sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Justiça veta carro alegórico sobre Holocausto



O carro alegórico da Viradouro sobre o Holocausto


O GLOBO

Carnavalesco da Viradouro chora ao ver destruição de alegoria; escola modificará escultura e excluirá destaque de Hitler

Na madrugada de ontem, a Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (Fierj) conseguiu liminar na Justiça impedindo a exibição do quinto carro alegórico da Viradouro, que fazia referência às vítimas do Holocausto e mostrava uma pilha de corpos esquálidos e nus, onde desfilaria um destaque fantasiado de Adolf Hitler. A escola, que tem como enredo “É de arrepiar” e usaria a alegoria “para lembrar que o extermínio pode ser a conseqüência do preconceito, da intolerância, do desrespeito à diversidade” — segundo a sinopse do carnavalesco Paulo Barros — destruiu o carro ontem mesmo.

— Saber que haveria um Hitler no desfile não foi a gota d’água, pois meu copo estava vazio. Foi uma verdadeira tempestade — disse o presidente da Fierj, Sérgio Niskier, que, embora tivesse pedido sua retirada do desfile, não iria tentar impedila de ir para a avenida. — Há dois meses, fomos procurados pelo carnavalesco e pelo presidente da escola, Marco Lira, querendo saber nossa opinião sobre um possível carro do Holocausto.

Nós dissemos que não gostávamos da idéia, mas não adiantou. Depois disto, apenas mandamos cartas com pedidos para que eles mudassem de idéia, mas acreditava na palavra do Paulo de que o assunto seria tratado com respeito. Só que colocar Hitler sambando sobre estes corpos é inadmissível.

Escola poderia ser multada pela Justiça se insistisse Niskier ficou sabendo anteontem da presença de um destaque vestido de Hitler na escola pelo site da Liga das Escolas de Samba na Internet. E procurou o escritório do advogado Sérgio Bermudes para tentar impedir a ida do carro à avenida. Para a federação, a alegoria e seu destaque banalizavam o Holocausto e desrespeitavam a memória de todas as suas vitimas, incluindo os heróis brasileiros mortos nos campos da Itália. A juíza Juliana Kalichsztein, do plantão noturno do Fórum do Rio, aceitou a argumentação da Fierj de que o Holocausto não combina com uma festa como o carnaval.

A decisão da juíza determina que a Viradouro “se abstenha de exibir, em seus desfiles de carnaval, qualquer passista caracterizado de Adolf Hitler, bem como a parte do carro alegórico que retrata cadáveres nus de vítimas do nazismo”. Se não cumprisse a decisão e exibisse o carro, a Viradouro poderia ter que pagar R$ 50 mil para cada passista caracterizado de Hitler e R$ 200 mil pela parte do carro que retrata cadáveres nus. “Um evento de tal magnitude não deve ser utilizado como ferramenta de culto ao ódio, qualquer forma de racismo, além da clara banalização dos eventos bárbaros e injustificados praticados contra as minorias (...) e liderados por figura execrável chamada Adolf Hitler”, diz a juíza na liminar.

À revista “Época”, ontem à tarde, o carnavalesco disse que já começava a pensar na modificação do carro do holocausto a tempo do desfile, no domingo. Ele chorou ao ver a destruição da alegoria: — É uma clara manifestação de preconceito. Eles (os membros da Fierj) não nos vêem como uma manifestação artística e cultural. Para eles, carnaval é batuque e bunda de fora. Se fosse numa ópera, numa música ou numa pintura, poderia.

Mais cedo, o escritório de advocacia que ajuizou a ação sugeriu um acordo com a direção da Viradouro. A concepção básica da alegoria, com os corpos amontoados, seria mantida. Mas o destaque que representaria Adolf Hitler seria substituído por uma faixa com os dizeres “Holocausto nunca mais!”. A oferta foi rechaçada por Barros, que não admitiu qualquer tipo de interferência no seu trabalho.

Polonês de nascimento e neto de vítimas judias assassinadas em campos de concentração, o carnavalesco da Grande Rio, Roberto Szaniecki, era o maior opositor da polêmica alegoria de Paulo Barros: — Nenhum carnavalesco gosta de sofrer interferência no seu trabalho. Mas ele (Barros) pediu para que isso acontecesse.

Já o carnavalesco Cid Carvalho, responsável pelo enredo da Estácio, desistiu recentemente de levar para o Sambódromo uma ala que desfilaria com a suástica, em alusão a Hitler.

— Não queria que a polêmica crescesse. Mas sou contra qualquer tipo de proibição.

A carnavalesca Maria Augusta também lamenta que a escola seja impedida de apresentar o carro do Holocausto: — Fico estarrecida com este tipo de censura. Escolas de samba já serviram para divulgar temas muito importantes, como os heróis negros na década de 60. O enredo da Viradouro é sobre o arrepio e o carro é de arrepiar, sim. A reação das pessoas é uma coisa muito subjetiva. Com Hitler ou sem Hitler, a escola de samba tem 4.000 componentes. Estamos falando de um destaque, de um carro. Liberdade é fundamental.

“Saber que haveria um Hitler no desfile não foi a gota d’água, pois meu copo estava vazio. Foi uma verdadeira tempestade”
SÉRGIO NISKIER
Presidente da Fierj

“É uma clara manifestação de preconceito. Para eles, carnaval é batuque e bunda de fora. Se fosse numa ópera, numa música ou numa pintura, poderia ”
PAULO BARROS
Carnavalesco da Viradouro


OUTROS CASOS
Desde 2003, a Lei municipal 3.507 prevê a “desclassificação das agremiações carnavalescas que praticarem vilipêndio ou escárnio a valores religiosos”. O uso de imagens já é desaconselhado no regulamento da Liga Independente das Escolas de Samba, com base no artigo 208 do Código Penal, que trata de crimes contra o sentimento religioso. Em geral, as polêmicas religiosas no carnaval acontecem com a Igreja Católica.

A mais famosa delas envolveu a alegoria do Cristo censurado do enredo “Ratos e urubus, rasguem minha fantasia”, de Joãozinho Trinta, em 1989, que acabou fazendo enorme sucesso desfilando coberto e com a faixa “Mesmo proibido, olhai por nós”.

Em outra ocasião, o carnavalesco Chico Spinoza chegou a ser detido quando trabalhava para a Unidos da Tijuca e pretendia levar um painel de Nossa Senhora da Boa Esperança e uma cruz, apreendidos pela polícia no barracão da escola.

Em 2003, a Beija-Flor desistiu de levar um Jesus armado para a Sapucaí, na última hora, de modo a evitar polêmicas com a Igreja.

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