segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

A euforia com Strauss-Kahn

Vale a pena ler o artigo de Ribamar Oliveira. Ele acerta quando afirma que a situação hoje no Brasil não pode ser equiparada à da crise nos EUA e que aplicar as mesmas receitas (keynesianas) aqui seria contraproducente. Porém ele deixa de explicar por que, nos períodos de recessão ou quase, no Brasil ou em qualquer outro país, incluso europeu, o FMI apregoou redução do gasto público, redução do endividamento, venda do patrimônio público e condenou toda e qualquer política keynesiana. Agora nos EUA todos aplaudem a intervenção estatal e uma injeção de recursos públicos para evitar a recessão. Trata-se sim de uma reviravolta, aliás bem-vinda. LF

Ribamar Oliveira

O ESTADO DE SÃO PAULO

Não é todo dia que se pode ler ou ouvir uma autoridade do Fundo Monetário Internacional (FMI) aconselhar os países a ampliar seus gastos públicos para ajudar a evitar uma recessão mundial. Foi isso o que fez o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, há alguns dias em Davos, na Suíça, e em artigo publicado recentemente pelo Financial Times e reproduzido pela Folha de S. Paulo.

A proposta de Strauss-Kahn foi recebida com entusiasmo por setores do governo brasileiro, como se o diretor do FMI estivesse, implicitamente, reconhecendo a justeza da política fiscal do País. Como é do conhecimento de todos, os gastos públicos no Brasil crescem sem parar, em ritmo superior ao da economia, há mais de 12 anos.

No ano passado, por exemplo, as despesas totais do Tesouro Nacional (menos o pagamento dos juros das dívidas públicas) cresceram 14,4% em termos nominais ou 9,5% em termos reais (descontada a inflação). A previsão de crescimento real da economia em 2007 é de 5,2%. O ritmo de expansão dos gastos foi, portanto, quase o dobro do crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB).

As despesas de custeio (excluídos o pagamento de salários do funcionalismo ativo e inativo e os gastos com benefícios previdenciários) aumentaram mais ainda: 16,6% em termos nominais ou 11,6% em termos reais. Os investimentos federais em 2007 aumentaram 21,1%, em termos reais.

A proposta de Strauss-Kahn surpreendeu porque o FMI sempre foi identificado como defensor intransigente da redução dos gastos públicos, do equilíbrio orçamentário, da redução da presença do Estado na economia e de uma política monetária comprometida com a manutenção de uma inflação baixa.

O receituário do FMI expressava o que ficou conhecido como “consenso de Washington”. A esquerda e os economistas menos ortodoxos passaram a identificar as teses do “consenso de Washington” com o neoliberalismo. A proposta de Strauss-Kahn soa diferente do receituário tradicional do Fundo e se parece mais com as teses defendidas pelos heterodoxos.

Em Davos e no artigo para o Financial Times, Strauss-Kahn alertou para o fato de que a política monetária do Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos Estados Unidos, pode não ser suficiente para evitar uma recessão da economia americana. Em menos de 10 dias, o Fed reduziu a taxa básica de juro dos EUA em 1,25 ponto porcentual para enfrentar a crise, e o mercado ainda aguarda novos cortes.

Strauss-Kahn acha que o corte dos juros pode não funcionar para estimular o investimento e o consumo da forma como ocorreria em situações normais. A razão é que os bancos sofreram perdas de capital com a crise do subprime do setor imobiliário americano e não querem agora correr novos riscos. Além disso, ele enfatiza que será difícil reverter uma recessão, se ela vier a ocorrer.

Por isso, o diretor-gerente do FMI propôs um estímulo fiscal para elevar a demanda agregada, de forma a sustentar o consumo durante a fase crítica. Strauss-Khan admitiu que o uso da política fiscal acarreta riscos, mas alertou para o fato de que a inação dos governos elevaria o risco de um desfecho ainda mais negativo.

Em síntese, Strauss-Kahn defendeu o uso da política fiscal de forma anticíclica, ou seja, como uma alternativa para sustentar a demanda global e evitar que o pior aconteça, ou seja, que a economia entre numa recessão mais séria, na qual milhões de trabalhadores perderiam o emprego.

O diretor-gerente do FMI repetiu apenas as teses formuladas inicialmente pelo economista inglês John Maynard Keynes no início do século passado. Para Keynes, a política monetária não funciona plenamente em situações de crise pois, por mais que o Banco Central reduza os juros, ninguém pode obrigar o cidadão a pedir um empréstimo.

O economista inglês dizia que, na crise, o público manifesta preferência pela liquidez. As pessoas preferem poupar do que se endividar. Com medo do que poderá acontecer, os bancos também preferem ficar líquidos.

Por causa disso, Keynes aconselhava os governos a adotar uma política fiscal mais ativa, com elevação dos seus gastos e com redução dos impostos, ou seja, algo parecido com o que está propondo agora o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush.

Esse estímulo fiscal, segundo Keynes, ajudaria a sustentar a demanda e a evitar o pior. A política fiscal anticíclica é, portanto, baseada nas teorias de Keynes e já foi adotada em outras crises econômicas, como na grande depressão pós 1929.

Os setores do governo Lula que ficaram eufóricos com a proposta de Strauss-Kahn devem observar que a situação do Brasil é inteiramente diferente da vivida pelos Estados Unidos. O problema brasileiro é de demanda superaquecida, o que está pressionando a inflação, segundo avaliação do próprio Banco Central.

A execução de uma política fiscal anticíclica implicaria, no caso brasileiro, redução dos gastos públicos e não no inverso. Durante as fases de crescimento acelerado da economia, a política fiscal anticíclica recomenda a elevação do superávit primário (ou seja, da poupança governamental). Em situações de recessão, o contrário ocorreria, ou seja, redução do superávit para estimular a atividade econômica.


Nenhum comentário: