domingo, 22 de abril de 2007

Quando Lula jantou tucanos fritos

São Paulo, domingo, 22 de abril de 2007
VINICIUS TORRES FREIRE
Folha de São Paulo

Pós-FHC, PSDB volta a ficar sem projeto político e social, se desagrega e negocia sua rendição ao poder luliano

UMA DAS FICÇÕES da política dos anos 90 era a aliança dos partidos "modernos", o PT e o PSDB, a união das forças que poderiam renovar o Estado e outras cascatas sobre as quais não é preciso se delongar. Era uma ilusão de uns moderados muito periféricos do PT, pois o núcleo sindical-lulista e a esquerda jamais cogitaram alianças. Era também um sintoma passageiro dos acessos de desorientação político-social e da síndrome de abstinência de poder do cardinalato tucano. O tucanato não sabia o que seria quando crescesse. A comunhão da paulicéia ilustrada e agregados regionais vivia na ansiedade de tornar-se uma UDN tecnocrático-universitária, sem apelo popular, voto ou poder -e sem golpistas. O partido vivia entre a pregação oportunista do parlamentarismo (meio mais fácil de chegar ao poder central que o voto direto) e o risco de se render à sedução de Fernando Collor, que quase levou os tucanos ao seu ministério.

A hiperinflação, a ruína final do Estado dito desenvolvimentista e o colapso do liberal-cesarismo alucinado de Collor produziu o acidente Itamar Franco e um vácuo de poder. A inteligência política de Fernando Henrique Cardoso viu o cavalo passar desmontado. FHC reorganizou os cacos da elite sem projeto e dividida; agregou o povo dizimado pela inflação. A fim de se adequar ao espírito e aos dinheiros do tempo, levou a finança ao poder e renovou a tecnocracia, agora burocracia banqueira-executiva-universitária, a tecnocracia que quase sempre deu rumo e colocou ordem na vida das classes ricas e desorientadas do Brasil. Depois desse raio fernandino em dia de céu azul, o PSDB voltou a ser a nuvem de calças ou o cão por demais emplumado que sempre foi. Mas o novo ciclo de nebulização tucana encontra um país diferente e menos caótico na política e na economia.

Uns anos de democracia no mar de miséria, a reforma liberal imperfeita do tucanato e sua incapacidade de reforma social tanto dissolveram velhas polarizações políticas que diferenciavam o PSDB do petismo-sindicalismo como ressuscitaram o desejo dos brasileiros de disporem de alguma social-democracia, o que abriu espaço para Lula. O PSDB, esse, não tem o que dizer ao povo. A elite não carece mais deles, não. Mudanças políticas e sociais ajudaram a rachar o partido. A comunhão de executivos, banqueiros e intelectuais perdeu a hegemonia e, em parte, debandou depois da missão (mal) cumprida de liberalizar o país. Divide espaço com carcomidos que embarcaram no "ônibus" que se tornou o PSDB no poder. Mais séria, foi contestada pelos homens novos, em parte representados pelos alckmistas, "mélange" do interior rico paulista, da nova alta classe média e da tosca nova elite gerencial paulista.

O arquipélago de neocoronéis das elites regionais, o centrão do Congresso e o sindicato parlamentar, que aderem a qualquer governo, aderiram ao sucesso do distributivismo lulista, marginalizando o tucanato e seu sócio-menor, o DEM, o PFL que não ousa dizer seu nome.

O PSDB ora não passa de legenda de conveniência para três projetos políticos particularistas (Serra, Aécio, Alckmin), que em parte barganham abertamente seus interesses com um Lula no auge do poder. O PSDB adere por W.O., sem luta.
vinit@uol.com.br

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