Hillary

O pensamento político da pré-candidata democrata

Desde o começo da campanha para a Presidência dos EUA, Hillary foi sempre considerada a líder nas pesquisas de intenção de voto. Atualmente, ela tem uma confortável vantagem de 15 pontos percentuais sobre o concorrente Barack Obama, para receber a nomeação do Partido Democrata para as eleições gerais. Odiada pelas conservadores, idolatrada pelos liberais, muitos setores do país ainda questionam se ela não é muito polarizadora para liderar o país após duas administrações republicanas e após uma guerra que deixou feridas profundas no país. Aos 60 anos, completos há uma semana, Hillary afirma que ser mulher tem sido uma vantagem para ela, mas se diz candidata de todos.

A trajetória de Hillary em imagens

Em entrevista ao conselho editorial do jornal "Nashua Telegraph", cedida com exclusividade no Brasil ao GLOBO ONLINE, Hillary Clinton fala como planeja retirar as tropas americanas do Iraque, também explica a sua reforma dos planos de saúde, e chama de hipócritas aqueles que culpam os imigrantes por todos os problemas do país.

Entrevista com o maior rival, Barack Obama

Tom Tancredo, o inimigo número um dos imigrantes ilegais

Em recente visita para a América Latina, o presidente Bush reconheceu que não tem dado muita atenção para a região. Como será a sua relação com estes países, especialmente com governos considerados inimigos, como o da Venezuela?

Quando o meu marido foi presidente, organizamos o Seminário das Américas em 1994. Na época, apenas um país tinha um ditador. Hoje mais governos estão seguindo um sistema totalitário, como a Venezuela. Eu visitei a América Latina todos os anos no tempo em que estive na Casa Branca, fizemos contato com todas as primeiras-damas do Hemisfério para mostrar que os EUA não querem ditar o que os países latino-americanos vão fazer. Nós queremos ser parceiros. O que eu quero fazer é manter contato constante com os latinos, para ajudá-los a criar mais empregos. Porque muitos dos imigrantes que vêm para cá não querem abandonar as suas cidades, mas eles têm suas ambições e só querem sustentar as suas famílias. Temos que criar mais atividade econômica. Podemos realizar mais trocas diplomáticas e culturais, para que esses países sintam que os EUA não querem ditar o que eles devem fazer. Em relação a Chavéz, ele sobrevive dos petrodólares. A Venezuela é a terceira maior fonte de petróleo para os EUA. Portanto, nós pagamos o seu antiamericanismo. Para diminuir a sua influência, devemos mover o nosso país em direção a fontes alternativas de energia. Mas temos também que manter contato com o povo venezuelano, sem deixar que o seu pessimismo se espalhe para a sua gente. E há também muitos ótimos trabalhos na América Latina. O Brasil é um exemplo de pioneirismo, de país auto-suficiente que retira da cana-de-açúcar o seu etanol. Podemos aprender com isso. O Chile superou uma ditadura militar e tem hoje um bom padrão de vida. Então há várias coisas positivas sobre a América Latina, e temos que fazer mais para apoiá-los.

Senadora Hillary Clinton, pré-candidata à Casa Branca, em campanha em Massahcusetts - Reuters

A senhora apóia a proposta do governador Eliot Spitizer, de Nova York, de dar acesso às carteiras de motoristas aos imigrantes indocumentados?

É importante trazer os imigrantes fora das sombras da sociedade. Apóio uma reforma ampla das leis de imigração, incluindo mais punição a patrões que exploram seus empregados, mais segurança na fronteira, ajuda aos países do sul, e ainda um caminho para a legalização dos 12 milhões de indocumentados. Eu preferiria resolver este problema nacionalmente. Temos que pesquisar o passado de todos, deportar os que têm antecedentes criminais. E para aqueles que querem permanecer aqui, diríamos: "você tem que pagar impostos atrasados, aprender inglês, e depois entrar na fila". Odeio ver os estados tentando resolver um problema que o governo federal falhou em resolver. Entendo o que o governador Spitizer quer fazer, faz sentido tentar tirar as pessoas das sombras. Mas, sem um plano federal, os indocumentados vão se apresentar para receber a carteira, só que podem ser presos pela Imigração amanhã. Este problema não será resolvido estado por estado. Eu concordei com o presidente Bush, mas quando ele tentou resolver, não tinha mais credibilidade política para fazê-lo. E ainda há demagogia por parte dos partidos e da mídia em relação a este problema. Eles culpam os imigrantes por tudo. Eu não ouvi muitos protestos contra os imigrantes nos anos 90. Foram criados 22 milhões de novos empregos e ninguém falava dos imigrantes. Agora que a economia parada para muitos da classe média, muitos reclamam. E vários empregadores não querem reforma imigratória porque querem continuar explorando estas pessoas. Mas precisam de solução em nível nacional.

" Apóio uma reforma ampla das leis de imigração, incluindo mais punição a patrões que exploram seus empregados "

A senhora já disse que não pode prometer que vai retirar todas as tropas do Iraque no seu primeiro mandato. Mas disse que 60 dias após tomar posse, mostraria um plano de retirada. Quantos soldados a senhora acredita que os EUA vão precisar manter no Iraque?

Não acredito que vamos precisar manter muitas tropas. Eu fui a primeira a pressionar o Pentágono para saber quais planos ele tem. Mas não sabemos o que vamos herdar. Temos consciência de que o presidente Bush vai nos deixar uma situação complicada, que não vai ser limitada ao Iraque. A administração atual não é conhecida por planejar bem. Reconhecemos que vamos ter uma embaixada, e, talvez, se os iraquianos estiverem comprometidos em serem treinados, vamos manter uma operação limitada contra o terrorismo.

E a respeito das condições de combate em que se encontram as tropas no Iraque hoje, a senhora acredita que o presidente Bush vai começar a retirá-las de lá antes do fim do mandato dele?

Eu espero que sim. Porque os especialistas da área já falaram que não há solução militar no Iraque. Nós não estamos falando apenas de como sair de lá, mas sim sobre controlar uma situação que tem imenso poder de se espalhar por todo o Oriente Médio e que tem até dado mais poder ao Irã. Isto certamente vai demandar bastante trabalho do próximo presidente.

O que a senhora pensa da recente resolução sobre o massacre cometido pela Turquia contra os armênios na Primeira Guerra Mundial, classificado pelo Congresso dos EUA como genocídio, e como isto pode afetar a cooperação entre EUA e Turquia?

" Temos consciência de que o presidente Bush vai nos deixar uma situação complicada, que não vai ser limitada ao Iraque "

Tenho que confessar que estive preocupada com a reação dos turcos. Uma declaração dos EUA reconhecendo que foi genocídio é necessária por ser um fato histórico. O problema é que muitos ainda hoje pensam que esta é uma ferida na sociedade turca que estava começando a cicatrizar. Por outro lado o governo do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan tem ajudado muito as nossas tropas. Devemos ter sensibilidade em reconhecer o que o povo armênio passou, mas ao mesmo tempo temos que manter relações com um governo que sempre foi a favor das causas Ocidentais.

O que a senhora pretende fazer pelos veteranos de guerra que retornam dos combates e não encontram nenhum apoio do governo?

Este é um daqueles problemas escondidos. Se você pesquisar sobre quem é mendigo nos EUA, uma margem desproporcional deles é composta de veteranos, que sofrem de desordem pós-traumática, ou de abuso de substâncias químicas. Primeiro, temos que reconhecer é necessário atacar este problema nacionalmente. Manterei o compromisso de dar recursos aos V.As. (assistência aos veteranos). Podemos criar soluções criativas para garantir que os veteranos não esperem meses para receber serviços. Temos que saber diferenciar também que as necessidades dos ex-combatentes da II Guerra Mundial não são as mesmas dos jovens retornando do Iraque e do Afeganistão. Por exemplo, os ex-combatentes do Vietnã não sentem que voltaram para casa. Sentem-se psicologicamente ligados ao combate. Outro dia visitei um jovem soldado no Hospital Walter Reed que perdeu seu braço direito. Ele me disse: "Eles estão cuidando bem de mim aqui. O trabalho protético está funcionando. Mas aonde tenho que ir para pegar o meu cérebro de volta?" E acrescentou: "Toda manhã a minha esposa tem que escrever uma lista de coisas que tenho que fazer. Eu fui treinado em West Point, nunca precisei deste tipo de atenção. Como é que vou continuar sobrevivendo se nem sei o que estou fazendo?" Eu fui a primeira a introduzir uma lei que lida com este problema. Um outro ponto: nos anos 90 a administração Clinton investiu em arquivos eletrônicos para as fichas dos veteranos, e o serviço melhorou bastante. Mas a administração Bush não quis mais investir no programa.

Senadora Hillary Clinton, pré-candidata à Casa Branca, em debate com Barack Obama - Reuters

Lembro do presidente Clinton segurando um cartão e dizendo "este é o caminho para um novo plano de saúde". Por que um plano universal não é parte do debate político neste país?

Ainda há neste país muita suspeita sobre implantar um sistema de saúde com pagamento único, como o Medicare. O que eu propus foi o plano de escolha, porque os americanos querem escolher a sua própria cobertura. Então, se você gosta do que você tem, você o mantém, sem ter que responder nenhuma pergunta. Mas se você é um dos 46 milhões de pessoas sem planos de saúde, ou um dos muitos milhões que têm seguro mas não têm cobertura, vamos lhe dar um plano congressional, com o plano público como parte disso. Se você acredita que a sua melhor opção é ter um plano que não seja organizado por uma empresa privada, aqui está a solução. Vamos, então, dizer às companhias que estão no mercado: "você vai ter que mudar o jeito de fazer negócio e vai ter que cobrir todo mundo, independentemente da condição de saúde e vai ter que competir por qualidade e custo, em paralelo ao plano público. Os americanos querem ter escolha. E é importante que saibam que todos - governo e empresas privadas - vão compartilhar custos e responsabilidades, o que nos dará mais chances de atingir o objetivo, que é qualidade de saúde para todo mundo.

O que senhora tem a dizer sobre a polarização que se formou em torno do seu nome, e sobre as pessoas que dizem que Hillary Clinton não é capaz de vencer?

" Estas eleições têm um poder tão grande de fazer História que ser mulher até me ajuda "

Claro que eu já ouvi esta perguntar antes. Mas houve um artigo recente que fala sobre o apoio que já ganhei em New Hampshire. Os americanos são justos. E vi que o apoio à minha campanha tem aumentado, as pessoas que disseram que nunca votariam em mim estão mudando de opinião. Venci com 55% dos votos para o senado em Nova York, trabalhei duro, e depois me reelegi com 67% dos votos. O que explica isso é que eu passei de personagem a uma pessoa comum. Trabalhei com muitos republicanos, que ficaram surpresos que é possível trabalhar comigo. Cheguei ao Senado com a missão de trabalhar muito, até me juntando aos republicanos. Descobri que as pessoas estão dispostas a ouvir e a saber quais são seus objetivos. Os últimos 5 anos têm me dado muita experiência. E quem quer que seja o nomeado pelo Partido Democrata enfrentará a "máquina republicana". Ela tem me atacado nos últimos 15 anos, e estou aqui. Além disso, americanos estão cansados desta estratégia.

E sobre o chamado "fator M" (ser mulher em meio a tantos homens postulantes), como a senhora lida com isso? A senhora acha que pode atrapalhar na corrida à Casa Branca?

Estas eleições têm um poder tão grande de fazer História que ser mulher até me ajuda. Em Manchester (no estado de New Hampshire) apertei a mão de uma senhora que me disse: "eu tenho 95 anos. Nasci quando a mulher não podia votar, e vou viver o suficiente para ver uma mulher na Casa Branca". Isso tem acontecido comigo em todo lugar. Muitos pais trazem as filhas aos meus comícios para dizer a elas: "Viu, nesta vida você pode ser o que desejar". Mas eu não estou concorrendo por que sou mulher, mas sim porque penso ser a candidata mais qualificada.

Mas essas são mulheres. E a respeito dos homens? A senhora acha que eles vão votar em Hillary?

Bem, vai sempre existir aquele grupo de pessoas que nunca vai votar em democratas, progressistas, ou em mim. Se não fosse porque sou mulher, seria por outra razão. Os candidatos democratas sempre tiveram problemas em encontrar mulheres para concorrer. Espero inspirar mais mulheres. E vejo nas pesquisas que o apoio dos homens a mim está aumentando. Além disso, há várias mulheres que nunca votaram e que manifestaram seu interesse em me ajudar.

* Eduardo Amaral de Oliveira é colunista do "Nashua Telegraph" e co-editor do jornal brasileiro publicado em Boston "Brazilian Journal"

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