"Neste Congresso não tem barganha"
Entrevista ao jornal Valor: Ministro das Relações Institucionais diz ser contra o fim da reeleição e que governo já espera CPI
Raymundo Costa e Rosângela Bittar 20/04/2007
Publicado no jornal Valor
A 134 passos do gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva há um defensor contundente do governo. O número de passos foi calculado pelo antecessor, atual governador baiano Jaques Wagner, mas foi conferido pessoalmente pelo novo homem forte do governo, o ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, 64 anos. "Contando as escadas", diz ele.
Ex-ministro do Turismo, Walfrido está feliz com a função de articulador político do governo. Numa planilha, acompanha cada uma das votações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), marcando com vermelho aquelas com problema, amarelo as que estão encaminhadas e de verde as medidas que já foram aprovadas. No fim da tarde de quarta-feira, apenas uma medida provisória estava marcada de vermelho.
O telefone não parou de tocar durante os cerca de sessenta minutos de conversa com o Valor. Filtrados, o ministro atendia um ou outro. Um deles era do líder do governo na Câmara, José Múcio Monteiro (PTB-PE), sobre uma demanda de deputado. "Não adianta me enfiar a faca no pescoço", respondeu o ministro, dizendo que o assunto era decisão do presidente. E nem só de políticos é a sua agenda: numa sala ao lado da sua havia vinte representantes do setor têxtil para uma audiência a seguir, enquanto aguardava para ser recebido o ex-presidente da Infraero, Carlos Wilson (PT-PR).
Originário do PTB, partido ao qual está filiado há 16 anos, defende Lula com um ardor maior que o de muitos petistas. Walfrido simplesmente considera uma "idiotice hedionda" se dizer que Lula esteja preocupado, no momento, com as eleições de 2010 ou com um possível retorno em 2014. Faz questão de afirmar que não tem nenhum problema com o antecessor no cargo, Tarso Genro, mas ao contrário deste tem uma opinião firme sobre a reeleição: é a favor de sua manutenção, mas assegura que o assunto não é prioridade e nem foi ainda tratado pelo governo. E ataca quem diz que o governo barganha em troca de votos no congresso: "Neste Congresso não tem barganha".
Segundo Walfrido, vencida a agenda do PAC as próximas prioridades serão a prorrogação da CPMF e da DRU, a reforma reforma tributária e a conclusão da discussão sobre a Previdência. Mas nenhum "direito adquirido" será mudado. O ministro diz que o governo não está por trás das tentativas de vetar a CPI do apagão aéreo, mas justifica a articulação da base aliada: "CPIs são inócuas".
A seguir os principais trechos da entrevista de Walfrido dos Mares Guia ao Valor:
Valor: Por que o governo não quer a CPI do apagão aéreo?
Walfrido dos Mares Guia: Esse é um problema do outro lado da praça (Congresso). Aqui não tem nada, nada, nada de CPI do Apagão. É muito simples: a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara arquivou, o plenário aceitou a análise de mérito da CCJ e votou majoritariamente pelo arquivamento, a minoria reclamou e foi ao Supremo. Agora o Senado já tem as assinaturas. E nós estamos esperando que ela seja implementada.
Valor: Aparentemente, o governo não teria por que temer essa CPI, pois está dizendo que ou o problema não existe, ou que já foi resolvido...
Walfrido: Mas quem falou que teme?
Valor: O PT está se mobilizando...
Walfrido: Nós nos mobilizamos para não ter CPI porque nós todos estamos cansados de saber que as CPIs são absolutamente inócuas. O apagão aéreo é um problema localizado no comando da Aeronáutica, que já assumiu a responsabilidade e está botando a casa em ordem. Com os controladores de vôo, com os equipamentos, com softwares e com a gestão de tudo isso. Não tem nada a ver fora da Aeronáutica. A Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) não tem nada a ver com isso, a Infraero não tem nada a ver com isso. Nada vezes nada. O apagão aéreo foi o problema dos controladores de vôo, a partir do acidente da Gol, que levantou um alerta. Isso está sendo absolutamente contornado.
Valor: A preocupação maior é com a Infraero, onde o Tribunal de Contas já identificou irregularidades?
Walfrido: Em agosto do ano passado, o ministro Waldir Pires, que é presidente do conselho da Infraero, identificou que havia problema na Infraero, botou a Controladoria no caso, a Controladoria fez um levantamento completo sobre isso, concluiu que precisava fazer uma sindicância, tomou todas as medidas necessárias e não se falava em CPI. Então, a troco de quê?
Valor: O problema não é só Infraero. A viagem de avião virou um drama nacional, sem perspectivas de solução...
Walfrido: O drama nacional é por que os aviões não estão saindo na hora, aliás hoje já estão... Sabe quantas audiências já teve lá no Congresso? Mais de dez.
Valor: Mas a Anac (Agência de Aviação Civil) disse que não tem crise, e a Aeronáutica assegurou que tudo foi resolvido.
Walfrido: Não. O rapaz da Anac não disse que não tem crise. Disse que no sistema aéreo não tem crise. Na gestão dos controladores teve crise. É aquela história: você pega um avião e a aeromoça vai lhe servir o café. Cai o café na sua calça, a culpa é do presidente da empresa, a culpa é do comandante do avião?
Valor: Confinar o problema aos controladores não é uma redução? O modelo não é concentrador?
Walfrido: O modelo não é concentrador, o modelo é competitivo. Era concentrador na época da Varig. Hoje é competitivo. Tem 17 empresas aéreas no Brasil, três nacionais e 14 regionais. Quando eu entrei no Ministério do Turismo tinha seis milhões de brasileiros que pegavam avião. Hoje tem 13 milhões. Em quatro anos. Não tem crise na aviação brasileira. Tem crise na gestão dos controladores de vôo. E provavelmente em dois aeroportos, que estão altamente concentrados. Como é Congonhas. Você vê, Congonhas recebeu 18 milhões de passageiros.
Valor: E Brasília, que com a redução dos vôos regionais passou a ser um aeroporto central de distribuição?
Walfrido: O xis da questão é Congonhas. Não tem problema para esconder. Se alguém geriu mal, que preste contas. O Carlos Wilson (deputado, ex-presidente da Infraero) fez um belo discurso lá no Congresso, ontem. Disse que era a favor da CPI, perguntou por que não coletaram a assinatura dele. Amanhã então o seu contínuo faz uma falcatrua e a culpa é sua porque você não tomou providências? Agora, o papel da oposição é esse mesmo: criticar, infernizar e pedir CPI.
Valor: O governo discute o fim da reeleição?
Walfrido: Não está na nossa pauta. Não tivemos nenhuma reunião, em momento nenhum, para discutir isso. A reeleição está no Congresso, como está também a reforma política.
Valor: Mas o Tarso Genro (Justiça) é governo e está conversando.
Walfrido: Não tem problema nenhum entre eu e o Tarso. Ele me pediu que tivéssemos uma ação conjunta na reforma política, porque ele estava muito envolvido, inclusive com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Eu disse ao Tarso que, para mim, é ouro sobre o azul ele ajudar nisso. Porque eu entro frio, frio, frio por não saber os antecedentes. Já que não é uma proposta do governo, o melhor é que ele acompanhe isso e me ajude, até me orientando como que eu devo proceder. E assim nós estamos fazendo.
Valor: Quer dizer que ele está fazendo uma coisa que não é do governo?
Walfrido: O governo Lula não tem uma proposta para a reforma política. Não tem. E não tem proposta lá dentro da Câmara e do Senado em nome do governo. Nem para reeleição. A reeleição está sendo discutida a partir de um projeto que está lá dentro do Senado, se não me engano. Não está em nossas discussões.
Valor: Qual é a sua opinião pessoal sobre reeleição?
Walfrido: Eu sou a favor da reeleição conceitualmente. Do jeito que ela foi feita...Ela foi feita do jeito que todo mundo não gosta de fazer: mudar a regra no meio do jogo. Respeito o Fernando Henrique Cardoso, votei nele, fui deputado e o apoiei, portanto, estou muito à vontade para falar. Na época, inclusive, eu ajudei. Mas sou a favor da reeleição por convicção. Porque quem escolhe é o eleitor. Não é o partido nem o governo. O Eduardo Azeredo era governador de Minas e perdeu a reeleição. A Marta era prefeita de São Paulo e perdeu a reeleição. Algum aperfeiçoamento? Seria se a pessoa concorre ou não no cargo. Em todos os países desenvolvidos do mundo se participa no cargo, partindo da premissa que as pessoas são pessoas de bem. A natureza é do bem, não é do mal.
Valor: O senhor vai defender essa tese com o presidente?
Walfrido: Na hora que formos discutir esse assunto eu vou emitir a minha opinião. Se ela for uma opinião que tiver outros prevalentes, aí eu vou defender a opinião do governo.
Valor: Mas o que se lê é que Lula só pensa nisso.
Walfrido: Quem fala isso é irresponsável e está desinformado. Ele não está nem aí para 2014. Ele quer fazer um governo absolutamente competente, entregar o país organizado, entregar o PAC formado e implementado, melhorar a distribuição de renda, fazer o país crescer. Nas 12 horas por dia que ele trabalha não tem um minuto para conversar esse negócio de 2010, 2014. Essa é uma idiotice hedionda. Quero deixar bem claro que esse negócio não existe. Falo com conhecimento de causa.
Valor: O PAC não anda na execução porque o Congresso está atrasado nas votações das medidas?
Walfrido: O PAC vai muito bem. Mais da metade dos investimentos do PAC não passam pelo Congresso. São Petrobras, Orçamento da União. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. O PAC está em curso. Das nove medidas provisórias do PAC seis já passaram pela Câmara e dessas duas já passaram pelo crivo dos senadores. Então veja o seguinte: por que é que o governo não vai entrar formalmente na reforma eleitoral ou reforma política, mas vai participar, pelo menos emitir alguns conceitos? Por que é uma coisa que diz diretamente aos parlamentares, que diz respeito, digamos assim, à vida deles.
Valor: Há atraso na nomeação do segundo escalão, da mesma maneira que houve um atraso na formação do ministério...
Walfrido: Não.
Valor: Como não, foram três meses para montar o quebra-cabeça da repartição dos ministérios...
Walfrido: Nada disso.
Valor: Agora o governo atrasa a nomeação de todo o segundo escalão. Por quê? Só há cargos para pressionar as votações, barganhar com os deputados?
Walfrido: Que coisa horrorosa isso. Primeiro não tem barganha com deputado. Eu pelo menos não estou aqui para barganhar com deputado coisa nenhuma. E o presidente não atrasou coisíssima nenhuma. O presidente ganhou a eleição e estava governando.
Valor: Mas ele disse publicamente que iria primeiro esperar a eleição das presidências da Câmara e Senado antes de...
Walfrido: Ele não disse isso não. Ele cansou de falar que mudaria os ministros na hora que quisesse. O governo está funcionando.
Valor: Está bem, ministro. Vamos retirar a palavra barganha e falar em composição...
Walfrido: Bom, aí sim. Por que a barganha fica parecendo o seguinte: 'Olha deputado, você toma um negocinho aqui para votar'. Não. Eles estão votando.
Valor: Então por que é que o PMDB está no governo?
Walfrido: O PMDB está no governo porque ele não quis ser da oposição. Por que é que o PSDB está na oposição? Por que não quis ser do governo. Nós temos um sistema político que não dá para quem ganha a eleição a maioria do Congresso. O que é que o mundo inteiro faz? Faz uma coalizão. O que é que é a coalizão? Tem um programa de pontos, reforma tributária, programa de desenvolvimento, PAC, garantia de desenvolvimento sustentado...
Valor: Há quem freqüente ministério, usuários de serviços, que reclamam de paralisia.
Walfrido: Porque não conseguiu o que queria. Eu não posso trabalhar com a opinião gratuita que uma pessoa dá genericamente. Os ministérios estão funcionando, está tudo funcionando, o país está crescendo, crescendo acima das expectativas, os pessimistas estão por aí procurado assunto. A economia vai bem, nunca foi tão bem. O crescimento do país, pela primeira vez em 40 anos, foi acima da inflação. O crescimento deste ano até os pessimistas acham que vai ser da ordem de quatro. Os otimistas já estão chegando em cinco. O que é o cenário pessimista hoje no Brasil? É de o de pouco crescimento.
Valor: E como entra a política nesse contexto?
Walfrido: A minha visão é o país. E a política ajuda o país a crescer, na medida em que ela está estável, que tem governabilidade, que tem maioria na Câmara, nós temos maioria no Congresso. Agora, nenhum asceta idealista pode imaginar que um partido político que entra numa coalizão vai apenas votar o programa batendo palmas. Ele vai querer participar da gestão.
Valor: O governo, então, confia na coalizão que formou?
Walfrido: Tanto confia que está reunindo todo dia.
Valor: Cumprida a agenda do PAC, quais os próximos passos?
Walfrido: Tem a reforma tributária, que está sendo negociada com os governadores. Tem o fórum da Previdência, que foi lançado no final do ano passado, para fazer uma grande discussão sobre a Previdência, não para chegar aqui e tomar dois ou três direitos adquiridos, que a gente sabe que vai perder do outro lado da rua (Supremo Tribunal Federal). Vamos fazer uma proposta conseqüente.
Valor: De longo prazo.
Walfrido: De longo prazo, assim como a reforma política. Você está achando que vai ter reforma política para quatro anos? Vai ter para oito, 12.
Valor: A reforma trabalhista entra?
Walfrido: A trabalhista não apareceu ainda como prioridade. Mas tem a discussão da DRU, da CPMF, o FPM dos municípios, o pacto federativo que os governadores estão pedindo.
Valor: O governo não desistiu das reformas estruturantes para se fixar apenas na prorrogação da DRU e da CPMF?
Walfrido: Não. A DRU e a CPMF são para garantir o funcionamento do governo. Não tem como hoje acabar com CPMF e cortar R$ 32 bilhões do governo.
Valor: Dá para repartir com os Estados?
Walfrido: No futuro pode dar. Neste momento, não. Por quê? Porque nós estamos pagando a conta dos Estados. Nós assumimos 100 bilhões, dez anos atrás, dos Estados. Nós temos que pagar a dívida nacional, a aposentadoria das Forças Armadas, o INSS. O INSS tem um déficit, mas não foi um déficit criado pelo governo, foi um déficit criado pela Constituição. Na hora que se pega o conceito INSS, coloca estatuto do idoso, Funrural, PET...
Valor: Separa a assistência social, mas o cofre é o mesmo.
Walfrido: Na hora em que você fala que o cofre é o mesmo, você fala em déficit. Se você falar: não, vamos carimbar este imposto aqui para pagar esse passivo da sociedade com os pobres mais pobres, aí passa a ser um imposto econômico. Não é déficit mais.
Valor: É um artifício contábil.
Walfrido: É a mesma coisa. É só carimbar. É uma provocação, mas eu tenho que dizer que o quadro é "bão demais da conta". Até parece que tem que ficar fazendo barganha, toma lá, dá cá. Neste Congresso não tem toma lá, dá cá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário